sábado, 23 de março de 2019

CAPIBA: 60 ANOS DO GRAFICAMENTE DESASTRADO, MAS ANTOLÓGICO LP SEDUÇÃO DO NORTE

Por José Teles




Os 20 anos da morte de Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba não passaram em branco apenas pelas autoridades culturais competentes do estado de Pernambuco. Passaram quase em branco pela imprensa. Insistindo em lembrar Capiba, encarco na tela da memória, e trago lá do fundo do baú, um disco que está inteirando 60 anos em 2018: Sedução do Norte, que foi relançado duas vezes com capas e título diferentes (a gravadora é a RGE), Sedução do Norte, Sedução do Norte – músicas de Capiba, e Sedução do Norte – Guerra Peixe e Orquestra RGE.

Um disco que comprova o descaso que se tinha (e ainda se tem), pela arte que não criada no Sudeste. As três capas só comungam entre si a visão estereotipada que sem tem do Brasil fora do Rio ou São Paulo. A primeira estampa uma moça de joelhos, com um violão cobrindo-lhe o maiô (ou biquíni), para aparentar que estivesse sem roupas. Está cercada por plantas tropicais. O título mais confunde, apenas Sedução do Norte (Norte e Nordeste são tudo a mesma coisa para o “sulista”).

Capiba contou em sua autobiografia (O livro das ocorrências, Fundarpe, 1988. Por que a CEPE não o relança?) que assim que soube, por Guerra Peixe, do disco, não gostou do título, e sugeriu, entre outros, Recife, cidade lendária. Não adiantou. Chegou a ir a São Paulo conversar com José Scatena, o chefão da RGE, para mudar também a capa.

Só mudaram numa segunda edição, colocando uma foto de uma praia deserta e idílica, que poderia estar em qualquer litoral do Nordeste (até do país). E ainda esqueceram completamente o grupo Os Titulares do Ritmo, um dos mais populares do país na época, que interpreta as canções. Mas pelo menos a segunda edição tem na contracapa um longo texto do maestro Guerra Peixe.



Pior foi a terceira edição, saída em 1978. Certamente ninguém na RGE tinha ideia de quem fosse Capiba, e nem sequer deram-se ao trabalho de escutara o conteúdo do disco. A capa traz chapéu de couro de cangaceiro, cartucheira, cinturão de balas, punhal, e peixeira. Pior. Esqueceram-se dos nomes do autor das músicas e novamente de Os Titulares do ritmo. Talvez a capa seja uma homenagem a Lampião e seus cangaceiros, no aniversário dos 50 anos da batalha de Angicos, onde o banco foi dizimado.


DISCO

Apesar dos percalços é o disco que melhor apresenta a diversidade de Capiba na música popular. Traz quatro dos seus poucos conhecidos maracatus-canção (Vira a moenda, É de tororó – com Ascenço Ferreira – Eh Luanda, e Nação Nagô), a trilogia Recife, cidade lendária, Olinda, cidade eterna, e Igarassu, cidade do passado. E mais, Por que você não me quer? A uma dama transitória (com Ariano Suassuna), Valsa verde, e o único frevo de rua de Capiba gravado, Um Pernambuco no Rio (composto para o clube Vassourinhas, quando este fez a célebre, e desastrada, viagem ao Rio, em 1951).

Um descaso Sedução do Norte continuar há 40 anos fora de catálogo, até porque quem está à frente do projeto é um dos grandes autores eruditos do país, que também incursionava pelo popular com toda destreza, e faz aqui uma curiosa homenagem a um ex-aluno seu. Capiba estudou com César Guerra-Peixe, no início dos anos 50, quando o maestro morou no Recife, trabalhando para a Rádio Jornal do Commercio. Foi demitido por ser comunista, mas aí é outra história.

Confiram Um Pernambuco no Rio, único frevo de rua de Capiba gravado.



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