terça-feira, 10 de janeiro de 2017

ZÉ MANOEL NUM TRIBUTO DE DELICADEZA E REQUINTE

Por José Teles




Nas plataformas digitais desde o dia 11, o songbook Delírio de um romance a céu aberto (Jóia Moderna), com composições do pernambucano (de Petrolina), Zé Manoel, enfatiza o seu lado mais lírico. Há décadas não surgia na MPB um compositor de canções tão elaboradas, de melodias primorosas e letras exatas feito José Manoel de Carvalho Neto, 34 anos, com uma carreira ainda curta, e uma discografia com dois CDs e um EP.

São onze canções, três delas inéditas, que não se afiliam a tendências da música brasileira contemporânea, são peças atemporais, mas com a tradição da canção brasileira. Suas composições tanto podem evocar Custódio Mesquita, quanto Johnny Alf, Dolores Duran, Tom Jobim ou Humberto Teixeira. Nascido no alto sertão pernambucano, Zé Manoel tem inevitavelmente regionalismo em sua música. Porém, mesmo quando permeia suas letras de citações tanto ao sertão, quanto às águas do Recife. elas são sem sotaque, nem se limitam por fronteiras.

Sol das lavadeiras, interpretada por Elba Ramalho, é uma baião em andamento lento, enquanto Volta pra Casa, com Na Ozzetti é uma canção praiana à Dorival Caymmi. Água doce, numa interpretação emocionada de Jussara Marçal, descreve uma situação sertaneja com uma melodia delicada como um noturno de Chopin. Amelinha canta a inédita Nós que nos conhecemos num navio, que aproxima Zé Manoel da maestria de um Chico Buarque, uma canção cinematográfica, que conta uma história que pode ser aplicada a situações semelhantes, acontecidas em locais diferentes.

As canções selecionadas para este disco exigem do intérprete a mesma delicadeza que elas transpiram, em suas melodias, recheadas de sutilezas harmônicas. Fafá de Belém, cantora de voz potente e interpretações exuberantes, enquadra-se na moldura de Aconteceu outra vez, uma das inéditas do álbum. Dolorida como um samba canção de Dolores Duran, soa como se tivesse sido gravado numa boate na Copacabana do anos 50.

Todas as faixas tem participação de Zé Manoel ao piano, e ele mesmo se encarrega de cantar a faixa título, recente parceria sua com Vanessa da Mata. Delírio de um romance a céu aberto, no atual cenário caótico da MPB, é um disco transgressor. Vai de encontro à obviedade do diferente. Não se fazem mais músicas como Canção e silêncio, numa interpretação contida de Ana Carolina. Ela foi o primeiro nome consagrado da MPB a descobrir a música de Zé Manoel, e incorporar ao seu repertório esta que é uma das mais belas composições do pernambucano.

Ayrton Montarroyos, que escapou ileso do The Voice Brasil, é uma das vozes masculinas do álbum. Ele canta Deixa partir (parceria com Vinicius Sarmento), canção pungente, que lembra Súplica (1940,Otávio Gabus Mendes/José Marcílio/Déo), clássico do cancioneiro de Orlando Silva. O baiano Tiganá Santana é a presença inusitada do songbook. Um dos mais interessantes nomes da nova safra da música brasileira, com experimentações impregnadas de fortes influências de ritmos africanos, ele interpreta seguro, com timbre grave, a suave Valsa da ilusão.

Arthur Nogueira e Célia completam os nomes que gravaram Zé Manoel. O primeiro, paraense, é também um dos autores incensados da MPB, gravado por Gal Costa e outros medalhões. Nogueira canta e declama em Motivo nr 2 (parceria com Walter Moreira Santos). Célia interpreta Cada vez que digo adeus, um elo entre Zé Manoel e Cole Porter (uma espécie de remake de Every time we say goodbye, de Porter).

Delírio de um romance a céu aberto , é um do melhores discos deste ano que se aproxima do fim. De destoante nele, apenas a capa, bonito projeto gráfico de Gabriel Martins que, no entanto, não reflete o lirismo do conteúdo do álbum.

Confiram o teaser de Delírio de um romance a céu aberto:


1 comentários:

pernambuco disse...

São novidades (34 anos) como Zé Manoel que nos fazem ainda ter esperança na volta de uma música mais elaborada, de qualidade.

Parabéns José Teles e Musicaria Brasil

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