“Quem quiser plantar saudade,
escalde bem a semente,
depois plante em lugar seco
na hora do sol mais quente,
pois se plantar no molhado
quando nascer mata a gente".
Já escrevi aqui como se deu o encontro de Luiz Gonzaga com o ainda menino Sivuca, no Recife, em 1946 e do espanto do rei do baião com a puxada de fole daquele molecote.
Sivuca, lamentavelmente, morreu a 14 de dezembro de 2006. A “indesejada” o poupou de morrer a 13 de dezembro, aniversário de Gonzaga, porque eles se admiravam muito. Imaginem que o maior músico de sanfona do mundo, numa entrevista de 2005, disse humildemente que tinha aprendido também com ele. Segundo Sivuca, a escola de acordeon brasileira é a única no mundo que consegue desbravar recursos e sons inimagináveis até para os acordeonistas italianos e alemães, duas outras escolas portentosas e respeitáveis, porque somente aqui os músicos de sanfona conseguem também fazer o ritmo da música sentindo a pulsação no próprio instrumento, seja tocando choro ou forró. O pai dessa escola é Luiz Gonzaga, o qual explorou o forró e outros ritmos inclusive o choro. E a linha do choro brasileiro teve e tem outros instrumentistas notáveis como Chiquinho do Acordeon, Orlando Silveira, Mário Gennari Filho, Dominguinhos, Genaro, Duda da Passira e Noca do Acordeon. No forró destacaram-se de forma impressionante, Osvaldinho e Dominguinhos. Talvez Sivuca tenha sido o mais completo de todos.
Como se sabe, no começo de 1964, Sivuca viajou pros Estados Unidos pra acompanhar a cantora Carmem Costa em suas apresentações musicais. Lá ficou por mais de 12 anos e trabalhou com grandes artistas, fez arranjos pra muita gente famosa, era adorado pelos músicos americanos, tocando sempre mais violão do que sanfona, pois era também exímio guitarrista, como dizem os norte-americanos e espanhóis do músico que toca violão.
Mas apesar do sucesso, Sivuca tinha uma vontade danada de voltar pro Brasil, porém, aqui, conforme ele falou, tinha acontecido "aquela coisa que se chamou de Revolução de 1964" e ele tinha a carteirinha do Partidão. Os militares (acho eu), nunca souberam disso, pois do contrário não o teriam deixado voltar em fins de 1976.
Foi lá nos States quando estava morrendo de saudades de cá, que o "filho da Lua" fazia evocações da sua juventude em Itabaiana/PB, lugar onde nasceu e se criou. Assim foi juntando algumas coisinhas, fazendo algumas rimas e começou a fazer uma musiquinha onde cada verso começava sempre com a expressão "nunca mais eu vi". E seguindo aquele chamado da recordação, falava na viola famosa de Azulão; no seu time de botão que adquiriu em Recife; na sua louça espalhada pelo terreiro na pobreza da sua comunidade rural chamada Pernambuquinho; em Henriqueta pisando milho no pilão significando fartura; em arrasta-pé no Sertão; em pegar boi no marmeleiro; em chapéu de couro e gibão; em adivinhação e, claro, também em Gonzaga que sempre foi seu ídolo.
Voltando ao Brasil em 1976, viu ainda aqueles tempos bicudos em que vivíamos e foi então que se lembrou daquele inseto ortóptero verde, muito comum nas matas brasileiras e que mais se parece com um micro garrancho andando. O nome do bichinho? Esperança. E o País estava mergulhado naquele regime de "pega, tortura e mata". Assim, de olho na situação política, conseguiu colocar título na sua música. E deu uma jogada de mestre, ao tentar emplacar "Nunca Mais Eu Vi Esperança". A Censura julgou os versos inocentes, mas o título da música não. E assim somente no começo de 1978 ela foi liberada para gravação. Era a lembrança doce do menino transformada em azeda realidade pro adulto, porque assim concluiu em forma de música que, naquela época, esperança no Brasil só havia mesmo na mata. Quanta gente escreveu tanta coisa sem conseguir transmitir aquilo que ele disse tão simplesmente: “nunca mais eu vi esperança”!
No primeiro encontro que Sivuca teve com Luiz Gonzaga após a volta, em 1977, lembraram dos velhos tempos e ele então lhe falou da música que havia composto a qual mencionava o Rei do Baião. Luiz ficou encantando com a simplicidade daquela música que parecia destinada à criançada. Aquilo que até então tinha um ritmo de baião dolente sofreu a influência do gênio inventivo de Gonzaga porque pediu ao amigo para “envenenar” a sanfona transformando-a num xaxado como nunca se ouviu. E assim foi gravada por Gonzaga no disco “Dengo Maior”, de 1978. Como baião, recebeu registro sonoro de Sivuca em 1981 no LP “Vou Vida Afora”.
A Censura do regime militar, que era um monstro sem cabeça, no fim da era Geisel, deu uma aliviada e tornou possível (com a retirada do veto) que aquela música de saudosismo adolescente, tenha se transformado numa raridade: Luiz Gonzaga cantando com a participação de Sivuca e ao som daquela sua sanfona divinal, ou endiabrada como diziam alguns. É o único registro sonoro que reúne os dois gênios (voz e instrumento).
No encarte do disco, a música aparece com a co-autoria da esposa de Sivuca, a cantora e compositora paraibana Glorinha Gadelha, como acontece com toda sua produção musical registrada a partir de 1976. Eu não sei exatamente qual a participação dela nessa música. Sei, apenas, que ele começou a fazê-la nos Estados Unidos.
E rendendo homenagem aos dois artistas, Sivuca e Gonzaga, no ano do centenário do segundo, eu peço que ouçam este exemplo da simplicidade e do talento musical. E nunca mais vão esquecer esse xaxado! A música foi gravada, dizem alguns, no final de 1977 e faz parte do repertório do LP "Dengo Maior", de Luiz Gonzaga, lançado em abril de 1978, aquele mesmo disco que trouxe a última música da parceria famosa Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira: "Salmo dos Aflitos".
0 comentários:
Postar um comentário