Cirandeira reclama do descaso político em relação à cultura e revelou o desejo de deixar a ilha que a tornou conhecida
Por Gabriel de Sá
Nascida na Ilha de Itamaracá, Litoral Norte de Pernambuco, Maria Madalena Correia do Nascimento conquistou público e prestígio, mas não conseguiu deixar o local de origem, nem subsídios para viver apenas da arte. “Vou continuar com a música até quando Deus quiser”, diz ela, aos 69 anos, “Por que a idade tá chegando, neguinho, e a gente vai se enferrujando”. Liinha para os pescadores e Mãe Lia para os estudantes, ela impressiona, primeiramente, pelo tamanho: 1,80 m. A voz grave e o ritmo envolvente da ciranda terminam o trabalho. Neste papo, durante uma manhã ensolarada de julho, Lia reclamou do descaso político em relação à cultura e revelou o desejo de deixar a ilha que a tornou conhecida.
Existe em Itamaracá um centro de atividades culturais erguido pela senhora…
Esse espaço cultural foi comprado com esforço meu. Ficamos tirando do bolso da gente, de shows, do meu salário de merendeira, para poder ter atividades todos os sábados. E esse povo (autoridades) nem “tcham”. A gente fazia nossas cirandinhas, se esforçava, ajeitava tudo bonitinho... Chegou uma época que eu falei pro antigo prefeito: “Eu, sozinha, não faço cultura. Ou vocês me ajudam ou eu paro”. Quando não tem turista, é a comunidade que vai. E qual é o pobre que vai pegar seu dinheiro de comprar caroço de feijão para pagar para beber e comer lá? A ciranda é de graça. Todo município tem uma verba para turismo. Cadê esse dinheiro? Não pode ser assim. No Recife é ainda pior. Eles estão acabando com a cultura de Pernambuco. Agora, tenho meus empresários. E eu tô correndo daqui. Me sinto mais feliz fazendo meus trabalhos fora. Se eu ficar na ilha, vou ficar a ver navios.
A senhora trabalhou por 30 anos como merendeira de escola pública. Como conciliou os dois ofícios por tanto tempo?
Já me aposentei. Um ofício não se misturava com o outro. A música é a música, a merendeira é a merendeira. Juntei esse patrimônio pra quando chegasse essa época de parar eu ter um cabelo pra me segurar. Se não fosse isso, eu tava a ver navios. Se dependesse deles (autoridades)… Ficar no pé deles feito sapo no pé do boi, eu não tô pra isso. Dou minha cara a tapa e ganho o mundo. Quando ficarem sabendo que eu saí da ilha, já vou ter voltado. Na escola, era muito bacana. Eu tinha que agir.
Onde se sai melhor, no palco ou na cozinha?
Cozinhava no meio da semana e no fim de semana eu fazia show no mesmo lugar. Isso antes da escola e do espaço cultural. Adoro cozinhar. Faço bem peixada, lagosta, camarão… Ai, mamãe. Peixada é o prato predileto.
Como se aproximou da ciranda?
Meu sonho sempre foi cantar. Eu ia pro Recife e via os cirandeiros. Fui me encantando, e já estava com a cabeça para ser aquilo que sou hoje. Fui encaixando tudinho. A ciranda é uma dança de roda, que começa nas crianças e vai até os adultos. O artista, que sou eu, está ali pra cantar. A dança da ciranda é ligada às ondas do mar, você segue, é bem lenta, pra lá e pra cá. Capiba é meu compositor e me deu Minha ciranda não é minha só. Fomos grandes amigos. A música mais conhecida do meu repertório é Quem me deu foi Lia.
Como foi a experiência de tocar no festival Abril Pro Rock, em 1998?
O Abril Pro Rock abriu os caminhos para eu seguir. Foi bom demais. Eu nunca pensava em me meter no meio dos roqueiros. É bem diferente o andamento deles e o da ciranda. Mas resolvi fazer o teste pra ver se passava. Me meti no meio deles e foi maravilha. Roqueiro pra cá, ciranda pra lá e eu no meio, uma salada feita.
A rainha da ciranda é o nome do LP de 1977. A senhora conserva o título ou surgiram outros grandes cirandeiros deste então?
Em Abreu e Lima (PE), tem o Antônio Baracho da Silva, que é o rei da ciranda. E tem a rainha. Agora, a gente tem que usar as coroas, né (gargalha)? Esse LP foram poucas cópias. Nem sei quantas venderam. Eu fiquei com 25 discos, dei pra alguns dos músicos que gravaram comigo e não tive conta de nada. Nem direito autoral. Eu tenho um em casa que emprestei e voltou todo desbotado.
Tirando a ciranda, o que a senhora gosta de ouvir?
Roberto Carlos, Nelson Gonçalves, Caetano Veloso, Agnaldo Timóteo, Reginaldo Rossi... Gosto mais das músicas que mexam com meu andamento, com minha idade. Aí é que é bom, que vem o molhinho bem gostosinho. As românticas é que são boas.
Chico Buarque e Edu Lobo citam a senhora em Na ilha de Lia, no barco de Rosa.
Eu já ouvi, em um DVD. Foi maravilha. Para mim, é muito bom. Eu tô mais reconhecida no meio do mundo, não é? O povo vai me conhecendo muito mais. É muito importante esse reconhecimento entre os músicos e compositores.
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