Por Leonardo Davino*
Lobo bobo
O ano de 2009 ficará marcado pela reabilitação de Wilson Simonal na história de nossa canção. O documentário Wilson Simonal: ninguém sabe o duro que dei veio devolver ao público a obra de um dos melhores cantores que já tivemos; e cuja qualidade pode hoje ser conferida por qualquer um.
O melhor da restituição de Simonal, ao posto que sempre lhe pertenceu, não é a discussão política (tão estéril de sentido quanto a condenação do artista) e sim a reabertura dos arquivos, os relançamentos, a (re)entrada de suas músicas nas programações das rádios, a regravação de seus sucessos.
E o resultado foi o melhor possível. Simonal toca hoje como um artista vivo que estivesse trabalhando suas músicas agora: tamanho é o frescor de suas performances. E isso tem permitido às novas gerações perceberem que sim, o Brasil também é um país de cantores, e muito bons.
A canção "Lobo bobo", de Carlos Imperial e Ronaldo Bôscoli, gravada no disco A nova dimensão do samba, de 1964, permite ao ouvinte captar um bocado da malandragem de Simonal: de fato, a canção parece ter sido feita para sua voz: de um gingado e malemolência que Simonal dominava como poucos.
A letra da canção, e a melodia com um doce balanço ajuda na composição da cena, mostra uma situação cotidiana: um indivíduo que, sem nenhum vintém, a fim de conquistar uma garota, aparentemente bem mais nova que ele, faz uso da malandragem (ou da pilantragem, como Simonal preferia) para atingir seu objetivo.
Aqui, o sujeito da canção recupera a história infantil, mas cheia de segundas interpretações, da inocente "Chapeuzinho Vermelho", que passa a vida a fugir das investidas de um lobo mal que quer lhe "devorar".
Os gestos vocais de Simonal (manejos, pausas e ênfases) figurativizam os bons dobrados que o tal lobo precisa engendrar para agradar a garota. Na canção, o sujeito aponta que o "lobo canta, pede, promete tudo, até amor e diz que fraco de lobo é ver um chapeuzinho de maiô". A chapeuzinho, sapeca e mais malandra, passa a usar e abusar dos sentimentos do lobo, agora, bobo.
***
Lobo bobo
(Carlos Imperial / Ronaldo Bôscoli)
Era uma vez um lobo mau
que resolveu jantar alguém
estava sem vintem
mas arriscou
e logo se estrepou
um chapeuzinho de maio
ouviu buzina e não parou
mas lobo mau insiste
faz cara de triste
mas chapeuzinho ouviu
os conselhos da vovó
dizer que não pra lobo
que com lobo não sai só
lobo canta, pede,
promete tudo, até amor
e diz que fraco de lobo
é ver um chapeuzinho de maiô
chapeuzinho percebeu
que o lobo mau se derreteu
pra vez vocês que lobo
também faz papel de bobo
só posso lhe dizer
chapeuzinho agora traz
um lobo na coleira que
não janta nunca mais
* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".
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