sexta-feira, 20 de junho de 2014

O TALENTO QUE SOBREPUJOU A DESPRETENSIOSIDADE

Professor universitário, Duzão Mortimer trama suas músicas nos insights de sua produção acadêmica

Por Bruno Negromonte



"Como é mesmo que anda o tempo?" esta indagação feita por Caetano Veloso e Milton Nascimento em 2008 na canção "Senhor do tempo" é passiva das mais variadas respostas e justificativas, uma vez que trata-se de algo extremamente subjetivo. Para o artista em questão o tempo tornou-se um grande aliado, pois ele soube como poucos sorver o que de melhor havia a oferecer. Duzão Mortimer foi capaz de apreender um ritmo próprio em sua carreira, criando um modo particular de conduzi-la. Talvez por isso a sua discografia seja composta por apenas três títulos em mais de 25 anos de carreira: um LP  lançado em 1988, um CD em 1997 com O Grande Ah!, grupo que conta com a presença do professor universitário e músico Marcos Pimenta (figura recorrente na carreira de Mortimer) e agora o seu primeiro trabalho solo. Isso atesta que Mortimer foi capaz de aliar-se a um tempo que foge a regulamentos e medidas. Resultado talvez daquilo que assimilou em sua vida acadêmica entre números e fórmulas desde a época em que frequentava as bancas da Universidade Federal de Minas Gerais durante o curso de bacharelado e licenciatura em Química. Para que o tempo possa acompanhá-lo faz-se necessário adequar-se aos compassos e pilares de sua arquitetura sonora, é preciso imergir em seu próprio ritmo. Este é o único requisito necessário para fazer parte desta viagem a qual o músico mineiro nos convida. Neste novo projeto batizado de "Trip LunarDuzão assina as todas melodias presentes no disco (com exceção apenas de uma, que conta com a parceria de Marcos Pimenta). Quanto as letras, Marcelo Dolabela é o autor da maioriaDas dez faixas, oito levam a sua assinatura. exceção são apenas as canções "Coração Menino" (assinada em parceria com Marcos Pimenta e Duzão) e "Fogo nu", única faixa presente no disco que conta com letra e melodia de assinadas apenas pelo mentor do projeto. 



Duzão Mortimer deu início a sua vida artística na década de 1980 e, de modo paralelo a sua carreira como músico, desenvolveu uma substanciada vida acadêmica em Minas Gerais. Bacharel e licenciado em Química desde 1980, o professor Eduardo Fleury Mortimer possui mais de setenta artigos publicados e ultrapassa a marca dos 140 trabalhos em eventos das mais diversas áreas de conhecimento. Substanciando a sua vida acadêmica na América do Norte e no Continente Europeu, Mortimer viu a oportunidade de também agregar elementos das respectivas culturas à sua sonoridade. Em "Trip Lunar" é possível observar as mais variadas influências a partir dos diversos gêneros abordados nesta verdadeira celebração que marca o seu retorno à cena musical. Em duetos com nomes da cena musical mineira Duzão interpreta canções como "Não" (em parceria com o músico José Luis Braga), "Claro feitiço" duo com o cantor e compositor Ladston do Nascimento e "Muita alegria", que traz a cantora e compositora Leopoldina Azevedo, artista que vem galgando uma espaço cada vez mais relevante no cenário musical mineiro. Do universo acadêmico Duzão contou com a adesão da coordenadora e professora titular da Pós-graduação do Departamento de Demografia da UFMG Simone Wajnman na faixa "Fogo nu" e Marcos Pimenta na canção "Coração menino". Há ainda presentes no disco a faixa homônima ao nome do projeto, a jazzística "Cidade Luz", a instrumental "Ponto de mutação", a marchinha "Quem inventou" e a "Bacia de latão", faixa com incursões no universo flamenco.

Para que a trip fosse completa o músico mineiro, sob a produção de Thiakov (que também executa violões de aço) e fotografias de Junia Mortimer, convidou para embarcar em sua sonoridade nomes como Leonardo Lima (piano elétrico e orgão), Yuri Vellasco e Lucas Mortimer (percussão e baterias), Daniela Rennó (vibraphone), Ivan Mortimer (guitarra solo), Rafael PimentaLaura Von AtzingenPedro "trigo" Santana Giodano Cícero (baixos, violinos e guitarras), Ygor Rajão (flugelhorn e trumpete), Henrique Staino (sax tenor e alto), João Machala (trombone), Joana Queiroz (clarinete), Rafael Martini (violão), Chico Amaral e Elio Silva (sax tenor), Bruno Pimenta (flautim), Alexandre Andrés (flauta), Waltson Tanaka (viola) e Claudio Urgel (violoncelo). O disco ainda conta com os arranjos de João Antunes e Pedro Licinio respectivamente nas cordas e metais, e de Rafael Martini na faixa "Fogo Nu".

Este primeiro projeto solo de Duzão mostra de modo pleno os lampejos das mais distintas influências que o substanciaram ao longo de sua formação musical. Sua arte não detém rótulo algum e não restringe-se a rica cena musical mineira, uma vez que o artista soube pincelar e apreender os mais diversos elementos por onde andou e que hoje substanciam a sua arte. Sua produção mostra-se de vanguarda a partir do momento que, na junção dos seus acordes, apresenta uma síntese daquilo que estar por vir. Em seu som tudo soa como novo, contemporâneo; e isso sem dúvida habilita-o estar entre os grandes destaques da música mineira apesar do pouco espaço na mídia. Como músico Mortimer deixa o seu lado acadêmico interferir em sua arte de modo proveitoso a partir das mais diversas alquimias e experimentações sonoras este trabalho acaba chegando como prova documental desta afirmação. "Trip Lunarsem dúvida alguma mostra que o tempo foi generoso com Duzão dando-lhe não apenas os ornamentos que destacam a música que produz, mas também todos os elementos que fazem-se fundamentais e revigorantes para seguir em frente sem consequentemente tornar-se mais do mesmo. O vigor que procura manter a partir de sua arte o capacita a sorver de cada fração dos minutos que lhe pertence aquilo que de mais precioso existe e isso o gabarita de modo singular. E é assim que de tempos em tempos o professor Mortimer deixa de lado teorias acadêmicas e elementos químicos para dar vazão ao heterônimo Duzão, cantor e compositor que esporadicamente dá o ar da graçaA cognição em conjunto com a sensibilidade, muniu o professor e químico de versos e melodias capazes de sobrepujar toda a despretensiosidade acadêmica. É o que percebe-se em "Trip Lunar" a partir de uma atmosfera composta por uma vigorosa unidade sonora. O disco acaba transformando-se em uma viagem imbuída de uma série de sensações caracterizadas pela leveza. Na audição do disco é possível a possibilidade de tomarmos conhecimento do tempo do artista e viajarmos em seu ritmo a partir daí fazendo jus a frase que José Saramago eternizou: "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".


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