sábado, 28 de novembro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Entretanto, o sucesso de grupos como Raça Negra, Negritude Jr., Só pra Contrariar, Razão Brasileira e Sem Compromisso, para citar alguns poucos, foi enorme. Até hoje o público vem consumindo avidamente os frutos dessa “nova onda do pagode” que tem como espontâneos divulgadores alguns dos maiores ídolos dos brasileiros: os jogadores de futebol. Durante a conquista brasileira do pentacampeonato da Copa do Mundo, em 2002, uma cena recorrente nos telejornais era o time cantando pagode no ônibus, no avião, nos quartos de hotel (quem não se lembra de Ronaldinho Gaúcho entoando um samba de primeira cantado pelo grande Zeca Pagodinho, “Deixa a vida me levar, vida leva eu...”?). No aspecto sociocultural, o “pagode comercial” é tão relevante quanto o reconhecido – por poucos, diga-se de passagem – como “de raiz”. E aqui cabe a pergunta: será que sem o sucesso do primeiro haveria hoje tanto espaço para o segundo? Ao que parece, o imaginário coletivo não faz essa distinção. (Exploraremos melhor esse assunto no último capítulo.)


Pagode do Trem

A primeira versão do Pagode do Trem foi em 1991. Organizado pelo compositor Marquinho de Oswaldo Cruz, o evento retornou em 1996 com força total. Atualmente acontece no Dia Nacional do Samba, 2 de dezembro, e recupera o espírito da comunidade de Oswaldo Cruz dos tempos de Paulo da Portela, que cantava sambas nos trens para fugir da repressão policial. Hoje, tirando o carnaval, é o maior evento de samba do país: cinco trens saem da estação Central do Brasil, com grupos de músicos em todos os vagões, em direção a Oswaldo Cruz, bairro que aglutina mais de 30 rodas de samba com um público estimado de 80 mil pessoas. O próprio Marquinho, idealizador dessa festa e autor das composições “O que os olhos não podem ver” e “Geografia popular”, canta nos versos da música “16a estação” o hino do Pagode do Trem: “...o trem parou, rapaziada/ chegou a hora de tomar uma gelada...”
De qualquer forma, e como superior à polêmica, o pagode continua por aí, em qualquer festa do samba, nos subúrbios, na Zona Sul do Rio, em São Paulo e em outros cantos do país. É só escolher o pé-sujo ou o fundo de quintal mais amistoso, reunir os amigos, pedir um tira-gosto e uma gelada para cantar samba num ritual que remonta aos primeiros anos da República.


Arlindo Cruz e Sombrinha

“Só pra contrariar
eu não fui mais na favela
Só pra contrariar
não desfilei na Portela (meu bem)
Só pra contrariar
pus a cara na janela
Só pra contrariar
eu não fiz amor com ela...”
ARLINDO CRUZ, SOMBRINHA e ALMIR GUINETO, “Só pra contrariar”


Criado em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, Arlindo Cruz começou sua carreira cedo, participando em 1975 de um LP de Candeia, Roda de samba. No início da década de 1980, o Pagode do Arlindinho fez muito sucesso em Cascadura, assim como o Terreirão da Tia Doca, em Oswaldo Cruz, e o Clube do Samba, no Méier. No Cacique de Ramos, conheceu Beto Sem Braço, Almir Guineto, Zeca Pagodinho e Montgomery Ferreira Nunis, mais conhecido como
Sombrinha.
Cantor, instrumentista e compositor, nascido em São Vicente (no estado de São Paulo), Sombrinha aprendeu a tocar violão aos nove anos. Começou a carreira nas casas noturnas de sua cidade natal, indo logo depois para a capital paulista. Mas foi no final da década de 1970, quando se mudou para o Rio de Janeiro, que sua carreira deslanchou.
No Cacique de Ramos, fundou com amigos, entre eles Arlindo Cruz, o grupo Fundo de Quintal, com o qual ganhou cinco prêmios Sharp de melhor conjunto e gravou 13 discos, todos de muito sucesso. 
No início dos anos 1990, Sombrinha e Arlindo decidiram lançar-se em carreira solo. Arlindo gravou seu primeiro CD em 1991, e em 1993 foi a vez de Sombrinha, que acabou ganhando o Prêmio Sharp como revelação masculina do ano.
Em 1996 os dois se juntaram novamente e, dessa vez em dupla, lançaram o disco Da música pela gravadora Velas. No ano seguinte saiu o segundo trabalho, O samba é a nossa cara. E o último CD da dupla, Arlindo Cruz e Sombrinha – Ao vivo, saiu em 2000.
A dupla foi desfeita em novembro de 2002, mas os dois continuam suas carreiras individualmente.


Almir Guineto

“E gamação danada, é triste ver você
fazendo morada dentro do meu peito
deixando imperfeito o meu viver...”
ALMIR GUINETO e NEGUINHO DA BEIJA-FLOR, “Gamação danada”


Cantor, compositor e instrumentista, Almir de Souza Serra pertence a uma tradicional família do morro do Salgueiro. Foi diretor de bateria da escola Acadêmicos do Salgueiro. Freqüentador do bloco Cacique de Ramos, formou o grupo Fundo de Quintal, em 1980, com Jorge Aragão, Neoci, Sereno, Sombrinha, Bira Presidente, Ubirani, Arlindo Cruz e Valter 7 Cordas.


