segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Rodrigo Mattar


Elis & Tom (1974)


Começava o ano de 1974 e André Midani, o dinâmico presidente da Philips do Brasil teve uma ideia simplesmente genial: comemorar os dez anos de carreira de Elis Regina, tida e havida desde aqueles tempos como a maior cantora do país, num disco que se antevia histórico. Principalmente por quem dividiria o álbum com a gaúcha: ninguém menos que Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim – o maestro soberano Tom Jobim, nome já consagradíssimo na música brasileira e internacional.

Aliás, é bom que se diga, Tom e Elis já tinham sido protagonistas de outro episódio – muito antes da gravação deste álbum. Elis, ainda em começo de carreira, fez testes para o papel do musical Pobre menina rica. Mas foi justamente vetada pelo próprio compositor para o papel, que ficou com Nara Leão.

“Ela ainda está cheirando a churrasco”, justificou Tom, vetando Elis.

Elis Regina passou por cima de tudo isso e foi convencida por seu empresário Roberto de Oliveira a abraçar o projeto de Midani. Até porque Tom Jobim era um dos poucos compositores a quem Elis tinha que tirar o chapéu. Sua admiração por ele era uma coisa rara em sua carreira.

E lá foi a cantora para Los Angeles, nos EUA, junto a Aloysio de Oliveira, que supervisionaria os trabalhos e os músicos – seu então marido Cesar Camargo Mariano, Luizão Maia, Hélio Delmiro, Paulo Braga e Chico Batera – que formariam por muito tempo o grupo de apoio de Elis, aos quais se juntaria Oscar Castro Neves, radicado por lá, para tocar violão em algumas faixas. A orquestra teria regência de Bill Hitchcock.

Não foi um álbum de fácil gestação. Elis era uma defensora ferrenha da modernidade do piano elétrico de Cesar Camargo Mariano e Tom Jobim, de uma escola mais erudita, queria que os arranjos fossem feitos pelo amigo de longa data Claus Ogerman. O maestro ficou de birra, Elis também e Aloysio de Oliveira, tentando conciliar, no meio – o que certamente rendeu ao veterano de guerras, egresso do Bando da Lua de Carmen Miranda nos tempos da Pequena Notável em Hollywood, mais fios de cabelos brancos. No fim das contas, Cesar Camargo Mariano foi o arranjador de 99% do disco, cabendo a Tom o arranjo de uma única faixa, “Modinha”.

Roberto Menescal, também compositor e na época diretor artístico da Philips, sabia de tudo o que se passava no processo de gravação do disco. De longe. Ele ligava todo dia para Aloysio de Oliveira para saber como ele se virava com Tom e Elis e ouvia como resposta. “É difícil, mas tudo bem.”

De Elis, Menesca ouviu o seguinte: “Está uma merda, não tem nada bom, o Tom é um babaca, um chato, reage contra os aparelhos eletrônicos, diz que vão desafinando e afinando não sei o quê, fazendo tipo, e a gravação está babaca, parecendo bossa nova.” Ele perguntou se não tinha saído nada e a cantora respondeu: “É, tem uma musiquinha boa”.

Aparadas as arestas, os trabalhos começaram e cada música de Elis & Tom saiu mais linda que a outra. O show começa com a versão – para mim – definitiva de “Águas de março”, em sensacional dueto – e vale ressaltar que a voz de Tom não era de um grande cantor. Ele compunha maravilhosamente bem, mas sua participação na faixa que abre o disco conferiu, além de tudo, credibilidade ao trabalho.

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