domingo, 21 de julho de 2019

AS INICIATIVAS PARA MANTER VIVO O LEGADO DE NANÁ VASCONCELOS

Projetos incluem livro, relançamentos e exposição em museu americano, que poderá conter instrumentos de um lote recentemente encontrado

Por Camilo Rocha


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O recifense Naná Vasconcelos, morto em 2016, foi um herói global da percussão. Pesquisador de timbres e instrumentos, tocou com nomes como Milton Nascimento, Gato Barbieri e Talking Heads. Gravou álbuns-solo importantes, como “Saudades” e “Bush Dance”, e realizou projetos socioeducacionais com música e crianças.

Três anos após a sua morte, o músico é tema de uma série de iniciativas de preservação de sua memória e ideias. A maior parte deles conta com a participação da viúva e produtora de Naná, Patrícia Vasconcelos, que se dedica a perpetuar o legado do músico com quem foi casada por 16 anos.

Um dos projetos será uma “ocupação Naná” no Museu do Instrumento Musical, em Phoenix, no Arizona, no primeiro semestre de 2019. Segundo Patrícia, serão expostos 16 instrumentos que mostram a extensão da pesquisa do músico. Vários foram comprados ou recebidos de presente nas muitas viagens que fazia, o que inclui exemplares de países africanos.

Às vezes, eram objetos comuns que ganhavam uma nova função musical. “A pedra onde ele tocava berimbau ele achou em uma viagem, disse: ‘Essa pedra tá me chamando, vou levar’”, contou Patrícia ao Nexo, que lembrou de como Naná valorizava o contato com a natureza.

Começou a chamar a atenção de crítica e público internacionais na década de 1970, quando excursionou como parte da banda do saxofonista argentino Gato Barbieri. A turnê incluiu uma consagradora apresentação no Festival de Montreux, na Suíça, no ano de 1970 A mostra no Arizona poderá conter instrumentos de um lote recentemente resgatado pelo percussionista americano Rich Stein. O paradeiro da coleção era desconhecido da família de Naná, até ter sido descoberto por Stein. O músico americano entregou os instrumentos à Patrícia.

Um livro sobre Naná também está previsto para sair. Intitulado “Saudades”, ele foca no álbum de Naná de 1980 de mesmo nome. Escrito por Dan Sharp, etnomusicólogo americano ligado à Universidade Tulane, em Nova Orleans, Estados Unidos, a obra abordará o trabalho de Naná “no contexto de sua vida itinerante entre Nova York, Europa e Brasil nas décadas de 1970 e 1980”.

Segundo ela, há um movimento para organizar uma exposição para Naná Vasconcelos no Brasil. A iniciativa é encabeçada pelo maestro Gil Jardim, que há dois anos trabalha ao lado de Egberto Gismonti na conclusão do álbum “O Budista Afrobudista”, obra inacabada de Naná em que ele trabalhou até bem perto de sua morte.

Jardim e Gismonti visitavam o músico no hospital para falar sobre a direção do álbum. “Ele usou o pote [de suplementos] e a cama para batucar o jeito que queria o arranjo percussivo”, contou Patrícia à Agência Brasil em 2016. Segundo a viúva de Naná, o projeto está em fase de captação de financiamento.

Na Alemanha, está planejado o relançamento de “dois ou três álbuns” antigos e raros de Naná, entre eles um disco de 1971 que tem participação do guitarrista argentino Agustin Pereyra Lucena chamado “El Increíble Naná”.

Patrícia afirmou que também quer dar continuidade a iniciativas de Naná que exploravam o uso terapêutico da música com um olhar social. Segundo ela, trata-se de um dos quatro pilares do trabalho do músico, junto com jazz, maracatu e workshops.

“Ele trabalhou com crianças em situação de psiquiatria na França. Era muito embasado, mesmo sem ter estudado pelos livros”, disse a ex-esposa do músico, que trabalha como assistente social em Nova York, mas cursa faculdade de psicologia. “Conforme vou estudando, vou descobrindo a teoria relacionada ao que ele falava.”

A esperança de Patrícia é que um dia o Brasil tenha um museu dedicado a um de seus instrumentistas mais famosos globalmente, onde novas gerações possam saber mais sobre sua obra e importância. “O Brasil ainda não se deu conta da genialidade de Naná”, desabafou.


Músico internacional

Quando morreu, em março de 2016, de câncer no pulmão, Naná tinha agendado uma série de shows na China, Japão e Coreia do Sul. As apresentações acabaram se tornando homenagens ao músico.

O percussionista pernambuco, que comandou as nações de maracatus na abertura do carnaval do Recife por 15 anos, era desde muito tempo um nome de circulação internacional.

Nascido em 1944, Juvenal de Holanda Vasconcelos começou a chamar a atenção de crítica e público internacionais na década de 1970, quando excursionou como parte da banda do saxofonista argentino Gato Barbieri. A turnê incluiu uma consagradora apresentação no Festival de Montreux, na Suíça, no ano de 1970.

Em 1978, ao lado dos jazzistas americanos Don Cherry e Collin Walcott, formou o grupo Codona (com as iniciais dos integrantes), que lançou três álbuns pela icônica gravadora de jazz ECM. Também gravou com Pat Metheny, Jean-Luc Ponty e Jon Hassell, colaborador de Brian Eno. Entre os brasileiros, destacam-se trabalhos com Milton Nascimento, Jards Macalé e Itamar Assumpção.

O músico transformava tudo em percussão. Em seu primeiro encontro com Milton, o músico mineiro contou certa vez que Naná entrou em seu apartamento e “foi direto pra cozinha, catou tudo que viu pela frente e começou a fazer um som incrível com panelas, frigideiras, garrafas e copos”.

Naná ganhou o Grammy oito vezes, além de ser eleito o melhor percussionista do mundo em nove ocasiões pela mais influente revista de jazz, a Down Beat.

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