segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Luiz Américo Lisboa Junior 


Caymmi e Seu Violão (1959)

Existem compositores que se notabilizam como próprios intérpretes de suas canções de maneira tão inconfundível e definitiva que acabam tornando-se numa coisa só, ou seja, não possibilitam espaço para que outros artistas possam interpretá-lo tão bem. Esse é o caso de Dorival Caymmi que se confunde de maneira tão plena com sua obra que um acaba sendo cúmplice do outro a ponto de não podermos diferenciar onde começa o autor e o intérprete. 

A música popular brasileira esta repleta de compositores que têm suas canções imortalizadas por outros artistas e na maioria das vezes nem sabemos a sua verdadeira autoria, porém, quando constatamos que determinada música pertence a um compositor conhecido nos admiramos e ficamos a imaginar como ele a interpretaria. 

No caso de Dorival Caymmi além da perfeita identificação entre autor e intérprete verificamos que ninguém sente como ele aquilo que fez, porque simplesmente Caymmi é a própria essência de todas as suas músicas. Quem por exemplo seria capaz de cantar tão bem as belezas do mar? Senti-la de forma tão ardente? Captar seu lirismo de maneira tão cativante? Cantá-lo com tanta emoção? Só mesmo um compositor que tivesse um profundo sentimento e interação com a natureza de sua obra e admirasse as belezas das espumas e das ondas do mar para que pudesse contar seus mistérios e segredos. Dorival Caymmi é o mar da nossa canção, profundo e belo, e o mar é o próprio Dorival Caymmi, solene, infinito e inesquecível quando dele nos aproximamos. 

A natureza com toda sua exuberância esta delineada nos versos desse poeta/cantor que traduz em poucas palavras o que muitos não conseguem explicar basta ouvir e sentir que "o mar quando quebra na praia é bonito, é bonito"... isso diz tudo! 

Quando iniciou sua trajetória Caymmi inspirou-se no mar e ele o inspirou para fazer coisas belas, foi uma ajuda mútua, e saiu cantando em versos tudo que via na linda criação da natureza e assim foi gravando seus discos, vendo os outros cantarem suas musicas, e tornando-se o rei do mar na canção popular brasileira. Faltava porem, que suas canções fossem reinterpretadas por ele da maneira como foram feitas, apenas com o violão, e assim ele quis e assim ele fez. 

Em 1959 o responsável pela direção artística da gravadora Odeon era o incansável Aloysio de Oliveira, que tinha em mente realizar um disco em que Caymmi cantasse suas canções da maneira mais simples possível, acompanhando-se somente com o violão. Contudo, foi difícil convencer a cúpula da fábrica de discos, que não acreditava no sucesso da idéia - até porque todas as músicas incluídas no repertorio do disco, exceto "O bem do mar" já tinham sido gravadas pelo próprio autor e outros cantores com acompanhamento de orquestra ou regional o que era a praxe na época. Portanto, apostar numa gravação solo seria arriscar demais. Achavam que o violão somente não daria brilho a gravação. Ficaria muito oco, vazio. 

Os argumentos de Aloysio de Oliveira, no entanto, acabaram convencendo os empresários da Odeon. E como Dorival Caymmi já havia sinalizado positivamente com a proposta de se realizar a gravação, assim foi feito. E em fins daquele ano saiu o LP, considerado uma obra prima de nossa canção popular. Caymmi estava inspiradíssimo e se supera em todas as canções, sua voz grave da um tom dramático às narrativas expressas nas letras e ao mesmo tempo nos provoca uma vontade de nos espreguiçarmos e sentirmos a brisa do mar em nosso rosto, enlevando nossos pensamentos, tornando-nos felizes, deixando a vida passar contemplando as belezas da criação divina. 

Este é um disco inigualável, definitivo, um diamante fino plenamente lapidado. A expressão máxima de um gênio que a Bahia criou, o Brasil abraçou e o mundo consagrou. E que deixou para todos nós uma frase e uma verdade inquestionável, cunhada por ele com sabedoria e sensibilidade: "quem vem pra beira do mar, ai, nunca mais quer voltar".


Músicas: 
01- Canoeiro 
(Dorival Caymmi) 
02- A jangada voltou só 
(Dorival Caymmi) 
03- Dois de fevereiro 
(Dorival Caymmi) 
04- É doce morrer no mar 
(Dorival Caymmi e Jorge Amado) 
05- Coqueiro de Itapoan 
(Dorival Caymmi) 
06- O mar 
(Dorival Caymmi) 
07- O vento 
(Dorival Caymmi) 
08- O bem do mar 
(Dorival Caymmi) 
09- Quem vem pra beira do mar 
(Dorival Caymmi) 
10- A lenda do Abaeté 
(Dorival Caymmi) 
11- Promessa de pescador 
(Dorival Caymmi) 
12- Noite de temporal 
(Dorival Caymmi)

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