segunda-feira, 4 de novembro de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 19


CAPÍTULO 19 

Em 1960, saí formalmente do meu posto e das minhas funções na Odeon. Até ganhei um jantar de despedida, com direito a um relógio comemorativo, e abri, com o financiamento da própria Odeon, uma filial que chamei de Imperial Discos, que mobilizaria meus quatro anos seguintes. Passei a trabalhar sete dias por semana, de segunda a domingo, dedicando-me à administração dessa nova companhia de segunda a sexta, e percorrendo, aos sábados e domingos, as ruas dos subúrbios cariocas e paulistas, e, mais tarde, os subúrbios portenhos, limenhos, caraquenhos e mexicanos. 

A primeira providência foi gravar, nos estúdios da Rádio Eldorado, em São Paulo, os primeiros 12 discos que iriam compor o catálogo inicial da Imperial, constituído exclusivamente por gravações instrumentais, cobrindo repertórios de sucessos. Fiz questão de contratar os melhores instrumentistas da época: Walter Wanderley, Bolão, Astor, Cipó, Gaya, Chiquinho de Moraes , Zimbo Trio, Menescal e outros. Os LPs tinham títulos como Boleros eternos, Sambas inesquecíveis, Tangos de ouro, Melodias italianas de sempre, O melhor da bossa nova, Parada de sucessos etc. A estética das capas, produzidas por Otto Stupakoff, César Villela e Chico Pereira , era muito caprichada. 

Experimentei novas técnicas de gravação para aproximar o som da Imperial dos padrões americanos contemporâneos, com ênfase na utilização adequada da câmara de reverberação, para destacar, com clareza, a sonoridade dos diferentes naipes de instrumentos e, sobretudo, ressaltar a presença proeminente da bateria e da percussão, que sempre soavam longínquas nas gravações nacionais. 

A Odeon me cedeu um dos seus melhores contadores e, uma vez organizado o departamento administrativo, contratei Bueno, originário dos pampas brasileiros, como gerente comercial. Numa sexta-feira, colocamos anúncios nos jornais do Rio para angariar vendedores especializados em venda de porta em porta. 

Dali por diante, era sempre a mesma rotina: na segunda-feira selecionávamos os candidatos, na terça o Bueno dava aulas de vendas, na quarta era a minha vez de discursar sobre a qualidade do repertório, na quinta se dividiam os vendedores em grupos de dez ou quinze, os quais trabalhariam sob a supervisão de um chefe de equipe, enquanto Bueno mapeava os quarteirões que comporiam o roteiro dos vendedores durante os sábados e os domingos. Para ampliar o catálogo, eu gravava no Rio um LP por mês, sempre às sextas-feiras. O sucesso foi tão imediato que abrimos uma filial em São Paulo e, ao final do primeiro ano, já vendíamos tantos discos com nosso pequeno catálogo de artistas desconhecidos quanto a própria Odeon, com seus discos de catálogo e seu cast de estrelas. 

A essa altura, a Imperial contava com mais de trezentos vendedores, uns cinquenta entregadores e outros tantos cobradores. Administrar trezentos vendedores era uma tarefa tumultuosa e confusa. Os conflitos tomavam, às vezes, uma dimensão inesperada, como o episódio em que fui convocado a prestar depoimento na delegacia pela tentativa de estupro cometida por um vendedor que visitava uma cliente em potencial, ou uma greve dos vendedores paulistas, provocada e liderada pelo meu gerente de vendas, cujo desfecho não traria benefício algum para eles, uma vez que era o Bueno agindo exclusivamente em benefício próprio. 

Corri para São Paulo, provei aos grevistas que nós — eles e eu — éramos joguetes nas mãos do Bueno, e negociamos, ao longo do dia, um final pacífico. Regressando ao Rio, demiti Bueno imediatamente. Poucos minutos depois, ele voltou à minha sala com um revólver na mão, largou-o na mesa e, teatralmente, ameaçou: se eu não voltasse atrás, ele daria um tiro na cabeça bem na minha frente... Pensei, pensei e, com muito medo, confirmei minha decisão. Depois de alguns longos momentos de suspense, depois de me encarar olhos nos olhos, Bueno virou as costas e saiu da sala, deixando o revólver sobre a mesa, para nunca mais aparecer. 

Após dois anos, a direção central da Odeon em Londres decidiu ampliar esse experimento e solicitou que abríssemos a Imperial em alguns países da América Latina. Cidade do México, Buenos Aires, Lima e, finalmente, Caracas foram as praças escolhidas, algumas com excelentes resultados, outras nem tanto, dependendo do entusiasmo e da dedicação reinante na companhia. 

Mas o sucesso já era notório, e surgiu a possibilidade de levar a Imperial para a Europa. Afinal, não fora para dirigir uma companhia de marketing que eu tinha entrado na indústria fonográfica. E enquanto eu começava a pensar qual seria o próximo passo para mudar o curso de minha vida profissional, mais uma vez a sorte esteve a meu lado, comparecendo na hora certa.

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