terça-feira, 3 de dezembro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*




Babylon

Quando foi lançado em 2000, o disco Líricas, de Zeca Baleiro, foi, sem dúvida, um dos que mais girou no meu toca-disco. Bem feito e ancorado no universo do flâneur, o disco tem canções com letras recheadas de certa melancolia (algo da boemia romântica) que chega a doer: a dar vontade de dar pulos.
Os sujeitos compostos por Zeca Baleiro, ao investigarem suas interioridades, cantam pessoas, tempos e lugares perdidos: que ficaram para trás. Esses sujeitos até buscam o consolo, algum ganho, individual, no canto de suas perdas, mas é a saudade (aquele sentimento do tempo que não pára; do envelhecimento) quem atravessa todo o disco.
Com bons arranjos de corda, Zeca cria o estado "espiritual" perfeito para as mensagens das letras: tenciona algo (indizível) que está sempre perto de arrebentar, que mina sem a possibilidade de controle do sujeito.
A canção "Babylon", de Zeca, surge como um facho de luz entre as nuvens pesadas do desamparo e abandono de si. O sujeito parece querer recriar a utópica "Shangrilá", de Rita Lee e Roberto de Carvalho: "Se me der na telha sou capaz / De enlouquecer / E mandar tudo praquele lugar / E fugir com você pra Shangrilá".
Ou seja, as duas canções representam as tentativas de "fuga" empreendidas pelo indivíduo: cansado de ser caça e a fim de respirar sobre o miserê "muderno" e cotidiano. "Vamos fugir, pra outro lugar, baby" - pede o sujeito.
"Babylon" (com suas rimas engraçadas, eficientes e poliglotas) tematiza este lugar de grandes novidades: gozo e consumo. E para ir a Babylon, com o sujeito, não há ninguém melhor que Baby. Até porque a palavra "Baby" está em "Babylon": ela compõe o lugar/espaço do prazer almejado pelo sujeito da canção.
A canção-convite ("vem morar comigo") "Babylon" fala daquilo que o outro precisa saber que sabe. E o sujeito, so alone, mas desejando o contato (amoroso), canta porque, como pode ser lido em sua camisa (estampado no subtexto): I love you.


***

Babylon
(Zeca Baleiro)

Baby
I'm so alone
Vamos pra Babylon
Viver a pão-de-ló
E möet chandon
Vamos pra Babylon
Vamos pra Babylon

Gozar
Sem se preocupar com amanhã
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon

Comprar o que houver
Au revoir ralé
Finesse s'il vous plait
Mon dieu je t'aime glamour
Manhattan by night
Passear de iate
Nos mares do pacífico sul

Baby
I'm alive like
A Rolling Stone
Vamos pra Babylon
Vida é um souvenir
Made in Hong Kong
Vamos pra Babylon
Vamos pra Babylon

Vem ser feliz
Ao lado deste bon vivant
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon

De tudo provar
Champanhe, caviar
Scotch, escargot, rayban
Bye, bye miserê
Kaya now to me
O céu seja aqui
Minha religião é o prazer

Não tenho dinheiro
Pra pagar a minha yoga
Não tenho dinheiro
Pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda
Pra descolar a merenda
Cansei de ser duro
Vou botar minh'alma à venda

Eu não tenho grana
Pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa
Por isso que eu ando roto
Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça
Quero ser o caçador
Ando cansado de ser caça

Ai, morena! Viver é bom
Esquece as penas
Vem morar comigo
Em Babylon




* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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