Grupo brasileiro passa por 11 cidades de quatro Estados americanos
Quando se apresentou no Queen Elizabeth Hall, em Londres, no ano de 2010, a Orquestra Juvenil da Bahia se lançava no cenário internacional abrindo caminho para outras formações do gênero no País. Ou seja, pela primeira vez uma sinfônica juvenil brasileira tocava na Europa, e em salas renomadas. A primazia agora se repete: desde o último dia 07 de fevereiro quando a Orquestra fez uma exibição no Centennial Hall em Tucson, no Arizona, para uma plateia de 2.500 pessoas, abrindo o mesmo caminho pioneiro nos Estados Unidos. A nova investida da orquestra, conhecida fora do Brasil pela sigla Yoba - Youth Orchestra of Bahia - se estenderá pelo mês de fevereiro, com 12 concertos em 11 cidades de quatro Estados americanos - além do Arizona, também Missouri, Indiana e Califórnia.
Batizada como Bahia Orchestra Project, a turnê americana da orquestra - que já conta com 125 integrantes - sinaliza o cuidado com a exposição internacional de um grupo que nasceu de uma proposta mais sociopedagógica do que musical propriamente dita. Inspirada no modelo venezuelano El Sistema, em que a música é usada como alavanca para o desenvolvimento de crianças e jovens, hoje a Juvenil da Bahia chega aos EUA agenciada pela Columbia Artists, de Nova York, com patrocínio do governo baiano e do Instituto Arapyaú, além do apoio da maior companhia aérea americana.
O forte esquema empresarial, se por um lado parece contradizer os objetivos sociais do projeto, por outro lado marca um dos compromissos desse El Sistema baiano: a vivência musical de seus integrantes, que podem ou não se profissionalizar como músicos no futuro, busca sempre o padrão de excelência. “Na escola, a professora de português não pergunta aos alunos se eles serão escritores. Aqui também não pergunto a esses jovens se virão a ser solistas. Mas, enquanto estiverem no projeto, serão desafiados ao aprimoramento constante”, explica o maestro e pianista baiano Ricardo Castro, de 49 anos, que estará à frente da orquestra ao longo da turnê.
Na verdade, Castro está na origem dessa movimentação musical do Estado da Bahia, que chama atenção de músicos e especialistas estrangeiros. Pianista premiado e com carreira internacional, pôde ver de perto o projeto socioeducativo fundado, em 1975, pelo economista e musicista venezuelano José Antonio de Abreu, isso no ano de 2006, justamente quando se apresentava como solista em Caracas. Ficou impressionado com a vitalidade do El Sistema, que até agora disseminou cerca de 180 orquestras jovens pelo país, alcançando 350 mil participantes: lá trás, Castro viu como o programa conseguia envolver crianças e jovens carentes, numa ação social cujo motor é a música de concerto. Vidas eram transformadas simplesmente a partir da experiência musical compartilhada.
De volta ao Brasil, decidiu correr atrás de apoios para implantar algo nos mesmos moldes na Bahia. E assim, em 2007, nascia o Neojiba - Núcleo Estadual de Orquestras Juvenis da Bahia -, que viria a se tornar programa prioritário do governo local. Entrando em seu oitavo ano, o Neojiba pretende triplicar o número de integrantes, alcançando 2.700 jovens de todo o Estado não só em orquestras, mas em grupos de câmara e formações corais. Essa expansão marca a transferência do programa da Secretaria de Cultura para a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, o que possibilitou aumento de 40% no seu orçamento - estava em R$ 4,5 milhões, foi para R$ 7 milhões.
A Juvenil da Bahia é a formação que reúne os músicos com melhor desempenho em todo o núcleo, numa faixa etária que vai de 14 a 29 anos. Ou seja, para quem entra no Neojiba, chegar a ser um Yoba é meta. “Ainda assim, o espetáculo não é nosso objetivo. Aqui a música é meio, não um fim”, insiste Castro, que também responde pela direção-geral do programa em que a expressão “inclusão social” foi substituída por “integração social”. Explica-se: em torno de 90% dos participantes do Neojiba vêm das camadas menos favorecidas. 10% saem da elite socioeconômica da Bahia. Pois os “diferentes” têm que aprender a tocar juntos e a conviver, assim como os instrumentistas mais adiantados têm que ajudar os menos preparados. Hoje, 50% dos membros da Juvenil da Bahia dão aula nos cursos do Neojiba, que por sua vez já formou sete orquestras e dá suporte a outras que vão pipocando no interior do Estado. O programa oferece não só a formação musical como instrumento, material pedagógico, auxílio-transporte e alimentação, além de bolsas de estudo. Mas condiciona tudo isso à permanência no sistema escolar.
Debutar no circuito americano e se preparar para ser a orquestra residente do Festival de Montreux deste ano, na Suíça, dá uma ideia do fôlego de trabalho da Yoba, uma juvenil que já tocou ao lado de estrelas como os pianistas Lang Lang e Maria João Pires. Nesse constante jogo entre amadurecimento artístico e formação pessoal, talentos vão sendo catapultados. Por exemplo, Geisa Santos, de 24 anos, moradora de um subúrbio de Salvador, entrou no Neojiba para estudar viola. Hoje se aperfeiçoa na academia da Filarmônica de Berlim, com bolsa do Mozarteum Brasileiro. David Matos, de 29, que chegou para estudar violoncelo, acabou sendo mandado à Suíça, para receber formação como luthier. Agora não só cuida do acervo geral de instrumentos, como os constrói, também. Yuri Azevedo, de 21, prêmio de regência do Festival de Inverno de Campos do Jordão, está estudando em Maryland, nos EUA. Já é visto como uma estrela ascendente no pódio. Vale lembrar que a sensação do mundo da regência, hoje, é o venezuelano Gustavo Dudamel, saído das fileiras do El Sistema.
A orquestra viajou aos EUA com cinco programas de repertório, sendo um deles dedicado exclusivamente a autores latino-americanos. Os restantes mesclam obras universais de Tchaikovsky, Ravel ou Stravinski, aos latinos Revueltas e Arturo Márquez, além de brasileiros como Villa-Lobos, Ary Barroso, Lorenzo Fernandez e Wellington Gomes. No concerto de amanhã, o solista convidado será o pianista francês Jean-Yves Thibaudet, interpretando o Concerto em Sol, de Ravel. Já o pianista canadense Stuart Goodyer e o próprio Ricardo Castro se apresentam como solistas ao longo da excursão. Em função da ida ao festival de Montreux no verão europeu, este ano a Juvenil da Bahia não participará do festival Música em Trancoso (MeT). Também em 2014 acontece o lançamento do primeiro CD e do segundo DVD da orquestra.
Fonte: Agência Estado
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