segunda-feira, 18 de novembro de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 21



CAPÍTULO 21


Com o passar do tempo, a saudade que Vera Maria e eu sentíamos do Brasil era cada vez mais atiçada pelos discos de novos talentos que brotavam, com surpreendente qualidade e impressionante quantidade, que chegavam às minhas mãos: Maria Bethânia, Elis Regina, Nara Leão, Jorge Ben e outros. Nossa casa era também o ponto de encontro de artistas brasileiros que tocavam por longas temporadas na cidade: Luizinho Eça, Luis Carlos Vinhas e seus conjuntos. Leny Andrade e Carlos Lyra nos contavam as últimas notícias do país. 

Por outro lado, os ares do México tinham sido favoráveis para Vera Maria , que ficou grávida duas vezes em 11 meses e nos deu os tão esperados filhos, Philippe e Antoine. Vera Maria e eu pensávamos frequentemente em voltar para o Brasil. Essa decisão foi acelerada pela morte do Glenn Wallichs e pela aposentadoria de Sir Joseph Lockwood, substituídos respectivamente por Alan Livingston , na Capitol de Los Angeles, e Georges Brinkman , no comando da EMI mundial. 

Alan tinha sido o inventor do palhaço Bozo e era uma pessoa amável. O mesmo não se podia dizer de Brinkman, que pouco tempo depois tinha adquirido o apelido de “Butcher”, título mais agressivo do que seu equivalente em português “Açougueiro”. Meu primeiro encontro com Brinkman em Los Angeles foi fatal: ele me anunciou indiretamente que, a partir daquele momento, os advogados é que teriam futuro na EMI, e não pessoas como eu. Alguns anos mais tarde, ele foi demitido sumariamente pelo board da EMI, em Londres, por haver construído e equipado um estúdio em casa, com o dinheiro da gravadora, para filmar sessões de pornografia! 

Durante as férias seguintes, em 1967, viajei para o Rio em busca de um trabalho. Em vão! A única coisa que consegui foi a perspectiva de trabalhar no Bob’s. Apesar do fracasso, mandei minha carta de demissão para o Alan em Los Angeles e, depois de idas e vindas, foi decidido que eu ficaria no meu posto até ser encontrado um substituto. Depois de uma longa busca entre os executivos mexicanos por uma companhia de headhunters, sob a supervisão da direção-geral da Capitol, o substituto escolhido . Eu dispunha de três a quatro meses para treiná-lo. 

No meio desse processo, recebi um telegrama da Holanda; eu fui convidado para ir a Amsterdã e conversar com os diretores da Phonogram, nome da gravadora da Philips holandesa. Cheguei em pleno inverno e, para esquentar meu coração, me ofereceram o posto de gerente-geral da empresa no Brasil, no final de 1967. 

A Companhia Brasileira de Discos — como se chamava então a filial brasileira — perdia dinheiro já havia uns 12 anos, e a diretoria holandesa tinha “estabelecido um prazo” de três anos ao futuro gerente para reverter a situação ou fecharia a gravadora no país. Pelo meu contrato, em caso de fracasso eu não deveria me preocupar com o futuro, porque me transfeririam para outro país, se necessário fosse... Aceitei imediatamente a proposta, confiante de que daria um jeito de tornar a companhia lucrativa. 

Meu antecessor na CBD era o francês Alain Troussat , um tipo bem sensível e inteligente, porém muito atrapalhado, que ainda permaneceu durante mais três meses cuidando do dia-a-dia, enquanto eu me familiarizava com a companhia através do estudo do balanço contábil e da política artística, que era bem complexa de se entender e definir, pois havia perto de 155 artistas contratados. 

Era impossível administrar adequadamente a carreira de tantos talentos, com muito pouca gente para cuidar da parte criativa. Pela perversidade da situação, os artistas que não faziam sucesso passavam os seus dias na gravadora, reclamando e consumindo os dias do diretor artístico Armando Pittigliani, dos seus produtores, promotores e divulgadores, que, por sua vez, não tinham tempo para cuidar dos artistas de sucesso, que se sentiam abandonados à própria sorte por não terem tempo para ficar à toa, se queixando. 

Nunca fui diretor artístico, muito menos produtor musical. Não tenho e nunca tive talento para sê-lo e sempre achei que esse título que grudaram em mim era muito injusto para com os diretores e produtores com quem trabalhei, porque eliminava o valor do trabalho deles dentro e fora do estúdio, minimizava a importância do seu papel junto aos artistas, reduzia a nada sua relevante contribuição nas decisões que me cabia tomar nos investimentos da gravadora em geral. Fui um presidente de empresa sempre muito presente por reconhecer que todo setor criativo era o centro nevrálgico de uma companhia de discos, ao contrário de muitos dos meus competidores, cuja prioridade era controlar os ativos fixos, tais como a fábrica, os estoques etc. 

Voltando ao assunto: para trazer alguma solução urgente àquela situação inflacionária de artistas, passei três ou quatro semanas ouvindo os discos de cada um deles, tendo ao lado os números de suas vendas. Chamei Armando e seus produtores individualmente e solicitei seus comentários sobre o futuro da carreira de cada artista; fiz o mesmo com os promotores de rádio e imprensa. Ali começou o penoso processo de decisão de quais artistas seriam cortados, processo esse que eu tinha que comandar. Selecionei os artistas cujos discos eu tinha gostado muito, descartei aqueles cujos discos eu realmente não tinha gostado, e entrevistei outros, quando ainda sentia necessidade de mais subsídios para a decisão final. 

Quando acabei esse exercício, ficaram pouco mais de cinquenta contratados. Tornou-se claro que o comprometimento artístico e promocional da companhia era quase inteiramente voltado para os importantes festivais da época, política adequada, pois pairava no ar dos festivais uma revolução musical que iria, em algum tempo, tornar a bossa nova uma música do passado. 

Meu antecessor, Alain Troussat , foi para a Itália e chegou o momento de eu tomar conhecimento dos executivos, da organização e dos métodos de trabalho da empresa. Pouco a pouco conheci cada um dos cinquenta artistas sobreviventes, para estabelecer uma relação pessoal e profissional, segundo a qual as portas do meu escritório e da minha casa estariam abertas para eles, a qualquer hora do dia ou da noite, para propor, reclamar, resolver, planejar, conversar, almoçar e jantar. Minha prioridade seria sempre atendê-los pessoalmente.

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