sábado, 6 de julho de 2019

JOÃO GILBERTO, EM 1966, ACUSA MPB DE PRETENSIOSA E SUPERADA - PARTE 02

Músicos e compositores procuravam uma saída para o impasse 

Por José Teles




A turma da MPB que estaria no festival da TV Record em 1967  


IMPASSSE

João Gilberto voltou ao Brasil quando até os que faziam a MPB reconheciam que se encontravam num beco sem saída. Afastaram-se do modelo de bossa nova iniciado com a citada Chega de Saudade, e enveredaram por um modelo mais apropriado à conjuntura política do país. As dissonâncias foram preteridas em favor de acordes perfeitos, tonalidades modais. Estilizaram-se o baião, a toada moldada por Luiz Gonzaga e parceiros, recorreu-se ao Nordeste do cordel, da cantoria de viola, com letras engajadas.

A influência do jazz no samba era renegada por Carlinhos Lyra, um dos principais autores da bossa nova, agora ponta de lança do nacionalismo na MPB, mas não eram tão incomunicáveis quanto João Gilberto entendia ser. A letra quilométrica da citada Disparada foi cantada país afora, disputando as paradas de sucesso com o iê-iê-iê, que os nacionalistas consideravam agente alienador da juventude. Aventava-se a possibilidade de Wanderléa ser manipulada pela CIA pois, logo em seguida ao golpe militar, gravou O Tempo do Amor (Já chegou, já chegou a esperança/todo mal já passou, já chegou a bonança”). Verde era a cor da esperança, e da farda do Exército.


“Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão sem sétima e sem nonas não resolve o problema”, diz o trecho pinçado do citado artigo de Caetano Veloso. Mais ou menos na mesma época, Gilberto Gil comentava no Diário da Noite, carioca: “A música é por si mesmo política. Ela faz parte do mundo, da vida das pessoas, portanto de seus problemas sociais. A Nossa música precisa enriquecer-se, tornar-se mais popular. Pode até ter protesto político, mas como elementos normais.


POIS É

Em setembro de 1966, Vinicius de Moraes, Maria Bethânia e Gilberto Gil estrearam a peça Pois É, mais um musical, com textos de Caetano Veloso, Torquato Neto, e José Carlos Campinan, dirigida por Nelson Xavier. Com citações de Karl Marx, Mario de Andrade e Casemiro de Abreu, o texto questionava o papel da música popular na evolução social do Brasil. Tinha muito dos elementos que iriam compor o Tropicalismo, um ano mais tarde. Naquele momento, porém, era mais um item acrescentado ao debate sobre a cultura nacional, com ênfase para a música. Ressalte-se que a maioria do futuro grupo tropicalista está em Pois É, incluindo Jards Macalé (mesmo não sendo oficializado na Tropicália), que toca violão com o grupo de Edson Machado, e Paulo Moura, entre outros músicos (a direção musical é de Caetano Veloso e Francis Hime). Os debates sucediam-se.

A gaúcha, de sangue quente, e língua afiada, Elis Regina, preferiu partir para as vias de fato. Declarou guerra ao iê-iê-iê, no seu programa na TV Record: “Quem está conosco, muito bem, quem não estiver que se cuide”. Por trás da briga, havia o interesse da emissora paulistana preocupada com os baixos índices de audiência do programa de Elis, O Fino da Bossa. Qualquer que fosse o vencedor da guerra, ganhava a emissora, que produzia tanto Elis quanto o Jovem Guarda, com Roberto, Erasmo e Wanderléa.

Uma passeata contra a guitarra elétrica foi uma propaganda eficaz para chamar atenção para os dois programas, mas dividiu a turma da MPB, Caetano Veloso e Nara Leão, dois futuros tropicalistas ficaram de fora. Indiferente às picuinhas de grupos, as emissoras de rádio na época abriam-se para todos os ritmos e gêneros: tocava quem comunicasse melhor. Roberto Carlos, Beatles, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Zimbo Trio, Agnaldo Timóteo, Ângela Maria. Antes do tropicalismo arvorar-se a derrubar as barreiras entre o que se rotulava de bom ou de mau gosto, as AMs brasileiras já faziam isso na prática.


BAIÃO

Uma terceira via para a MPB foi ensaiada por um grupo de músicos bem jovens, que via a saída para o impasse da música popular no baião, tirado de cena pela bossa nova, quase uma década antes. O pianista Antonio Adolfo, então com 19 anos, foi o arranjador de Boa Palavra, baião de Caetano Veloso, defendido por Maria Odete, vencedor na categoria de Melhor Letra, no Festival da Record, em 1966. Adolfo, que tocava no trio 3D, passou a pesquisar o baião. Concluiu que um estilização do ritmo, também estilizado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, na segunda metade dos anos 40, poderia ser adaptado para várias formações instrumentais, inclusive orquestral.

Criou variações deste baião moderno, de comunicação fácil: “Nada de complicações, nem letras difíceis, nem mensagens metafísicas”, explicava Antonio Adolfo. Pretendiam lançar este novo baião numa festa na Cervejaria Canecão, a casa de shows mais badalada do Brasil. O néo-baião já se tornara quase um movimento, com adesão de Artur Veroccai, Tibério Gaspar, Novelli, Edmundo Souto, Paulinho Tapajós, todos com idade entre os 18 e 20 anos, que logo teriam o talento reconhecido, embora não exatamente com baião. O próprio Antonio Adolfo emplacaria seu maior sucesso em 1968, com Sá Marina, na voz de Wilson Simonal.

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