Por Luce Pereira
Sempre achei que Dominguinhos trazia o Sertão nos olhos. Mesmo naquele 10 de março de 2008, quando entrou devagar na Casa de José Mariano para receber o título de Cidadão do Recife, uma iniciativa do ex-verador Luiz Helvecio. Entrou vestindo paletó e gravata, sem conseguir esconder a enorme fragilidade nascida de uma cirurgia recente em um dos pulmões. Mesmo assim, metido naquela roupa que não combinava com sanfona nem chapéu de couro, trazia o Sertão nos olhos.
Chorou várias vezes, desde a entrada no salão, quando foi saudado pela Banda da Polícia Militar de Pernambuco com a música De volta pro meu aconchego. Era emotivo como um menino e muito triste, também, segundo diz o autor da homengem, a partir do que ouviu de um amigo do artista. Ao final, Dominguinhos agradeceu com a voz que sempre o guiou - a da sanfona.
De Pernambuco, levou muitos momentos felizes, mas, também, alguns em que, já fragilizado pela doença, se viu preterido na grade de programação do ciclo junino do Recife após ter sido convidado a tocar. Foi preciso o prefeito intervir, depois da grita geral. Outra vez, na mesma época, teve o show no Sítio da Trindade colocado para 01h, quando costumava se apresentar bem mais cedo em respeito ao perfil do seu público. A bondade e a delicadeza impediam que estrebuchasse, desse chilique, lembrando a estatura artística que tinha. Eram sempre os amigos a gritar por ele. Inútil lembrar os tijolos colocados por seu talento no sólido edifício em que se sustenta hoje a música popular brasileira.
Foi um mestre em seu ofício, com a humildade e a generosidade que só os verdadeiros mestres conseguem ter. Era de se esperar que nunca se visse diminuído pela infindável figura de Luiz Gonzaga, a quem acompanhou como faz um discípulo ciente do próprio valor. Só agora sai o Sertão dos olhos de Dominguinhos, que foi ali, tirar um cochilo. Não vai voltar simplesmente porque não irá nunca. Sua música e as lições de amor pelas raízes não deixam.
Fonte: Diário de Pernambuco
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