A CASA DAS DUAS JANELAS
A casa tinha apenas uma porta, sempre fechada, ladeada por duas pequenas janelas, sempre abertas. Os passarinhos não precisavam de porta aberta para adentrar àquela casa: faziam-no por uma das janelas, à livre escolha de suas asas. Dentro da casa, o velho solitário lia livros antigos balançando-se em sua cadeira enquanto o sono não lhe vencia. E o sono sempre vencia, forte e inabalável, aquele contendor já fraco e sem forças. Pelo chão, grãos de milho que o velho espalhava logo cedo para atrair as aves. Ele gostava do convívio com os pássaros. Seus cantos se espalhavam pelos cantos da casa e fazia do velho um velho quase feliz. E nada lhe exigiam. Um dia acabou o milho. A seca não permitira a colheita do grão. Nada mais havia a oferecer aos pássaros, além de um sorriso amarrotado pelo tempo e um jeito sereno de ver a vida. Mas, para sua surpresa, os bichos não o abandonaram e continuaram a fazer a mesma festa diária, ainda que sem o milho que outrora lhes era oferecido. O velho sorria a cada ‘serenata’. Lembrava-se, quando em vez, dos tempos áureos antes da rasteira que a vida lhe preparara, levando seus bens, inclusive uma casa com várias portas e janelas. Sobrou-lhe aquela, apenas. A porta, agora sem utilidade, vivia sempre fechada porque os amigos o abandonaram tão logo tomaram conhecimento de sua derrocada, do início de sua estrada rumo à pobreza. Ninguém por ela entrava ou entraria. Hoje, final do dia, o velho, cansado e desiludido, fecha as janelas (a porta, nem precisa pois fechada já está), coloca o livro que lê sobre a mesa, enxuga uma lágrima teimosa e insistente e deita. Ainda assim e apesar de tudo, sonha. Imagina o dia em que a amizade seja verdadeira e em que os homens não precisem de milho para enfeitar a vida dos amigos com seus cantos. Sonha com o dia em que os amigos sejam como os pássaros, que valorizam muito mais a amizade que um grão de milho. Com o dia em que uma porta aberta tenha serventia.
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