Cantora e jornalista paulista relembra o encontro com o cantor quando ela morava no Recife
Por Stela Campos
Quando alguém abre a porta da casa, logo vejo um carro esparramado no jardim, quase entrando pela porta de vidro no meio da sala. Sou recebida por duas moças na varanda, onde um velho soundsystem toca uma música de Reginaldo Rossi. Pergunto por ele e digo que sou a jornalista de São Paulo que iria entrevistá-lo conforme havia sido combinado com seu agente. Uma das moças me acompanha e gentilmente pede que eu aguarde na sala porque o “ rei” ainda está dormindo. Sim, elas se referem a ele como “rei”. “Ele chegou tarde ontem, sabe?”. Olho novamente para o carro e pergunto: ele dirige?. “Sim, ele mesmo”. Penso, a farra deve ter sido boa.
O relógio marca uma da tarde, o horário previamente agendado, mas nem sinal do “rei”. Na sala espaçosa, da casa térrea, cercada de muro branco, em frente à praia em Piedade, no Recife, observo penduradas na parede várias fotos dele com celebridades. “Viu o Julio Iglesias? “, pergunta uma das moças, uma assistente tipo faz tudo. Ela e a outra moça zanzam pela casa o tempo todo cantarolando as músicas dele, que não param de tocar. O tempo passa e meio sem graça uma delas me pede calma porque ninguém simplesmente acorda o “rei”. Ele tem o seu próprio tempo e decide quando quer levantar. “Fica chateada não, viu?”.
Uma hora depois ainda estou lá vendo como a casa vai ganhando vida. Aos poucos, mais gente entra e sai para resolver alguma questão ligada à produção. Converso com as moças e descubro que o “rei” tem seu próprio avião, um jatinho, ele não gosta de voar de outro jeito, me explicam. Quase duas horas depois do horário combinado digo que preciso ir. A assistente simpática então resolve ligar para o celular dele que está no quarto: “Vamos ver se ele atende”, diz meio sem graça. Nada.
Quando decido ir embora mesmo, eis que uma notícia passa de uma pessoa para outra desde o fim do corredor imenso que leva aos aposentos de sua majestade. “O rei acordou!”. Pouco depois, ele surge vestido com um roupão de plush azul marinho claro, longo, meio entreaberto, deixando à vista o peito peludo e uma corrente de ouro. Óculos escuros, meio ofegante, ele me cumprimenta e vai para a cozinha. Volta em alguns minutos. “Desculpe minha querida, ontem cheguei um pouco tarde”, e dirigindo-se às assistentes diz: “Hoje não estou bem, estou meio estressado, daqui eu não saio, me vê um café e um cigarro”. Desejo prontamente atendido. Detalhe, a cada intervalo de 20 minutos de entrevista, o “rei” estala os dedos. Esta é a senha para que elas tragam mais café e um cigarro aceso.
Na conversa, ele sem qualquer modéstia, me diz que foi o primeiro rei do rock do Brasil. Roberto (Carlos) veio depois, segundo ele, quase na sua cola. Com orgulho, diz que sua banda, The Silver Jets, foi precursora da jovem guarda. Falamos um pouco de tudo. Isso foi em 1998, época em que o Sul do país começa a se render aos encantos do “rei”. Nesse mesmo período, a turma do Mangue beat se reúne para gravar a coletânea tributo Reiginaldo Rossi, da qual participo com uma versão para Tão sofrido. Pergunto se ele escutou alguma música daquele disco que estava para ser lançado. Ele diz que não, mas que está curioso.
O “rei” parece feliz por afinal a Rede Globo e a grande mídia estarem lhe dando a de vida atenção. “Aqui posso reunir fácil 100 mil pessoas para me ouvir numa praça”, gaba-se. Ele parece um pouco ressentido pelo reconhecimento quase tardio do povo do Sul, mas também triunfante e vingado. A música Garçondemorou anos até virar um hit em todo o país, embora fosse um megasucesso em todo o Nordeste. Mas por fim, o som de Rossi contaminara o Brasil.
Pergunto sobre as mulheres, o romantismo e o brega. Ele diz que ama todas elas e que não existe nada melhor no mundo do que o cheiro de uma calcinha, de uma xoxota. Ele sabe constranger e gosta disso. Diz que não usa drogas. Estala os dedos e chega outro combo de café e cigarro. Gosta de dinheiro, de se vestir bem, do luxo e de ser querido e bajulado. Terminamos a entrevista. Saio feliz de ter ficado quase um dia inteiro na casa do “rei”.
Muitos detalhes dessa entrevista nem lembro, tanto faz, esse é um depoimento emocional agora que ele se foi. O perfil que me encomendaram na é poca, no final, nunca foi publicado. A tal revista People que teria uma edição nacional nunca chegou a existir e eu perdi o que tinha feito. Relato o que ficou na memória, o encontro com o mito, com o autor de Garçom e de outras maravilhas da canção brasileira, para mim, pelo menos, isso basta.
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