sábado, 22 de junho de 2019

O DISCO DE MPB ESNOBADO EM 1973 QUE VIROU CULT NO RAP AMERICANO ATUAL – PARTE 03


Por Vinícius Mendes



A redescoberta

Até que, no final dos anos 2000, o produtor musical carioca Alexandre Kassin descobriu uma loja especializada em vinis brasileiros durante uma viagem a Tóquio, no Japão. Amigo de Ricardo desde a infância — e por isso frequentador da casa dos Verocai —, ele se surpreendeu quando viu o disco na parede do pequeno estabelecimento do outro lado do mundo. O vendedor, então, lhe contou que aquele álbum era raro no Brasil.

De volta ao Brasil, Kassin contou a história para Arthur, que duvidou que, décadas depois, alguém ainda ouvisse o disco em algum lugar. Na mesma época, porém, a gravadora americana Ubiquity entrou em contato pedindo autorização para reeditá-lo nos Estados Unidos. "Quando fui ver já tinha uma legião de gente me ouvindo lá fora e eu nem sabia."

Segundo o produtor e DJ Rodrigo Teixeira, conhecido como Nuts, a redescoberta do álbum tem dois motivos: a raridade do LP e a reedição dele pela Ubiquity nos EUA. "(Ouvintes) perceberam que, além de ser um discaço, ele era raro. A sorte do Verocai foi que a gravadora — que já era respeitada no cenário da Califórnia — pegou o álbum e entregou nas mãos certas, como as do 9th Wonder (produtor americano)", explica.

Foi 9th Wonder quem produziu o primeiro sample de Verocai nos Estados Unidos na música We Got Now, do disco de 2005 do grupo de rap Little Brother, que usa colagens da faixa Caboclo.

Naquele mesmo ano, outro produtor e rapper britânico, MF Doom, usou a faixa Na Boca do Sol como base para as batidas de Orris Root Powder, do grupo Metal Fingers.

De lá para cá, o álbum foi sendo sampleado na mesma medida que foi se tornando cultuado no exterior: há trechos usados por músicos da Hungria, da Áustria, da Itália, do Canadá e, principalmente, dos EUA.

"Nos anos 1990, ninguém queria saber de disco de vinil. A gente ia garimpar e tinha loja que tava quase dando de graça esses LPs cults de hoje", conta Nuts. "Só que os produtores de fora começaram a vir ao Brasil e 'rapar' todos esses discos. Foi numa dessas que pegaram o disco do Verocai e levaram para os EUA. Agora que toca no exterior, todo mundo quer ouvir, tocar e ter aqui no Brasil."

Segundo Nuts, até pouco tempo atrás ninguém conhecia Arthur Verocai nas festas onde ele tocava. "Eu ouvia esse disco em casa, sozinho, em silêncio, não colocava nunca na pista. Faz uns dois anos que se tornou moda dizer que gosta de Verocai."

O jornalista e DJ Marcelo Pinheiro, da Showlivre, corrobora. Para ele, a virada de atenção para o disco de 1972 de Arthur Verocai se explica simplesmente pela qualidade da obra. "A redescoberta cumpre a missão inevitável de reconhecer sua grandiosidade", diz. "O culto ao álbum deve se prolongar por algumas décadas."Amigo de Verocai chegou a encontrar o álbum de 1973 em uma loja de vinis em Tóquio
'Um tal de Ludacris'


Em 2008, ainda sem entender o que estava acontecendo com o disco, Verocai ligou no meio de uma madrugada para o DJ Nuts contando-lhe que um "tal" de Ludacris entrara em contato com ele para samplear uma música do disco.

"Quando eu ouvi aquilo disse pra ele: 'Arthur, agora é a hora de você ganhar dinheiro'", relembra o DJ Nuts. À época um dos principais rappers do mundo, Ludacris usou o arranjo de Na Boca do Sol na canção Do The Right Thing no álbum Theater of the Mind, que venderia 1 milhão de cópias nos anos seguintes. O maestro brasileiro, enfim, ganhou sua primeira fortuna com o LP.

O sample de Ludacris permitiu, enfim, que ele apresentasse o disco ao vivo pela primeira vez, em 2009, no festival Timeless, em Los Angeles. Além de cantar, Verocai regeu uma orquestra inteira para um público de cerca de 1,5 mil pessoas. "Eu estava feliz igual criança. O pessoal lá não me amava, me idolatrava mesmo. Foi um troço de louco", relembra o maestro.

DJ Nuts, que circula pelo cenário musical de Los Angeles desde os anos 2000, intermediou o convite dos produtores dos EUA ao arranjador. "Fiquei muito feliz de proporcionar aquilo para o 'velho' tanto tempo depois de o disco ser lançado", conta.

Nos anos seguintes, ainda na esteira da redescoberta, Verocai fez uma pequena turnê pela Europa tocando o álbum, deu palestras em uma universidade de música na Austrália, foi tema de documentários, programas musicais e lançou seu terceiro disco, No Voo do Urubu, em 2016 — ele já havia feito Encore em 2007.
O futuro

Apesar de preocupado com os samples irregulares, Verocai planeja fazer seu quarto álbum em breve, de formato ainda indefinido.

Para o amigo DJ Nuts, Verocai deveria esquecer a preocupação com a maioria dos rappers que usaram as músicas do disco de 1972. "Significa que tem uma juventude que está ouvindo o trabalho dele", diz.

Já o filho Ricardo acha o contrário: ele deve ir atrás da quantia que pode ganhar com os samples. "Tem gente ganhando dinheiro em cima dos samples e não dando nada para ele. Não é justo."

O último a usar o disco de 1972 foi o rapper baiano Baco Exu do Blues em uma canção do seu disco lançado do ano passado.

Questionado se gostou dos poucos samples que se prestou a ouvir, Verocai dá uma risadinha e, depois de pensar por alguns segundos, responde: "Eu não sei inglês para opinar".

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