domingo, 17 de março de 2019

JORGE ARAGÃO, 70 ANOS

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Jorge Aragão da Cruz (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1949). Compositor, cantor, instrumentista. Cresce no bairro de Padre Miguel, subúrbio do Rio de Janeiro. Aprende a tocar violão de ouvido, por volta dos 11 anos. Antes de se dedicar exclusivamente à música, exerce diversos ofícios, entre os quais representante comercial de um fabricante de calçados, carregador, técnico de ar-condicionado e cronometrista de corrida de motocicletas. Autodidata, aprende também cavaquinho e guitarra, instrumento com o qual inicia a carreira, como músico de baile. Aprecia guitarristas como os estadunidenses Jimi Hendrix (1942-1970) e Wes Montgomery (1923-1968).


Introduzido por Neoci Dias (1937) no bloco carnavalesco Cacique de Ramos, passa a frequentar os pagodes na quadra do bloco, nos quais os integrantes se reúnem para confraternizar e tocar informalmente. Lá, apresenta suas composições, tendo seu samba “Malandro” (parceria com Jotabê) revelado pela cantora Elza Soares (1937) em 1976. A carreira como compositor deslancha com as gravações dos sambas “Vou Festejar” [parceria com Dida (1940) e Neoci] e “Coisinha do Pai” [com Almir Guineto (1946) e Luiz Carlos da Vila (1949-2008)] na voz da cantora Beth Carvalho (1946) em 1978 e 1979. Paralelamente, forma com os sambistas Bira Presidente (1937), Ubirany (1940), Sereno do Cacique (1952), Almir Guineto e Neoci o conjunto Fundo de Quintal. Participa da gravação do disco Samba É no Fundo de Quintal, em 1980, e no ano seguinte, já desvinculado do grupo, lança seu primeiro disco solo.

Em 1987, viaja para Angola para acompanhar Martinho da Vila (1938) ao cavaquinho. No mesmo ano, torna-se comentarista da Rede Globo nas transmissões dos desfiles do grupo especial das escolas de samba do Rio de Janeiro. Em 1992, compõe a música-tema da vinheta “Globeleza”, presente desde então na cobertura do carnaval da emissora.

Após 11 trabalhos de estúdio, lança dois CDs ao vivo, em 1999 e 2000, atingindo mais de 750 mil cópias vendidas de cada. Com esses álbuns, reúne músicas de sua autoria até então inéditas em sua voz. Em 2001, a música “Coisinha do Pai” é executada por um veículo robotizado em Marte, numa missão da Nasa. Em 2016, a empresa Musickeria lança o Sambabook Jorge Aragão, que celebra seus 40 anos de carreira, ao longo dos quais sua obra é gravada pelos principais intérpretes de samba, como Dona Ivone Lara (1921), Alcione (1947), Zeca Pagodinho (1959) e Martinho da Vila.




Análise

A trajetória de Jorge Aragão entrelaça-se a de outros compositores vindos do bloco Cacique de Ramos. Procuram fazer um samba distinto daquele que se torna trilha do carnaval televisionado. Com isso, atraem a atenção de agentes e são legitimados por intérpretes reconhecidos. Privilegiam dois subgêneros do samba: o partido-alto e o samba de carnaval (ou de embalo).

Uma das principais mudanças propostas por esse grupo em relação ao samba tradicional é a instrumentação, que se torna mais portátil para viabilizar os pagodes nas casas de seus membros. Na ausência de microfones e amplificadores, as percussões são minimalistas, para permitir a audição da voz e dos outros instrumentos. O banjo com braço de cavaquinho é introduzido para reforçar a harmonia, além de outros instrumentos menos usuais no samba, como o tantã e repique de mão. Por outro lado, a influência do show business, nos anos 1990, leva à adesão de teclados, bateria e baixo elétrico em apresentações de grande porte. Ao se deslocar dos subúrbios para as gravadoras, o pagode passa a designar o encontro, a festa e um modo de fazer samba.

Jorge Aragão contribui para a formatação do gênero, que desagua em um novo “movimento” na música popular nos anos 1980, posteriormente identificado como “samba de raiz”. Este termo traz a ideia de uma música produzida de maneira comunitária, sem interesse imediato de abastecer o mercado fonográfico e, por isso, mais “autêntica”. Distingue-se do pagode romântico que surge em São Paulo na década seguinte, com influências da soul music e uma roupagem pop.

O compositor tem como principais influências os sambistas Candeia (1935-1978), Monarco (1933) e Roberto Ribeiro (1940-1956). Considera seu trabalho continuação do que aprende com o último que, para ele, destaca-se pela “refinada elegância, da escolha do repertório ao estilo de interpretação”1. Tendo como referência mais instrumentos melódicos que rítmicos, suas músicas são construídas sobre harmonias sofisticadas, como se percebe nas modulações do samba “Ponta de Dor” [parceria com Sombrinha (1959)].

Apesar de o samba figurar em grande parte do seu repertório, a formação musical dentro de bandas de baile permite o trânsito também por outros gêneros. Dentre as amostras de seu ecletismo consta a gravação das Bachianas, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959); da “Ave Maria”, do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), e uma versão em português, feita por ele próprio, para “Can’t Take My Eyes Off You” (“O Céu nas Mãos”), do grupo estadunidense Frankie Valli & The Four Seasons. Em algumas músicas, o compositor funde o samba a outras vertentes, como funk, rap e forró, sobretudo no início da carreira. Exemplo disso é a música “Cabelo Pixaim” (parceria com Jotabê), cuja primeira versão, lançada em compacto simples (s/d), é um samba rock. Nas versões posteriores, gravadas nos discos Um Jorge (1993) e Jorge Aragão Ao Vivo 1 (1999), essa característica é diluída, assumindo a forma do pagode em seu andamento, instrumentação e arranjo vocal.

Conhecido entre seus pares como “o poeta do samba”, o músico é autor de uma obra permeada pelo acento melódico e pelo lirismo. Seu repertório não se limita a canções românticas, abarcando o orgulho negro (“Identidade”, 1992), a violência urbana (“O Iraque É Aqui”, 2003), e a própria relação com a música (“Tape Deck”, 1999 e “Adepto do Samba Sincopado”, 2006). “Vou Festejar”, um de seus maiores sucessos na voz de Beth Carvalho, torna-se uma espécie de grito de guerra das torcidas de futebol no Rio de Janeiro.


Fonte: Enciclopedia Itau Cultural

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