Nirez, ou melhor, Miguel Ângelo de Azevedo, um dos mais respeitados conhecedores da música popular do Brasil e dono de um dos maiores acervos de discos de cera do país chega aos oitenta anos
Por Bruno Negromonte
Nirez como pesquisador e historiador é sem sombra de dúvidas um dos mais respeitados e notórios na área. Com um acervo composto por mais de 140 mil peças ao longo dos mais de cinquenta anos, o desenhista técnico, publicitário e radialista aposentado tornou-se não apenas um grande colecionador mais também um profundo conhecedor da história da música popular brasileira, sobretudo da primeira metade do século XX, assim como também da cidade de Fortaleza. Essa condição o colocou como frequente colaborador de diversos jornais de Fortaleza, tais como: Correio do Ceará, Tribuna do Ceará e O Povo; além de frequente fonte de pesquisa para artistas de todo o país que o procuram no bairro de Rodolfo Teófilo, mais precisamente na Rua Professor João Bosco, 560 para eventuais consultas através do Museu Cearense da Comunicação (antigo Museu Fonográfico do Ceará). Conforme informações do próprio historiador, pela última contagem, o acervo conta com mais de 140 mil itens, dos quais cerca de 22 mil peças (mais precisamente os discos de cera) foram digitalizados graças a um convênio firmado com o Ministério da Cultura (Minc) e a Petrobras.
O acervo que conta com fotografias (prédios, logradouros, pessoas, solenidades, acontecimentos etc.); rotulagem (carteiras de cigarros, caixas de fósforos, sabonetes, perfumaria, alimentos, bebidas etc.); propaganda (anúncios, lápis e canetas de divulgação de produtos etc.); DVDs (filmes, documentários, registros de palestras etc.); 600 LPs (vinil – todos em MP3, por exemplo); dezenas de fitas (cassete e rolo); partituras musicais (hinos, música popular e algumas eruditas); 15 rolos fonográficos entre outros contam um pouco da história não apenas do Estado do Ceará mais boa parte da cena musical da primeira metade do século passado. Por seu trabalho, Nirez recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos. Ao longo deste mês Miguel Ângelo de Azevedo, um dos grandes guardiões da memória cultural do nosso país, está chegando aos 80 anos e eu, através do Blog do Lando, tenho a oportunidade de registrar aqui em nosso espaço uma informal conversa com este homem que, além de colecionador, é também autor de obras como "Enciclopédia da Música Popular Brasileira", "Cronologia Ilustrada de Fortaleza", "Fortaleza de ontem e Hoje" entre outros. Figura ímpar no cenário cultural nacional, Nirez pode ser considerado hoje como um dos grandes baluartes da cultura brasileira, principalmente se levarmos em consideração a sua dedicação décadas a fio em manter viva a chama de uma arte tão rica quanto a brasileira.
Essa sua, digamos, mania de colecionar as coisas vem desde que época? Em sua infância já manifestava-se o seu interesse neste sentido?
Nirez - Sim, desde tenra idade sempre gostei de fazer coleções de figurinhas, carteiras de cigarros, caixas de fósforos, etc, mas não guardava, me desfazia com facilidade das coleções. Só vim fazer isso seriamente a partir dos 20 anos de idade.
E o seu interesse por música vem desde que época? Quais são as suas maiores reminiscências nesse sentido?
Nirez - Em 1939, quando eu tinha cinco anos de idade, meu pai recebeu, por troca de um trabalho, um gramofone com vários discos e aquilo me encantou e eu decorei o aspecto de todos os discos, de forma que ainda hoje, ao escutar um deles me vem, imediatamente, a imagem do aspecto do disco.
Você deu início a sua coleção de 78 rpm em 1954, em uma década em que já começava a se popularizar os LP's em seus mais diversos formatos em detrimento ao segmento que você decidiu colecionar. Houve na época quem acreditasse que você rapidamente desistiria dos discos de cera e migraria para os LP's?
Nirez - Na verdade ninguém acreditava no sucesso do LP, primeiramente porque eles não tocavam nos antigos aparelhos; outros, porque mesmo as músicas mais antigas vinham em novas interpretações e ninguém jamais pensou que os 78 rotações sairia do mercado. Pensava-se que ficariam as duas formas para sempre à venda. Logo depois surgiram os compactos e os 45 rotações, de forma que pensava-se que todas as formas ficariam.
Nestes 60 anos em busca da preservação da memória cultural cearense e brasileira quais as maiores dificuldades encontradas para manter-se neste propósito?
Nirez - Quando iniciei pouca gente escrevia a respeito das antigas gravações, dos compositores, intérpretes, etc. Os críticos só cuidavam de jazz, música de boate, sucessos contemporâneos, etc. Era muito difícil a aquisição de peças raras. Depois foram surgindo reedições de livros, novos críticos interessados em nossa música, associações de pesquisadores, passamos a ser vistos com mais respeito, a Funarte deu uma boa ajuda na publicação de obras biográficas e discográficas, etc.
