quarta-feira, 30 de outubro de 2019

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Luiz Américo Lisboa Junior


MUTANTES - 1969


Nos anos cinqüenta a turma da juventude transviada invadia o espaço público com suas atitudes rebeldes embaladas numa musica com um ritmo dançante acompanhadas por guitarras elétricas, ou violões elétricos que deixavam todos num grande frenesi. No inicio apesar da atitude contestadora de rompimento com padrões conservadores traziam em suas letras contraditoriamente mensagens açucaradas, muitas com um certo toque adolescente, quase infantil. No Brasil esse ritmo batizado de Rock and roll, teria sua primeira geração formada por nomes como os irmãos Tony e Cely Campelo, Rony Cord e Sergio Murilo. Suas canções em sua grande maioria eram versões de sucessos americanos que agradavam em cheio os jovens que se identificavam com a sua energia e filosofia de vida, mascando chicletes, andando de lambretas, os cabelos com topetes e brilhantina e vestidos com blusões de couro. Essa rebeldia ingênua caracterizou um tipo de comportamento social que daria novos rumos a musica popular brasileira, mesmo que alguns não a considerassem como tal, já que na mesma ocasião disputavam a preferência do público com os artistas da Bossa Nova. Seja como for depois do surgimento do rock nossa canção popular jamais seria a mesma.

A partir os anos sessenta os brotos comandavam parcela significativa da cena musical tupiniquim, e após terem se inspirado em seus ídolos da década anterior chegavam com toda a força para marcar presença, desse modo, conjuntos, compositores e intérpretes como Renato e Seus Blue Caps, Snakes, The Jet Blacks, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Jerry Adriany e Wanderleia, provocaram uma verdadeira febre entre os jovens empunhando guitarras e compondo uma trilha musical que tinha em suas letras uma alienante mais romântica mensagem que sacudiu o Brasil com o nome Jovem Guarda. Vivíamos então um cenário de incertezas políticas e sociais, contudo, todas essas questões que inquietavam a nação passaram ao largo e os jovens mandaram ver, principalmente quando explodiu no planeta a bomba Beatles, ai, tudo era iê iê iê, apesar da guerra às guitarras promovida pelas brilhantes cabeças pensantes da MPB, um time de compositores e intérpretes que faziam com talento inigualável o contra ponto da alegria rebelde da turma que achava que tudo “era uma brasa, mora!”.

Este cenário rico de valores artísticos estaria portanto vulnerável à chegada a cada momento de novos e arrebatadores personagens para compor a geléia geral brasileira, e assim em 1967 a Tropicália liderada por Caetano Veloso e Gilberto Gil tomam conta da cena e com eles surge então um grupo de rock com uma proposta bem diferente das melodiosas, infantis/rebeldes canções da Jovem Guarda, trata-se de Os Mutantes, o nosso primeiro conjunto tipicamente rock and roll que vieram para bagunçar o coreto desse circo chamado Brasil. Formado em São Paulo pelos irmãos Arnaldo e Sergio Dias Batista e por Ria Lee Jones, estrearam no programa O pequeno mundo de Ronnie Von, na TV Record em 1966 e no ano seguinte foram convidados para acompanhar Gilberto Gil na musica Domingo no parque, no III Festival de Musica Popular da TV Record. 
Seu talento conquistou todo o grupo de baianos que lideravam a cena musical e passaram então a acompanhá-los em apresentações e gravações, participando inclusive do legendário LP Tropicália ou panis et circensis, lançado em 1968, ano em que gravaram também seu primeiro disco pela gravadora Polydor em que registraram canções de sua autoria e também de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Bem. Aliás o ano de 1968 foi de grandes conquistas para Os Mutantes, recebendo o Troféu Imprensa como o melhor conjunto musical e o convite para se apresentarem no MIDEM, o Mercado Internacional de Discos e Editores Musicais realizado em Cannes, na França.

O caminho portanto estava aberto para o grupo e em 1969 surge um novo LP novamente tendo como titulo o nome do conjunto. Nesse disco são lançados vários sucessos permanentes como Dom Quixote e Caminhante noturno, de Arnaldo Batista e Rita Lee e 2001, de Tom Zé e Rita Lee. A irreverência, uma das suas mais fortes características verifica-se em Dom Quixote, que inclui na introdução uma citação a ópera Aída, de Giuseppi Verdi terminando com um deboche e uma citação a Chacrinha e sua barulhenta buzina. Já em Caminhante noturno, há uma mistura de sons distorcidos, misturando vaias e a voz de um robô, numa alusão ao Robô B9 da serie Perdidos no Espaço, gritando, “Perigo! Perigo! Rota de colisão! É proibido proibir” acompanhado de um fundo sonoro gravado da platéia do Marcanzinho durante a apresentação de Caetano Veloso no III Festival Internacional da Canção do ano anterior, gritando em coro e aos berros, Bicha! Bicha! 

Com um som moderno, inventivo e livre de amarras, Os Mutantes promoveriam diversas inovações neste LP gravando por exemplo a musica Algo mais, composta pelo grupo e que era nada menos do que um jingle publicitário para uma campanha da Shell o que traria constrangimentos a gravadora Philips, mas que acabou consentindo com a sua inclusão. Os Mutantes experimentavam sempre e tinham em Rogério Duprat e Cláudio César os responsáveis pela sonorização dos impressionantes efeitos produzidos nas suas canções. 

Com toques geniais e muito além do seu tempo tupiniquim, Os Mutantes realizaram um tipo de som que marcaria de maneira irreversível todos os outros grupos que iriam surgir na cena musical brasileira, já que foram os pioneiros não somente nos arranjos e no toque vanguardista de suas musicas como também na irreverência visual de suas apresentações. O nome já esta na história e a alegria compromissada desses jovens lá nos idos dos anos de chumbo, fizeram mais amenas as agruras de tempos difíceis demonstrando com muito talento que a criatividade brazuca pode realizar uma antropofagia cultural, comendo do lado de cima do equador suas impressões e ruminando uma linda e leve loucura nacional, com todos os adjetivos positivos que a nossa louca criatividade pode produzir.

Músicas: 
01) Don Quixote (Arnaldo Batista/Rita Lee)
02) Não vá se perder por aí (Raphael Vilardi/Roberto Loyola)
03) Dia 36 (Johnny Dandurand/Mutantes)
04) 2001 (Rita Lee/Tom Zé)
05) Algo mais (Mutantes)
06) Fuga N 2 (Mutantes)
07) Banho de lua (B. de Filippi/F. Migliacci/Versão Fred Jorge)
08) Rita Lee (Mutantes)
09) Qualquer bobagem (Tom Zé/Mutantes)
10) Caminhante noturno (Arnaldo Batista/Rita Lee)

0 comentários:

LinkWithin