Por Leonardo Davino*
terça-feira, 1 de outubro de 2019
LENDO A CANÇÃO
As caravanas
"As caravanas" é uma das canções mais emblemáticas deste ano. Os versos "Não há barreira que retenha esses estranhos suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho a caminho do Jardim de Alá" sintetizam tópicas urgentes de nossa atualidade, com o brilhantismo - "o sol, a culpa deve ser do sol" - próprio de Chico Buarque: caravelas e caravanas, refugiados e excluídos são sobrepostos tempoespacialmente. Sem contar a beleza das camadas melódicas instrumentais e vocais: rap e canção, violão e beatbox. Aquilo que se vê é tão terrível - "Tem que bater, tem que matar engrossa a gritaria / Filha do medo, a raiva é mãe da covardia" - que o sujeito da canção duvida e rejeita a visão: "Doido sou eu que escuto vozes / Não há gente tão insana / Nem caravana do Arará". Esse avesso do avesso diz bastante do nó em nós neste momento descortês.
* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".
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