quarta-feira, 2 de outubro de 2019

SILVIO CÉSAR E SUAS HISTÓRIAS (80 ANOS)

Em comemoração aos 80 anos do cantor e compositor o Musicaria Brasil relembra algumas de suas histórias


ESTA NOITE SE IMPROVISA 

Em 1967, eu havia terminado meu contrato com a TV Tupi, no Rio, onde apresentei durante alguns meses o programa "A Grande Parada" e fui a São Paulo a trabalho.

Aproveitei a oportunidade e fui até a TV Record buscar um arranjo para orquestra que eu havia esquecido lá. 

Nos corredores, encontrei o Nilton Travesso e ele me convidou a participar do "Esta noite se improvisa" - um dos shows de maior audiência da Emissora.

Era assim:

o apresentador (Blota Jr.) propunha: "A palavra é..." , os participantes tinham de acionar uma campainha, ir ao microfone 
e cantar uma música que contivesse a palavra proposta. 

Se cantasse a música inteira, marcava 6 pontos. Não conseguindo, ponteava proporcionalmente, conforme os critérios de uma comissão julgadora.

Dei sorte e me saí bem. 

O Travesso, então, me convidou a ficar fazendo o programa toda semana. 

Entre os artistas que participavam havia alguns que eram verdadeiras enciclopédias de música popular brasileira, como, por exemplo, o Caetano Veloso, o Carlos Imperial e o Chico Buarque. 

O Chico Anysio foi uma vez e acertou tudo. Nunca mais voltou. 

O programa era uma brincadeira, uma festa. 

O Teatro Record estava sempre lotado e as pessoas em casa organizavam torneios paralelos baseados no programa.

Havia prêmios para os artistas e para quem apostasse neles: relógios, geladeiras e até automóveis.

Entre nós predominava a camaradagem e não foram poucas as vezes em que um ajudava o outro, mesmo sob o protesto do Blota: "Não vale soprar!" 

Certa vez, numa final, quando ele anunciou: "A palavra é... estrada", apertei, precipitadamente, a campainha e quando ia me levantar, me dei conta de que não me lembrava de nenhuma música com essa palavra. Fiquei indeciso por um momento e já ia desistir quando ouvi um sussurro:"Upa neguinho". 

Olhei na direção da voz e lá estava o Chico Buarque com aquele sorriso inconfundível.

Respirei aliviado, fui ao microfone e cantei: "Upa neguinho na estrada, upa pra lá e pra cá...etc..."

6 pontos! Na volta, agradeci a ele com um olhar.

Nessa noite, o Chico ainda voltaria a surpreender. 

Era a última rodada e o Blota anuncia: "A palavra é...FUTEBOL".

Todos apertaram ao mesmo tempo. O Chico foi mais rápido.

Foi até o microfone e cantou um samba que falava em futebol.

6 pontos! 
Aplausos.

O Blota já ia entregar o prêmio ao "grande vencedor da noite", quando o Chico sorrindo:

"Não posso aceitar. Esse samba não existe. Inventei agora. 
É que a última ponte aérea sai às 10:30 e eu preciso ir." 

E saiu voando, sem olhar pra trás e ver a cara de espanto de todos.


Comentário final:


45 anos jogando bola juntos, certamente tenho, com Chico, muitas histórias pra contar.

Quero dizer que independentemente de suas crenças políticas, religiosas ou sexuais, ele é meu amigo. 

Admiro sua inteligência, sensibilidade e coerência.

Em 2013, quando lancei o CD “Agosto”, do qual Chico participou, resolvi fazer uma homenagem a ele. Escrevi, musiquei e gravei em dueto com o Carlinhos Vergueiro, o poema ALMA MULHER: 

“Simples e sofisticado
Solitário e companheiro
Engraçado e sério
Definitivo e mutante
Tímido e confiante
Carente e generoso
Olhar de esmeralda
Coração de rubi
O corpo, menino
A alma, mulher.” 

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