quinta-feira, 2 de junho de 2016

APÓS DÉCADAS DE HIATO PROFISSIONAL, DI MELO VOLTA AOS PALCOS


Por Rafael Andery


Em 1975, o disco de estreia de Di Melo, 66, vendia "que nem banana na feira". A expressão é do próprio, que beberica um café e belisca amendoins e castanhas de caju na cozinha de sua casa, no bairro do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo.

O cômodo, assim como o resto do imóvel, incluindo a sala, os quartos e até os banheiros, é literalmente revestido por quadros e obras de arte colecionados pelo artista ao longo das últimas décadas. Achar um pedaço de parede nua em seus domínios não é tarefa fácil.

Mas se engana quem pensa que a coleção é um luxo acumulado com a ajuda das riquezas auferidas ao longo dos quarenta anos de carreira. Porque, se Di Melo já vendeu mais que fruta em feira livre, também é certo que ele lucrou com isso menos que um feirante.

Quem conta é o próprio artista. Seu primeiro disco foi gravado pela gigante EMI/Odeon, e contou com a participação de artistas como Hermeto Pascoal.

Segundo Di Melo, a primeira tiragem do álbum, realizada somente para a divulgação do artista em rádios e afins, somava cerca de 3.000 exemplares. "Kilariô", o suingue animado que servia de carro-chefe de seu primeiro trabalho, era um sucesso absoluto. "Minha música tocava em todo lugar, até na Europa", diz.

Na expectativa da bolada que achava que receberia, foi recolher os direitos autorais referentes ao trimestre de lançamento do álbum. "Saí de lá com 11 cruzeiros", conta. "Senti que tinha assinado um atestado de imbecil. Eu era o fantástico idiota'".

A história não é nova. Casos de desentendimentos entre cantores talentosos de soul e black com suas gravadoras nos anos 1970 abundam.

Hyldon, Cassiano e até mesmo Tim Maia, além de muitos outros, que o digam. Alguns seguiram com suas carreiras, outros se perderam pelo caminho.

Para Di Melo, a mágoa e o desapontamento não passaram rápido. "Passei a não levar a minha música a sério", diz. O cantor sumiu. Do mainstream. Porque ainda se virava por aí. "Pegou a estrada" com Geraldo Vandré, atuou como marchand informal trocando e vendendo as obras de arte que coleciona e tocou tarantelas misturadas com sambas por cantinas da cidade.

Música, ainda fazia. Mas apenas para si mesmo e em "shows intimistas". Não gravou mais. E continuou nessa toada silenciosa até o começo dos anos 2000. Foi quando conheceu Jô, hoje sua mulher, em um bloco de Carnaval. Desde então, a baiana tem lugar cativo no coração e nos negócios do músico.

É ela a responsável por agendar shows, cuidar de entrevistas e da gravação dos seus discos. Desde que a conheceu, Di Melo, então autor de um único disco, já gravou outra dezena de CDs. A grande maioria deles quase sem nenhuma verba, com fotos tiradas por Jô estampando as capas e vendidos unicamente nos pequenos shows que o artista fazia.

O jogo começou a virar em 2009. Foi quando os diretores Alan Oliveira e Rubens Pássaro, separadamente, começaram a pesquisar a carreira do músico, desaparecido do grande público e presumido morto por boa parte de seus admiradores.

O próprio Di Melo colocou os dois cineastas em contato. Dois anos depois, foi lançado o documentário "Di Melo - O Imorrível". Com apenas 25 minutos, o filme percorreu festivais e trouxe nova luz à carreira do artista, que se tornou um queridinho da cena independente paulistana. De lá para cá, Di Melo ganhou oxigênio. Entrou para o circuito de shows do Sesc, tocou em casas noturnas de São Paulo, no Circo Voador (RJ) e em festivais em seu Estado natal, Pernambuco.

Recentemente, lançou um disco de produção mais profissionalizada, "Di Melo - O Imorrível", com participação de artistas como BNegão e Emicida. O dinheiro veio do bolso do próprio músico, que conta ter conseguido o estúdio para as gravações em troca de alguns quadros.

Di Melo voltou a levar a música a sério. Sua maior motivação, contudo, é pragmática. A filha Gabriela, a "Gabiroba", de dez anos, está crescendo, "e quer fazer inglês, alemão, teatro e balé", conta o pai babão. "Voltei a trabalhar pesado, não posso ficar de braços cruzados", diz. "Se não fosse por ela, nem estaria mais nessa história. Gato escaldado tem medo de água fria."

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