quinta-feira, 16 de novembro de 2017

TRAVESSIA FOI O PRENÚNCIO DO CLUBE DA ESQUINA, QUE RENOVOU A MPB NA DÉCADA DE 1970

O clássico de Milton Nascimento e Fernando Brant muda a história dos mineiros

Por Ana Clara Brant 




A música, de 1967, foi a primeira parceria de Bituca e Brant. Em quase meio século, escreveram cerca de 150 músicas juntos (foto: Arquivo EM)"Quando escrevi Travessia, minha primeira parceria com Bituca, nunca tinha pensado em ser compositor, embora gostasse muito de cinema, música, teatro e poesia. Fiz a letra para um amigo, sem qualquer pretensão. Sem que soubéssemos, ela acabou inscrita num festival e mudou completamente nossos destinos". A declaração de Fernando Brant (1946-2015) a Liana Fortes, autora do livro sobre ele publicado pela Coleção Gente (2005), resume um pouco da história do clássico da MPB.

Fernando contou a Liana que houve alvoroço da imprensa a respeito da canção. Jornalistas o questionavam sobre o significado da letra. "Achavam que ela era difícil, diferente. Vê se pode! E eu respondi: Quis dizer isso – 'quando você foi embora, fez-se noite em meu viver.' Era tão claro pra mim, mas as pessoas não estavam acostumadas a nada que fosse diferente do habitual, do que ouviam no rádio", observou o compositor.

Travessia foi um momento decisivo na carreira de Fernando Brant, Milton Nascimento e nomes da música mineira. Toninho Horta, que também participou do 2º Festival Internacional da Canção (FIC), observa que a partir dali a obra de Bituca passou a ser valorizada.

"As pessoas começaram a conhecer toda a turma dele: o próprio Fernando; o Márcio Borges, que já compunha com o Milton; e posteriormente o Ronaldo Bastos, que é do Rio, mas virou meio mineiro. Essas pessoas e outras figuras próximas, como eu, Lô Borges e O Beto Guedes, acabaram formando o chamado Clube da Esquina, em 1972. Cinco anos antes, com Travessia, o Milton já tinha mostrado toda a sua grandeza, a sua voz de Deus, o talento. O Clube vingou e o Bituca se tornou o maquinista desse trem", analisa Toninho Horta.

"Senti-me soterrado de emoção ao ouvir Travessia pela primeira vez", relembra o produtor cultural, poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho. De acordo com ele, essa canção é tão divisora de águas quanto outras músicas compostas naquele período por Milton e "seus inovadores parceiros".


Jornada

"Depois da bossa nova, que tinha contexto mais praieiro, mais do litoral, Travessia finalmente chegou no centro do Brasil. Foi, sem dúvida, um marco na música mineira e brasileira", ressalta o compositor. Em 2002, a Dubas, gravadora de Ronaldo, relançou o primeiro disco de Milton Nascimento, que trazia a faixa Travessia. Totalmente remasterizado, o álbum tem Bituca acompanhado pelo Tamba Trio e canções com arranjos de Luiz Eça.

"Já estava começando a crise do disco físico, mas foi muito bom termos relançado. O álbum é um dos grandes da MPB, representa o começo do Clube da Esquina, toda aquela explosão do Maracanãzinho, a chegada dos mineiros. Em 1967, Bituca lançou o álbum por uma gravadora pouco conhecida, e ele não teve tanta repercussão. O relançamento pela Dubas – um selo pequeno, mas com muito prestígio – foi a oportunidade de dar visibilidade a essa obra-prima", conclui Bastos.

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