terça-feira, 7 de novembro de 2017

A MÚSICA POPULAR NA REPÚBLICA

Adeus, Primeira República: “O barbado foi-se”
Músicas do Catete 4



Como comentamos no texto anterior, o presidente Washington Luís era um folião de mão cheia. No carnaval de 1929, ele foi apelidado de “Rei da Fuzarca” e pulou ao som da marcha “Sou da fuzarca”, do compositor Vantuil de Carvalho: 

Sou da fuzarca (Sou da fuzarca)
Não nego, não (Não nego, não) 
É por isso mesmo
Que eu não te dou meu coração. 
O teu amor não quero
Eu prefiro a nota
Esse negócio de amor 
É uma lorota. 
Se faço assim contigo
É de coração
Porque não posso
Andar assim na prontidão. 


Mas, a descontração de Washington Luís na festa de momo não cabia mais nas negras nuvens que pairavam na vida pública brasileira ao final dos anos vinte. Uma série de acontecimentos no campo da economia e da política sacramentaram o fim da Primeira República. 

O Brasil sofria com a crise econômica. A quebra da Bolsa de Nova York levou à falência de bancos e fábricas e deixou milhões de pessoas desempregadas no mundo ocidental. A dureza tornou-se geral e o efeito foi imediato para um país exportador como o nosso: menos “roupa” para os brasileiros. O tempo era de tanta dureza que o compositor Noel Rosa, do bairro Vila Isabel, gravou um ano depois, em 1930, seu primeiro sucesso, “Com que roupa?”, utilizando uma gíria comum no rio para brincar com a falta de grana dos brasileiros: 

Agora vou mudar minha conduta, 
Eu vou pra luta,
Pois eu quero me aprumar.
Vou tratar você com força bruta 
Pra poder me reabilitar, 
Pois esta vida não está sopa.
E eu pergunto: com que roupa? 
Com que roupa eu vou
Pro samba que você me convidou?

E na última eleição da jovem e desgastada República, quem usaria a faixa presidencial? O paulista Júlio Prestes era o favorito do presidente Washington Luís. Mas os estados de Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul, rebelaram-se contra sua decisão. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, João Pessoa e Getúlio Vargas lideravam, respectivamente, os três estados contrariados. Formou-se a Aliança Liberal para lançar Vargas à Presidência. 

E você pensa que o sambista Sinhô ficou de fora dessa disputa? A eleição, programada para o mês de março, coincidia com o primeiro dia de carnaval. Antes mesmo de saírem os números oficiais confirmando a vitória de Júlio Prestes, cantava-se nas ruas a marchinha “Seu Julinho”, de Sinhô: 


Eu ouço falar
Que, para nosso bem,
Jesus já designou
Que seu Julinho é que vem. 
Deve vir esse caboclo 
Para matar minha saudade,
Para o riso ser leal
No coração da humanidade
Olé...


Mas se a letra contava com a vitória de Júlio Prestes, e ela realmente aconteceu, o maior nome da primeira geração do samba nunca poderia imaginar que o país viraria de cabeça para baixo. O assassinato de João Pessoa (governador da Paraíba e candidato derrotado à Vice-Presidência na chapa de Getúlio Vargas) fez o time da Aliança Liberal tratar a questão com força bruta. “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, dizia o presidente da província de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. E ela foi feita. 

Os gaúchos chegaram ao Rio com seus lenços vermelhos e amarraram os seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no Centro da cidade. Logo o presidente Washington Luís estaria destituído, e o país passaria a ser governado por Getúlio Vargas, naquele 3 de novembro de 1930. “O barbado foi-se”, marchinha-embolada de G. Ladeira e Doutor Boato (pseudônimo criado pelo compositor Lamartine Babo), enfatizava a deposição do presidente:

Do sul ao norte,
Todos viram a intrepidez 
De um Brasil heroico e forte 
A raiar no dia 3.
A Paraíba,
terra santa, terra boa, 
Finalmente está vingada, 
Salve o grande João Pessoa!
Doutor Barbado (presidente)
Foi-se embora,
Deu o fora,
Não volta mais! 
Não volta mais...

Getúlio Vargas chegaria de trem à capital federal e ficaria à frente do governo provisório. O rádio, os compositores populares, as escolas de samba e as “coisas nossas” da política seriam o cenário de Vargas por um bom tempo no comando da nação. Vargas não, “Seu Gegê”, como será carinhosamente conhecido o presidente no meio artístico.

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