Por Luiz Américo Lisboa Junior
MARTINHO DA VILA (1969)
A vida do cidadão comum, o brasileiro simples que trabalha, se esforça para criar seus filhos, colocá-los numa boa escola, pagar suas contas em dia, esta cada vez mais difícil, não apenas pelo flagelo do desemprego mas também pela descrença generalizada de que o que importa é a desonestidade, ou seja, o ganho fácil e sem escrúpulos. Esse desencanto que abala a estima de nosso povo vem chancelada pelos poderes executivo e legislativo que nos últimos anos avalizaram a corrupção e a permissividade aos maus costumes, e, como o judiciário não cumpre seu papel como deveria devido a sua assumida lentidão, temos então, um quadro desolador onde o cidadão se vê completamente desprotegido e sem voz para reinvidicar democraticamente uma mudança de postura, pois, quem deveria salvaguardar os direitos e valores morais da nação simplesmente ignoram esse principio, daí se instalando o caos e a desesperança.
Chego à conclusão de que o Brasil parece o país do já foi, ou seja, quase se tornou uma grande nação, tivemos historicamente momentos brilhantes, outros nem tanto, mas pelo menos nos orgulhávamos do país que construíamos, e esse sentimento de nostalgia que em grande parte toma conta da população é a demonstração inequívoca dessa constatação. Perdemos o bonde da história e a sociedade adoeceu de tal modo que nos da a impressão de estar morrendo e levando consigo toda a nossa esperança em ver um país mais ético, menos violento, com autoridades que se respeitem, e um elevado padrão moral.
É triste constatarmos a gangrena do nosso tecido social, contudo, a esperança tem que continuar como instrumento de redenção de um povo que precisa regenerar-se e seguir adiante com altivez, caso contrário as conseqüências serão piores do que as que temos hoje, e num quadro desse não me arrisco a nenhum prognóstico por que será devastador. O que será de nossos filhos e netos? Fazemos a nossa parte dando-lhes todas as condições necessárias para um bom proceder e procuramos incutir-lhes valores de respeito, cidadania, a fim de tornarem-se pessoas de bem, porém são eles cercados a todo momento por padrões de comportamento e exemplos que caminham no sentido diametralmente oposto, obrigando-os, portanto, a terem que redobrar a vigilância a fim de se tornarem futuramente os protagonistas de nossa assepsia social. A missão é grande, mas, necessária e permanente.
Muito bem! O texto esta num tom de desabafo porque ele se faz necessário, mas, também pelo fato de querer demonstrar, que quando se quer, se consegue transformar uma sociedade, tendo como espelho positivo o exemplo que certas pessoas dão ao longo de suas vidas, sabendo enfrentar com dignidade todas as dificuldades que se pôs à prova em seu caminho, conseguindo sair vencedoras, fazendo de sua biografia um modelo de humildade, talento, respeito ao próximo e as suas tradições, contribuindo para a sua felicidade, dos seus e de todos que se espelham no seu exemplo, estabelecendo um efeito multiplicador que só traz benefícios para a nossa sociedade. Esse é o verdadeiro cidadão, o brasileiro vitorioso, seja na carreira que abraçou e o tornou famoso, ou no anonimato, mas que contribui sobremaneira para que possamos ser cada vez mais felizes.
Esse brasileiro típico, lutador e guerreiro, no campo da musica popular moderna tem um nome, o carioca, nascido em 12 de fevereiro de 1938, Martinho Jose Ferreira, ou Martinho da Vila, para o Brasil e o mundo. Compositor e poeta de grande talento, já aos quinze anos fazia seu primeiro samba de terreiro, Piquenique, para a escola de samba Aprendizes da Boca do Mato e em 1957 aos dezenove anos inicia uma surpreendente produção de 12 sambas enredo para a escola. Serviu ainda ao exercito, fez um curso de contabilidade, mas seguiu mesmo a vocação de sambista. Participou de festivais tornando-se mais conhecido do grande público. O crescente respeito ao seu talento o levou a gravar o primeiro disco na RCA Victor em 1969 tendo seu nome no título. O resultado foi um dos maiores fenômenos de popularidade já registrados por um compositor de samba, e seguramente o primeiro sambista a se tornar recordista em venda de discos, desse modo da noite para o dia o Brasil ficou sabendo quem era o notável compositor carioca e Martinho da Vila elevou o samba a um patamar de respeitabilidade que já vinha crescendo mas que se consolidou com o seu sucesso.
Neste LP de estréia ele nos brinda com canções que se tornaram referências permanentes no clássico repertório do samba, a exemplo de Carnaval de ilusões; Quatro séculos de modas e costumes; O pequeno burguês; Iaiá do cais dourado; Casa de bamba; Quem é do mar não enjoa; Tom maior e Pra que dinheiro. É difícil acreditar que num único disco existam tantos sucessos, e que após trinta e sete de lançados eles continuem sendo cantados pelo povo, e não somente pelos seus contemporâneos, mas também pela nova geração. Trata-se portanto de um disco histórico e fundamental para a compreensão do processo de aceitação e maturação do samba como patrimônio de nossa nacionalidade.
Com seu jeito manso meio preguiçoso de cantar Martinho da Vila impôs seu estilo, renovando o samba enredo, dando forma e estrutura ao partido alto, demonstrando sua devoção pelos cantos africanos e promovendo ao longo de sua trajetória uma verdadeira cruzada em defesa da arte negra do Brasil, tudo isso sem perder a sua naturalidade, o espírito de camaradagem que lhe é peculiar, mantendo a tradição do samba, tornando-se referencia e sendo reverenciado por tantos quanto enxergam nele, o brasileiro que deu certo, o brasileiro que devemos ser.
Músicas:
01) Boa noite (Martinho da Vila)/Carnaval de ilusões (Martinho da Vila/Gemeu)/Caramba (Martinho da Vila)
02) Quatro séculos de modas e costumes (Martinho da Vila)
03) O pequeno burguês (Martinho da Vila)
04) Iaiá do cais dourado (Martinho da Vila/Rodolfo)
05) Casa de bamba (Martinho da Vila)
06) Amor, pra que nasceu? (Martinho da Vila)
07) Quem é do mar não enjoa (Martinho da Vila)
08) Brasil mulato (Martinho da Vila)
09) Tom maior (Martinho da Vila)
10) Pra que dinheiro (Martinho da Vila)
11) Parei na sua (Martinho da Vila)/Nhem, nhem, nhem (Martinho da Vila/Cabana)
12) Grande amor (Martinho da Vila)
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