"Se não existisse, André Midani não podia ser inventado. Seria inverossímil demais. Sua vida é feita de acasos improváveis. Vocês conhecem alguém que se encontrava na Normandia em 1945, durante o desembarque das tropas aliadas no famoso “Dia D”? Pois André estava lá, como muito depois estava no Rio ajudando a criar a Bossa Nova. Ou mais tarde nos EUA como um dos mais poderosos executivos da Time-Warner. Tinha razão aquela policial mexicana quando examinou os documentos dele. “Uma pessoa nascida na Síria, com passaporte brasileiro, que mora em Nova York, que vem de Medelím e passa pelo México, que diz trabalhar com música, e que fala espanhol com sotaque francês... não pode ser uma pessoa confiável!”
Glauber Rocha também não se conformava. Chegou a escrever um artigo cujo título dizia tudo: “André Midani, o agente secreto da CIA”. Para o hiperbólico cineasta, aquele gringo que comandava a produção musical no Brasil só podia ser um elemento do imperialismo americano infiltrado no nosso show-bizz. Fazia sentido, porque o suspeito estava realizando uma revolução na nossa indústria do disco. A gravadora que ele dirigia aqui havia tomado conta do mercado.
Por outro lado, a ditadura mantinha sob vigilância esse possível agente de Moscou _ no caso, com motivos. André ousou reunir o que para os militares não passava de um elenco de subversivos: Caetano, Gil, Chico, Raul Seixas, Nara, Elis, entre outros. Pior. Quando alguns desses elementos perigosos foram obrigados a deixar o país, Midani desafiou a repressão e os manteve empregados e produzindo no exílio.
“Do vinil ao MP3” é uma espécie de Google da MPB moderna. Acesse “Midani” e vêm junto Tom, Vinícius, João Gilberto, Donato, o que há de melhor, com histórias saborosas. Como a do dirigente de uma companhia que jogou no chão o disco que André insistia que ele gravasse. “Isso é música de veado”, xingou. O disco se chamava “Chega de saudade”. A policial mexicana errou por pouco. André era confiável. Só não era provável."
Pouco ou quase nada pode-se acrescentar a essa definição dada por Zuenir Ventura a este homem que sacramentou o seu nome na industria fonográfica brasileira e que tornou-se um dos maiores nomes desse mercado nos últimos 60 anos.
Menos de três meses após seu lançamento, meu livro foi retirado das livrarias por ordem judicial. Tendo gostado imensamente de ter escrito este livro e em virtude de muita gente ter me perguntado ”Cadê teu livro?... Decidi colocar gratuitamente nas prateleiras da Internet dois capítulos a cada quarta feira. Podem ler... Podem baixar... Podem fazer o que quiserem, se quiserem, quando quiserem.
Um grande abraço e espero que vocês gostem.
André Midani
Desse modo democrático e sob a conivência do próprio autor a partir do seu site, iremos publicar todos os capítulos do livro de Midani para o deleite daqueles que são ávidos pela música e literatura. A partir de hoje vamos dar início a publicação dos respectivos capítulos até concluirmos a publicação na íntegra do livro em questão. Todas as segundas ao longo dos próximos meses iremos cinhecer um pouco mais sobre os bastidores da história da música no Brasil e um pouco da biografia deste homem que indelevelmente já deixa a sua marca para sempre na história da industria fonográfica nacional. Vamos ao início!
PRÓLOGO
Este livro reúne vários episódios que presenciei ou dos quais participei ao longo da minha vida.
Neste mundo onde tudo é rigorosamente classificado por gêneros, poderia ter sido lançado e promovido como um livro de auto-ajuda, com o propósito de enfatizar que tudo na vida é possível quando se tem a sorte de achar a vocação muito cedo, como no meu caso. E, se ela não cair do céu, então é necessário tentar, com afinco, descobrir uma, usando a intuição e, sobretudo, escutando os sentimentos. Depois é só correr atrás, incansavelmente, e acreditar na sorte que o destino oferece.
O livro também serve para mostrar que não se deve temer as surpresas que a gente encontra no caminho; ao contrário, é essencial abraçar tudo que vier, com desejo e volúpia, sendo sempre cabeça-dura — para não perder o foco — e tendo uma intensa vontade de trabalhar.
