Por André Diniz
Olá leitores, voltamos com nossa coluna em plena era da galhofa, do mau-gosto, da carnavalização da vida pública brasileira. É um mar de cinismo que invade nossas instituições e nossa sociedade: deputada processada por direitos trabalhistas indicada pra Ministra do Trabalho; pensionistas acusados de quebrar o Estado com suas “pomposas aposentadorias”; ex-presidente condenado sem provas por um judiciário cravado de “auxílios-moradia”. Mas nada resume tanto nossa República quanto a cena do Presidente Michel Temer ao lado do apresentador Sílvio Santos (SBT) defendendo a reforma da previdência na televisão. Existe espetáculo carnavalesco maior? Um show de asneiras, de dinheiro voando pela plateia, jogado por um milionário e por um presidente que se aposentou aos 55 anos. Uma síntese de como a atual elite vê o povo.
Retomando à nossa temática, na coluna anterior, Getúlio Vargas deu um golpe e implantou o Estado Novo. Foram 15 anos de ditadura e grande parte dele de namoro com o Eixo – Alemanha, Itália e Japão e seus desejos de submeter o mundo aos ditames do nazi-fascismo.
Quando começa efetivamente a Segunda Guerra Mundial, em 1939, Getúlio manteve-se em movimentação pendular. Ora para um lado, ora para o outro do conflito. Na base do governo havia partidários do Eixo e das potências aliadas (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética). Nesse clima de bangue-bangue à brasileira, a cantora Carmen Miranda foi “atingida”. Quando voltou dos Estados Unidos em 1940, a “Pequena Notável” foi vaiada por parte do staff do Estado Novo que era partidário do Eixo, no Cassino da Urca, no Rio. Diziam que ela voltou “americanizada” (Luiz Peixoto e Vicente Paiva):
Disseram que eu voltei americanizada,
Com o burro do dinheiro, que estou muito rica,
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca.
Em 1942, Getúlio e os Aliados andavam de mãos dadas. E o dote cedido pelos americanos foi o financiamento para a construção da indústria siderúrgica de Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Em troca, o Brasil fornecia matérias-primas e liberava para os Estados Unidos suas bases militares. Os países do Eixo não gostaram nem um pouco desse namorico e resolveram usar a diplomacia: bombardearam alguns navios brasileiros.
Durante a guerra, Carmen promovia os Aliados em filmes e apresentações, colocando-se a serviço da indústria cinematográfica americana contra as forças do Eixo. Cantando “O que é que a baiana tem?”, de Dorival Caymmi, no filme Banana da Terra, lançou de modo definitivo o figurino mundialmente famoso como símbolo do Brasil:
O que é que a baiana tem?
Tem torço de seda? Tem!
Tem brincos de ouro? Tem!
Corrente de ouro? Tem!
A essa altura, a importância do samba já? era significativa, sendo o gênero reconhecido como sinônimo de brasilidade. Essa afirmação pode ser comprovada por um fato inusitado, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, entre um sentinela míope e um soldado de boa voz. Na guarita, o praça ouviu alguém se aproximando da base brasileira em Monte Castelo, na Itália. O homem, aos berros, pedia calma ao vigia e se declarava brasileiro. Na dúvida, a sentinela fez um pedido: “Então faça o seguinte: cante ai? algum samba.” O homem cantarolou um dos grandes sucessos da década de 1940, “Atire a primeira pedra”, de Mário Lago e Ataulfo Alves:
Covarde, sei que me podem chamar,
Porque não calo no peito essa dor.
Atire a primeira pedra, ai, ai,
Aquele que não sofreu por amor.
“Pode entrar, você é mesmo um dos nossos”, falou o soldado de plantão, desengatilhando a arma e aliviando a alma do pobre militar dublê de cantor.
Os Aliados ganharam a guerra, e a vida aos poucos pode voltar à normalidade no Brasil. Shows, programas, espetáculos, apresentações artísticas e gravações de discos cancelados durante o conflito voltaram à sua rotina de produção.
A ditadura varguista estava com os dias contados. Não podíamos lutar lá fora por uma democracia se aqui tínhamos o Estado Novo: manifestações pela redemocratização passaram a mobilizar o povo. Ao mesmo tempo, acontecia o movimento do queremismo, resultado de uma campanha feita por partidários de Getúlio para mantê-lo no poder.
Corria uma piada dizendo que Getúlio havia declarado: “Meu candidato é o Eurico (Gaspar Dutra); mas, se houver oportunidade, eu mudo uma letra: eu fico.” O “eu fico” da piada estava virando realidade. Nos últimos dias de outubro de 1945, os queremistas convocaram um grande comício no Rio de Janeiro, mas a manifestação foi proibida pelo chefe de polícia, João Alberto. O presidente afastou-o da função e nomeou para o cargo seu irmão Benjamim Vargas, apelidado... “Beijo”. Na rua, o povo cantava:
Foi seu beijo,
Foi seu beijo,
Foi seu beijo
Que atrapalhou
Um amor de quinze anos. Beijo dado sem malícia. ...
Mas um beijo, pra polícia, É motivo de cadeia.
A escolha acirrou os ânimos dos militares contra Getúlio. Mesmo tendo participado, ao lado do presidente, do golpe de 1937, os generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra depuseram Getúlio em outubro de 1945. Era um beijo de adeus ao Estado Novo.
Em dezembro, o povo optou por Eurico Gaspar Dutra para presidente. Aos 62 anos, Seu Gegê foi eleito deputado federal e senador por vários estados, mas, na realidade, pouco atuou como parlamentar, indo para sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul. Em breve, voltaria triunfalmente à Presidência “nos braços do povo.”
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