domingo, 16 de fevereiro de 2014

80 ANOS SEM ERNESTO NAZARETH

Por Mariana Albanese 


Erudito popular

Quando o samba ainda nem tinha subido o morro, o tango brasileiro descia para o asfalto pelas mãos hábeis deste grande pianista. Compunha músicas eruditas que caíam na graça popular. Ao lado de Chiquinha Gonzaga e Antônio Calado, é considerado o precursor de um gênero bem brasileiro: o choro. Para Villa-Lobos, era a encarnação da nossa alma musical. 

Em fevereiro de 1934, Ernesto Nazareth saiu escondido da colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Estava internado para tratar-se de um distúrbio nervoso causado pela sífilis. A outro interno, disse que iria para casa. Foi encontrado três dias depois, morto, na Cachoeira dos Ciganos, localizada em uma floresta próxima. Os jornais da época, romanticamente, noticiaram que estava sentado com os braços estendidos como se tocasse piano. Surdo e doente, não havia se recuperado da morte da filha Maria de Lourdes, em 1918, e da esposa Teodora, no ano seguinte.

O acontecimento daquele fevereiro de 1934, às vésperas do carnaval, não ganhou muito destaque. No entanto, o lugar de Nazareth na História estava assegurado. Foi o maior compositor de tangos brasileiros, gênero que mais adiante tomaria a forma do choro.

Ernesto Júlio Nazareth nasceu no Morro do Nheco (hoje Morro do Pinto) em 20 de março de 1863. Aprendeu a tocar piano com a mãe, morta quando ele tinha dez anos. Ainda na infância, sofreu uma queda que lhe trouxe complicações auditivas. Nada que o impedisse de compor vida afora. A primeira música, uma polca-lundu chamada Você Bem Sabe, foi escrita aos 14 anos.

Casou-se aos 23 anos e logo foi dar aulas de piano para sustentar a família. Trabalhou também como pianista-demonstrador em diversas casas, como a Vieira Machado e Cia., Mozart e Carlos Gomes. Como não havia toca-discos, os interessados em comprar determinada partitura pediam a ele que a executasse, para ver se gostavam da música. Também vendia as suas, embora fosse extremamente severo com quem as interpretava. Costumava dizer: “Duas coisas dão-me imenso prazer: uma pessoa a ouvir-me com reverência e um pianista desconcertado ao tentar transpor alguma dificuldade encontrada em minha música!”. Autor de peças essencialmente instrumentais, fazia canções para serem escutadas, não dançadas, como afirmou certa vez. Se o público não prestasse atenção, parava de tocar. Em 1902, no mesmo ano em que foi feito o primeiro registro fonográfico no País, teve sua composição Está Chumbado gravada pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob regência de Anacleto de Medeiros.


Ambições de Chopin

Por toda a vida renegou o maxixe, dizendo que era “ritmo menor”, mas sua música tinha muitos elementos do gênero musical. Apesar de aclamado popularmente, era compositor erudito, com ambições de Chopin. E fazia questão de sê-lo. Para os críticos, foi essa a dualidade de Nazareth: suas músicas faziam sucesso entre a classe média e alta que podia comprar partituras e tinha piano, mas não lhe apetecia a ideia de fazer sucesso em festas, por exemplo. Preferia as reuniões familiares. Em 1926, Mário de Andrade proferiu uma palestra sobre ele na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo: “Por todos esses caracteres e excelências, a riqueza rítmica, a falta de vocalidade, a celularidade, o pianístico muito feito de execução difícil, a obra de Ernesto Nazareth se distancia da produção geral congênere. (…) Posso lhes garantir que não estou fazendo nenhuma afirmativa sentimental, não. É a convicção desassombrada de quem desde muito observa a obra dele”.


Emoções vivas

Em maio de 1930 compôs sua última música, Resignação. Ainda se apresentaria em Porto Alegre, partindo depois para Montevidéu, onde teve uma crise nervosa. De volta ao Rio, foi internado na Fundação Gaffrée & Guinle, dentro do Hospício D. Pedro 2º. Depois foi levado para a colônia Juliano Moreira. Deixou 212 composições, sendo polcas, valsas e tangos. Entre elas os sucessos Escovado, de 1905, e Apanhei-te, Cavaquinho!, de 1914. Sobre Nazareth, disse Villa-Lobos: “É a verdadeira encarnação da alma musical brasileira; ele transmite, na sua índole admirável, as emoções vivas de um determinado povo, cujo caráter apresenta tipicamente na sua música”.


SAIBA MAIS 

Ernesto Nazareth, Pianeiro do Brasil, de Haroldo Costa (Novas Direções, 2005).

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