quarta-feira, 25 de junho de 2014

EM DEFESA DA MEMÓRIA DE ARLINDO DOS OITO BAIXOS

Familiares, amigos e músicos tentam manter viva a tradição dos oito baixos em Pernambuco

Por Ad luna




Em outubro do ano passado, a voz e a sanfona de Arlindo dos Oito Baixos silenciaram. Nascido em 1942, na cidade de Sirinhaém, Mata Sul de Pernambuco, o músico era um dos grandes mestres desse instrumento de difícil execução. Oito meses depois da partida dele, familiares, amigos e músicos tentam manter viva a tradição dos oito baixos em Pernambuco.
Um dos grandes sonhos de Arlindo era fazer o maior número de discípulos musicais possível. Ele costumava dar aulas particulares em sua casa, no Bairro de Dois Unidos, e queria ver crianças e jovens da sua comunidade tocando.

Arlindo transformou o quintal de sua casa em espaço para apresentações. No Forró de Arlindo, que funciona no quintal de sua casa, ele costumava tocar para e com os amigos e fazer o povo se divertir ao som da sua arte. Além das festas, que neste mês ocorrem semanalmente, a família do cantor e sanfoneiro deseja abrigar uma escola e um memorial no espaço.

Na parte educacional, a ideia é oferecer cursos de zabumba, triângulo, canto, dança e, claro, de sanfona. Quanto ao museu, Raminho da Zabumba, filho do sanfoneiro, conta que a família está reunindo e catalogando materiais relacionados à memória de Arlindo dos Oito Baixos. "Tem muita gente que liga pedindo pra conhecer o local, até em dias de semana”, expõe.

Segundo Raminho, seu pai tentou fazer parceria com governos municipal e estadual para ampliar o trabalho, mas não obteve sucesso. Outra dificuldade para levar o ensino do instrumento amado por Arlindo é dificuldade em tocar o instrumento. “Muitos desistiam de tocar a sanfona de oito baixos e mudavam para a de 120, que é mais fácil”, expõe.


Em família

O sanfoneiro, cantor e compositor Aécio dos Oito Baixos, 56 anos, tem marcado presença no Forró de Arlindo, durante os domingos à tarde. Ele é irmão do mestre criador da festa e tenta levar à frente a tradição dos oito foles. “Quando peguei na sanfona, pela primeira vez, tinha 12 anos. Mas meu pai não deixou”, relembra.

O irmão Arlindo bem que tentou incentivá-lo nessa época, doando-lhe uma sanfona de oito foles. “Eu achava bonito ele tocar. Meu pai não queria, dizia pra eu estudar e acabou vendendo o instrumento”, lamenta Aécio, que mora em Ponte dos Carvalhos, distrito de Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife.

Aécio se aquietou por uns tempos. Depois que seu progenitor partiu, se voltou novamente para a sanfona. “Faz uns 15 anos. Já tava casado. Isso atrapalhava um pouco porque você tem outra vida e não pode se dedicar totalmente”, conta.

No entanto, com persistência e ajuda do irmão, ele foi evoluindo e hoje se diverte e diverte os outros tocando com uma banda que montou para lhe acompanhar. Possui três CDs, sendo que o último, Eu e tu, foi feito em parceria com Arlindo dos Oito Baixos.

O dinheiro dos shows, porém, é pouco. A maior parte do seus sustento vem do trabalho como protético. Aécio é casado há 31 anos, tem dois filhos e um neto.


Entrevista//Lêda Dias

A pesquisadora e cantora foi uma das privilegiadas alunas de Arlindo dos Oito Baixos. Ela define como “riquíssima” a experiência de aprendizado que teve com o artista. “Não foi uma experiência de aprendizado comum. Envolveu uma vivência como os antigos faziam, de aprendiz e mestre de ofício, de tradição oral, como ainda ocorre o aprendizado do fole de 8 baixos em geral”.


De que forma a herança artística de Arlindo tem sido perpetuada?

Através de suas gravações e dos seus intérpretes. Mas precisamos reforçar essa memória musical, porque parece que o instrumento está novamente entrando numa fase de esquecimento. Há algum tempo temíamos que o fole de 8 baixos fosse completamente esquecido. O próprio Arlindo fez esse apelo, para que não deixássemos o fole morrer. Depois, houve um interesse crescente sobre a sanfona de 8 baixos, e muitos sanfoneiros se animaram, colocaram o fole no peito, e muitos começaram a pesquisar e produzir conteúdo sobre o pé-de-bode. Hoje vejo muitos sanfoneiros se queixando que não tem mais palco. Quantos vemos tocando no São João? No próprio palco que tem o nome de Arlindo, em sua homenagem, quantos vão tocar? Se não houver um empenho de preservação de um instrumento tão importante, o que garantirá a sua continuidade?


Quem seriam os principais continuadores da tradição da sanfona de oito baixos em Pernambuco e no Nordeste?

Em Pernambuco temos Baixinho dos 8 Baixos em Vicência, que não vive só da música, mas também trabalha como mestre de obras. Em Salgueiro temos Antônio da Mutuca, que também vive da roça. Alguns estão tentando ensinar aos mais jovens. Nego do Mestre em Salgueiro e o próprio Baixinho em Vicência. Em Campina Grande tem Luizinho Calixto ensinado. Mas é preciso que formemos novos públicos, novos instrumentistas.

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