Uma curiosidade que cerca a todos que tem oportunidade de tomar conhecimento do seu acervo é de como começou tudo isso. Você poderia nos dizer como se deu o início dessa coleção? Foi a partir de que peça?
Nirez - Quando aniversariei em 1954 (20 anos) um amigo me ofertou um toca discos, pois sabia ser eu um apaixonado por música e a partir daí procurei adquirir discos para ouvir; foi quando percebi que eu não gostava da música da minha época, comprei uns 15 discos e parei. Descobri então os discos de reedição e passei a comprar antigas gravações das décadas de 1920, 1930 e 1940. Também comprei discos de segunda mão nas calçadas, sebos, etc, onde consegui muitas raridades. E a coisa foi crescendo e quando me vi cercado de nomes estranhos eu quis saber quem eles eram e procurei a literatura a respeito e formei uma biblioteca especializada no assunto. Depois procurei fotos a respeito do assunto a aí deparei-me com outro tipo de foto, da cidade, formando nova coleção. Em 1963 coloquei no ar o programa "Arquivo de Cera", que ainda hoje está no ar, onde eu presto uma homenagem ao cantor, compositor, musico aniversariante do dia, quer seja de nascimento ou morte. E assim vem sendo até hoje. O programa já passou por várias emissoras de rádio e hoje está na Rádio Universitária FM.
Dentre os 22 mil discos do acervo de 78 RPM existe a predileção por algum? Qual(is) seria(m) aquele(s) que você destacaria?
Nirez - Gosto muito tanto dos discos da década de 30, que considero a época de ouro de nossa música como gosto do chamado período heróico, que foi o início, com gravações mecânicas de modinhas, dobrados, lundus, schottisch, polcas, mazurcas, que são de uma doçura inexplicável. Não tenho preferência por nenhum em particular. Com o tempo, analisando, colocando as coisas em seu devido tempo, perde-se essa história de preferência por cantor, compositor, orquestra, músico, etc. O importante é a peça musical que nos agrada.
O povo brasileiro tem a fama de ter a memória curta. Em sua opinião enquanto pesquisador e colecionador se dá devido a algum fator específico?
Nirez - Somos um país ainda de terceiro mundo, não temos o direito de ser saudosistas. Você vê que um beijo em filme ou na televisão tem que ter uma música americana como fundo, NUNCA uma brasileira. Só se ama em inglês. O americano se dá ao luxo de lançar uma coleção de discos homenageando os grande compositores e intérpretes de lá, com gravações originais; nós fazemos aqui uma imitação, porém com gravações recentes porque nos enoja usar as originais. E o trabalho perde seu valor.
Você, ao lado do pernambucano Leon Barg (dono do selo Revivendo e falecido em 2009) são, sem sombra de dúvidas, os maiores responsáveis pela preservação da memória musical brasileira registrada na primeira metade do século XX. Vocês mantinham alguma relação de amizade?
Nirez - Sim, fomos grandes amigos e eu me sentia na obrigação de podendo, completar sua coleção no que me fosse possível. Ele vinha na minha casa, via os discos que lhe interessavam e levava. Nós nunca trocamos um disco sequer. O disco que lhe interessava eu dava a ele, em contrapartida, quando eu ia à sua casa ele me presenteava com dezenas de raridades. Foi uma pena seu desaparecimento, A cultura nacional perdeu muito com isso.
Você hoje considera-se um homem realizado?
Nirez - Eu acho que ninguém deve se achar realizado. O homem que assim pensa ele se acomoda e deixa de produzir. Sempre acho que falta muito para eu fazer e o que eu pensei fazer não cheguei a concretizar.
Qual o maior presente que você ainda gostaria de ganhar ao longo dessa comemoração de seus 80 anos?
Nirez - É muito bom o reconhecimento. Não desejo mais do que isso. Obrigado.
Serviço
Arquivo Nirez:
Rua Professor João Bosco, 560, Rodolfo Teófilo
Telefones: (85) 3281-6949 (à noite) / (85) 9982-6439
e-mail: nirez@terra.com.br
Nirez na internet: http://www.projetodiscodeceranirez.com.br/
Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE):
Av. Barão de Studart, 410 – Meireles
mis@secult.ce.gov.br
Visitas com grupos e pesquisa ao acervo: (85) 3101.1206
Aberto de segunda a sexta, de 8h às 17h.
1 comentários:
Parabéns, amigo Bruno, pela excelente entrevista.
Nirez merece todos os elogios pois além de todos os seus talentos, tem o dom do desprendimento. Está sempre pronto a dividir seus fonogramas para que sejam ouvidos por quem tiver ouvidos. Isso é muito bom.
Abraço do luciano
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