quinta-feira, 19 de junho de 2014

CHICO BUARQUE COMPLETA 70 ANOS EM CLIMA DE COPA DO MUNDO

Aniversariante do dia, o cantor e compositor consegue unir com maestria, ainda hoje, suas duas maiores paixões: a música e o futebol



Por Diego Ponce de Leon e Gabriel de Sá


Chico e os companheiros do time Polytheama

Em Paris, onde os 70 anos são festejados nesta quinta, Chico Buarque de Hollanda frequenta os campos de grama sintética construídos pela prefeitura. O septuagésimo aniversário, certamente, não o impedirá de bater uma bola. Como os nativos não são chegados a uma pelada, o cantor joga com os latinos e africanos residentes, conhecidos ou nunca vistos antes. Alguns deles mal sabem de que se trata de um dos mais conhecidos e admirados compositores do Brasil.

Chico Buarque está para o futebol como Vinicius de Moraes estava para o uísque. A relação é constante, intensa e íntima. O esporte permeou uma série de canções do artista carioca, assim como foi tema central de crônicas e textos. A coincidência da chegada dos 70 anos em meio à Copa do Mundo soa como um presente. “Não tenho dúvida de que ele está acompanhando de perto cada lance do Mundial. Não perderia por nada”, comenta Wagner Homem, escritor responsável pelo conteúdo do site oficial do cantor. 

A paixão pelo esporte fez com que Chico compusesse, entre várias outras músicas, 'O futebol', canção que simboliza como nenhuma outra a apreço do cantor pela pelada e os personagens que marcaram sua juventude. “Para Mané/Para Didi/Para Mané/ Mané para Didi/Didi para Pagão/Para Pelé e Canhoteiro”, diz um trecho. Chico é autor também do hino do Polytheama, time criado por ele há 35 anos e no qual dá vazão ao lado jogador três vezes por semana. “Polythema, Polythema, o povo clama por você/ Polythema, Polythema, cultiva a fama de não perder.”

A sede da equipe fica no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e lá Chico recebe os amigos para divertidas peladas. Nem os 70 anos devem afastá-lo da atividade. Polytheama era o nome do time de futebol de botão criado pelo cantor na infância. Mais velho, conseguiu realizar o sonho de transformar as peças em atletas de carne e osso — ele, inclusive, que joga como meia-esquerda e está sempre atento à performance de seus colegas. As cores do Polytheama são o azul e o verde-limão, bem diferentes das do Fluminense, time do coração de Chico. 

O compositor e violonista Guinga conhece o cantor desde o começo dos anos 1970, e garante: “Futebol é a coisa que ele mais gosta no mundo”. A música, segundo o amigo, ocuparia apenas o segundo lugar da lista de preferências do carioca. Foi exatamente quando Guinga começou a frequentar as peladas de Chico, ainda na década de 1980, que a amizade dos dois se fortaleceu. O campinho do Polytheama — sempre “verdinho e aparado”, segundo Guinga — foi palco de inúmeras conversas e os mais variados causos. “Mas boa parte deles é impublicável”, diverte-se o violonista.

O cantor Ruy Faria, ex-MPB4 e amigo de Chico há cinco décadas, também é habitué das partidas no Recreio dos Bandeirantes. “Toda semana, às segundas e quintas, eu estou lá. O resto do pessoal joga no sábado também”, detalha ele. Na turma, estão nomes como Hyldon, Sombrinha, Carlinhos Vergueiro e Jorge Vercillo. Ruy e Chico se conheceram por volta de 1964. Por oito anos, o compositor carioca não abria mão de ter o MPB4 acompanhando ele nos shows que fazia pelo Brasil. “A gente jogava desde essa época. Para a idade do Chico, ele joga muito bem”, elogia o amigo.


Cronista 

Pelos corredores da MPB, contam que Chico desembarcou, há bons anos, em Paris e correu para um táxi. Estranhando tamanho alvoroço em torno do rapaz que acabara de adentrar seu carro, o motorista comentou: “Você deve ser famoso”. Irreverente, Chico teria respondido: “Sou um jogador de futebol muito conhecido no Brasil”. Não convencido, o chofer insistiu: “E aquela caixa em forma de violão, que eu guardei no porta-malas?” Certeiro, o artista encerrou as dúvidas: “Justamente para enganar a imprensa. Guardo minhas chuteiras ali”. 

As tiradas bem humoradas são velhas conhecidas dos poucos que mantêm laços de amizade com Chico Buarque. Wagner Homem sempre se diverte com elas. O autor (responsável, entre outros, por História de canções — Chico Buarque) revela que os melhores episódios protagonizados pelo compositor costumam ter relação com futebol. 

“Em um dos shows, sentei ao lado do (técnico) Parreira. No dia seguinte, comentei com Chico. Ele disse: ‘Pois é! Ele foi ao camarim. Estava meio contido, tímido. No fundo, acho que ele queria me convocar e ficou com vergonha”, relatou Homem, aos risos.

Em outro momento, impagável, Chico teria aceitado receber o título de cidadão honorário de uma capital, mas que um requisito fosse cumprido: “Até aceito, desde que o evento aconteça no campinho da cidade, durante uma pelada”, teria dito, segundo narração do amigo Wagner Homem. E não é que a câmara municipal foi até ao bendito campo realizar o protocolo? Nem todo dia que Chico dá as caras. Nas raras ocasiões, futebol parecer ser o principal motivo. Depois, a música. 


CHICO E O FUTEBOL


Já brinquei de bola, já soltei balão
Mas tive que fugir da escola
Pra aprender a lição
Meu refrão


Mas caro nego
Um pano rubro-negro
É presente de grego
Não de um bom irmão
Ilmo Sr. Ciro Monteiro ou receita 
para virar casaca de neném


Pois sem você
O tempo é todo meu
Posso até ver o futebol
Ir ao museu, ou não
Sem você 2


Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Meu caro amigo


Ai, que saudades que eu tenho
Duma travessura
Um futebol de rua
Doze anos


Sei que alguém vai sentar junto
Você vai puxar assunto
Discutindo futebol
Com açúcar, com afeto


Para estufar esse filó
Como eu sonhei
Só se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual compositor
O futebol


Quieta que 
eu quero ouvir Flamengo 
e River Plate
Biscate


Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Até o fim

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