terça-feira, 8 de outubro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



Necomancia


"Necomancia" é uma das canções mais políticas (e desbundadas) deste ano. Os versos "Ai, que bixa! / Ai, que baixa! / Ai, que bruxa / Isso aqui é bixaria / Eu faço necomancia" sintetizam desbunde e política com a força de quem é "afeminada, bonita e folgada" - Linn da Quebrada. Sem contar a ironia debochada da pergunta desconstrutora (aí, Derrida) do "macho alfa": "Pra que eu quero sua pica se eu tenho todos esses dedos?". Aquilo que oprime, coage e silencia é radicalmente devorado - antropofagicamente - ao som de funk e demais sons sintetizados e ameaça o poder do opressor: "deixa sua piroca bem guardada na cueca / Se você encostar em mim, / Faço picadinho de neca". Enviadescendo e invertendo a posição de controle do corpo alheio, a voz que fala ataca justamente naquilo que o outro ostenta como centro de poder: a "pica" pornografada. "Se tu quiser ficar comigo, boy, vai ter que enviadescer", canta Linn noutra canção. E completa: "Já quebrei o meu armário, agora eu vou te destruir / Porque antes era viado agora eu sou travesti".










* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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