Por Luiz Américo Lisboa Junior
Cartola (1974)
Muitas vezes quando a velhice vem se aproximando as pessoas começam a se sentirem menos prestigiadas surgindo problemas como a depressão da terceira idade. Mas sabemos que a idade física apesar de suas limitações não nos impede que possamos seguir adiante com vigor e uma mente arejada ajustando-se aos novos tempos e continuando a sermos úteis a sociedade, mesmo porque a idade mental é a que conta pois nos deixa permanentemente sintonizados com as transformações do tempo sem deixar-nos abater pelo fantasma da inércia e do comodismo. Quantas pessoas no mundo inteiro continuam produtivas com 60, 70, 80 anos? Os exemplos são muitos e se multiplicam cada vez mais, porque a cada dia buscam-se novas maneiras de se manter uma qualidade de vida saudável e estimulante, para isso contamos com a ajuda da avançada medicina que disponibiliza os recursos necessários, contudo o fator principal que move todo esse entusiasmo é a nossa própria vontade de viver, onde percebemos que somadas as experiências acumuladas ao longo dos anos construímos um patrimônio que nos deixa mais seguros e dispostos a continuar contribuindo para o progresso da humanidade.
As dificuldades vividas fazem parte de nossa jornada e devemos superá-las com galhardia, pois sabemos que nada acontece por acaso, e a superação das provas é a demonstração que amadurecemos e conseguimos seguir adiante em nossa tarefa redentora. Os exemplos de perseverança e determinação na lida cotidiana são inúmeros, porém, vamos nos ater a apenas um, mas antes uma pergunta: O que faria uma pessoa que conseguiu o respeito e a credibilidade de sua comunidade e de repente inicia um processo de declínio e se vê obrigado a lavar carros nas calçadas para manter a sobrevivência? Alguns entrariam em depressão ou se resignarão sem luta e outros verão naquilo um momento transitório, mas necessário e continuam com fé e esperança que dias melhores virão.
Foi assim que aconteceu com o compositor carioca Angenor de Oliveira, o Cartola, depois de conhecer a fama foi até considerado morto desaparecendo por completo do cenário artístico, no entanto, não se deu por vencido e foi sobreviver como podia, lavando e enxugando automóveis na rua. Até que um dia o cronista Sergio Porto, o Stanislau Ponte Preta o redescobriu, começaria assim uma nova vida cheia de esperanças e conquistas a realizar. Disposto a superar as dificuldades não se intimidou seguindo adiante e aos 65 anos de idade quando muita gente já perdeu as esperanças de viver ele entra nos estúdios de gravação e nos dias 20 e 21 de fevereiro e 16 e 17 de março de 1974 grava seu primeiro LP produzido pela etiqueta Marcus Pereira incluindo novas e antigas canções.
Demonstrava que continuava vivo, vigoroso, disposto a tirar a diferença dos anos de extrema dificuldade e reaparece com um dos mais belos trabalhos da música popular brasileira. O talento esta ali, intacto, lapidado pela vida, a sensibilidade expressa nas melodias e nas letras de suas canções retratam o que há de mais autentico em nossa canção. Músicas e poemas inspirados, construídos com a intuição de alguém que não teve escolaridade formal mas aprendeu na luta do dia a dia a ver apenas as coisas belas da existência, aí esta a diferença.
Contando com um competente naipe de músicos destacando-se Canhoto do cavaquinho, Copinha na flauta e Dino no violão sete cordas, Cartola desfila dentre outras um rosário de canções que já se tornaram clássicas de nosso cancioneiro, como Disfarça e chora, Sim, Acontece, O sol nascerá, Alvorada, Tive sim, Corra e olhe o céu e Quem me vê sorrindo.
Fundador da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, a quem deu as suas cores definitivas o verde e rosa, Cartola foi um dos baluartes da música brasileira, com a realização deste seu primeiro disco abria um caminho para outros que foram produzidos com igual dedicação e talento, demonstrando que não se tem idade para recomeçar, basta ser digno, confiar em seus próprios méritos e ter humildade suficiente como o antídoto necessário para viver em plenitude. Este disco é reafirmação desses valores!
Faixas:
01 - Disfarça e chora
(Cartola e Dalmo Casteli)
02 - Sim
(Cartola e Oswaldo Martins)
03 - Corra e olhe o céu
(Cartola e Dalmo Casteli)
04 - Acontece
(Cartola)
05 - Tive sim
(Cartola)
06 - O sol nascerá
(Cartola e Elton Medeiros)
07 - Alvorada
(Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Belo de Carvalho)
08 - Festa da vinda
(Cartola e Nuno Veloso)
09 - Quem me vê sorrindo
(Cartola e Carlos Cachaça)
10 - Amor proibido
(Cartola)
11 - Ordenes e farei
(Cartola e Aluízio Dias)
12 - Alegria
(Cartola)
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