A leitura será um tanto decepcionante para quem espera encontrar considerações intelectuais sobre a música brasileira, revelações sobre as relações mais intimistas que mantive com os que eu chamava orgulhosamente de “meus artistas”, ou projeções a respeito da chamada indústria fonográfica, negócio hoje mortalmente ferido.
Escrevi a história de um homem de negócios e de suas atribulações na realização de suas tarefas; que buscou manter o equilíbrio entre o sagrado (a música) e o profano (o lucro). Escrevi a história de um homem fascinado pela personalidade dos artistas — sem fronteiras culturais ou geográficas.
Escrevi a história de um homem de negócios que, como meu querido amigo Washington Olivetto dizia, trabalhava como uma formiga e se distraía como uma cigarra.
CAPÍTULO 1
A tarde estava quente na chegada ao aeroporto da Cidade do México.As filas de espera para enfrentar o controle dos passaportes seguiam lentamente. uando chegou a minha vez, estava lá uma senhora da Polícia Federal, com o uniforme impecável. Ela me olhou, como certamente já tinha olhado para centenas de passageiros — com um ar cansado, pensando que, à noite, iria voltar para casa, preparar o jantar, cuidar das suas muitas crianças e dormir, como toda mulher mexicana, ao lado do seu homem freqüentemente bêbado.
Olhou a capa do meu passaporte, abriu as primeiras páginas, leu com atenção e perguntou se eu tinha um visto de entrada no país, ao que mostrei meu green card americano, que me permitia ingressar no México sem visto. Em seguida, perguntou de onde eu estava chegando e o que me levava à Cidade do México. Checou outra vez meu passaporte com atenção, levantou a cabeça, tirou os óculos e olhou na minha direção.
O senhor vem de onde, na Colômbia?
De Bogotá... E de Medellín, também.
Hum-hum... E o senhor está passando pelo México...
Sim, senhora.
O senhor trabalha em quê?
Trabalho com discos e música.
Sei. E, com um sorriso malicioso, encerrou o interrogatório:
— Olhe, meu senhor... Uma pessoa nascida na Síria, com passaporte brasileiro, que mora em NovaYork, que vem de Medellín e passa pelo México, que diz trabalhar com música e que fala espanhol com sotaque francês... não pode ser uma pessoa confiável!!!
Ela, então, carimbou meu passaporte, me olhou outra vez e disse:
— Pues bienvenido e divirtase en nuestro país e que le vaia bien.
Esse estranhamento começou já nos meus primeiros dias de vida, visto que, “ao todo”, me chamo André Calixte Haidar Midani... Não sei como nem por que apareceu o nome “André”, uma vez que não existe registro desse nome em nenhum documento meu de qualquer cartório, de país algum. E não me passou pela cabeça perguntar à minha mãe — a ela se perguntava pouco porque raramente se obtinha resposta… Porém, o pior foi que “André” grudou indelevelmente.As pessoas costumavam me chamar de Dédé, diminutivo de André, apelido que sempre odiei, desde a infância:
Dédé, vem pra cá!
Dédé, ajuda aí!
— Dédé? Que nome estranho para uma menina tão bonita! — disse, um dia, uma florista, já que minha mãe me penteava “à la Shirley Temple ”, como se eu fosse uma menina.
Um dia, bem mais tarde, mexendo num baú de papéis, descobri, com surpresa, no meu registro de batismo, que eu também me chamava Calixte. E olha que não fui batizado numa igrejinha qualquer! Fui batizado na digna e elegante catedral Notre-Dame de Paris. Esse nome, Calixte, não colou, pois ninguém jamais ousou usar nome tão esquisito. O nome Haidar, este sim, consta oficialmente em todos os meus documentos, pois foi com esse nome que meu pai e o governo sírio oficializaram minha entrada neste mundo. Claro que me deram, no transcurso da vida, outros nomes. Alguns simpáticos, como “Mimi de Villegagnon”,“Chefe Patropi” e outros menos agradáveis. Isso sucedia ao bel-prazer dos acontecimentos ou das pessoas que Pois seja bem-vindo. Divirta-se em nosso país e que tudo corra bem. Gostavam ou não de mim. Porém, foi Otto Lara Resende que deu, a meu ver, o nome mais adequado e mais pertinente:“André… o do disco”.
Pois do disco fiz a minha vida e, simbolicamente, nasci com o vinil e morri com o download.
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