Dançado caxambu

“Caxambu” tornou-se um dos maiores sucessos de Almir Guineto: “Olha vamos na dança do caxambu/ Saravá, jongo, saravá/ engoma, meu filho que eu quero ver/ você rodar até o amanhecer/ engoma, meu filho que eu quero ver/ você rodar até o amanhecer/ o tambor tá batendo é pra valer/ é na palma da mão que eu quero ver...”
Caxambu é uma dança sobre a qual há poucos registros. Um solista canta parte da letra e a roda responde, numa relação que progressivamente chega a sua forma definitiva. Sua poética musical parece ligar-se ao samba rural de São Paulo e ao jongo. Mas caxambu é também o atabaque de origem africana que acompanha essa dança e parece ter dado nome ao movimento.
Já em seu primeiro ano de existência, o grupo lançou o LP Samba é no fundo do quintal. No ano anterior, Beth Carvalho havia gravado uma composição de Almir, Luís Carlos e Jorge Aragão, “Coisinha do pai”, que fez enorme sucesso nas rádios do país e foi incluída no repertório eletrônico da sonda espacial Pathfinder, que pousou em Marte, tornando-se o primeiro samba a fazer sucesso não apenas no planeta Terra, mas também no espaço sideral.
Almir foi o responsável por uma das muitas inovações rítmicas que fariam sucesso nos pagodes: reintroduziu o banjo norte-americano (dessa vez com braço de cavaquinho) nos instrumentos dos grupos de samba. Para Mauro Diniz, o banjo foi uma ótima reinvenção do pagode, porque soa mais alto que o cavaquinho – que constantemente tinha as cordas arrebentadas – e assim consegue se destacar da percussão – vale lembrar que as rodas de pagode não usam microfones.
Almir Guineto saiu do Fundo de Quintal em 1981, gravando nesse mesmo ano seu primeiro disco solo, O suburbano. Em 1986, lançou o LP Almir Guineto, que contém parcerias com Zeca Pagodinho, Beto Sem Braço e Luverci Ernesto, este último um de seus parceiros mais constantes. Desse disco, fez muito sucesso a música “Caxambu” (de Bidu do Tuiuti, Jorge Neguinho, Zé Lobo e Élcio do Pagode).


Pagode e comida

Como já foi dito, as baianas da Cidade Nova, chamadas de “tias”, eram referência do novo estilo de samba amaxixado que se consolidava no pedaço na década de 1920. Suas casas eram reduto de festas, de pagodes, de sambas. E de muita comida e bebida! Essa tradição se manteve no universo do samba até os dias de hoje. Tia Surica, uma das pastoras que é referência da Velha Guarda da Portela, faz aos domingos em sua casa um samba regado a comida e bebida; Zeca Pagodinho não deixa por menos, organizando em Xérem antológicos pagodes etílicos e gastronômicos. Pedindo licença ao autor do saboroso livro Batuque na cozinha, Alexandre Medeiros, vou botar na roda uma receita de primeira da Tia Doca, uma daquelas “feiticeiras do fogão” que ainda mantêm na memória a mistura cultural de bom copo, garfo, pandeiro, cavaquinho, voz e alegria. Bon apetit!

Rabada com polenta e agrião
ingredientes
3kg de rabada
3 limões
1,5kg de tomates
2 folhas de louro
1 molho de cheiro-verde 2 cebolas
1 cabeça de alho
8 molhos de agrião
1kg de fubá de milho sal e pimenta-do-reino
Como fazer (para 12 pessoas)

“A rabada deve ser temperada na véspera. Retire o sebo e o excesso de gordura, lave-a com água e sumo de limão. Depois, coloque-a em uma vasilha com meia cabeça de alho socado, meia cebola picada, uma folha de louro, caldo de um limão, sal e pimenta-do-reino.
No dia seguinte, coloque em uma panela grande um pouco de óleo, uma cabeça de alho socado, cebola, louro e cheiro-verde. Deixe dourar e ponha a rabada para cozinhar até que a carne comece a ficar tostada por fora.

Acrescente os tomates cortados em oito pedaços, sem as peles e as sementes. Acrescente água quente e deixe cozinhar em fogo brando. Vá renovando a água durante o cozimento. A panela deve ficar com bastante caldo. Ajuste os temperos, sobretudo o sal e a pimenta-do-reino, e espete o garfo na carne para testar o cozimento. Quando estiver pronta, a rabada deve se soltar do osso com facilidade. Retire algumas conchas do caldo para fazer o angu. Adicione os molhos de agrião, já lavados e cortados. O agrião deve cobrir a rabada, abafando-a. Tampe a panela e deixe o agrião cozinhar. Misture o fubá de milho em uma panela com água fria e mexa sem deixar que embole.
Em outra panela, deixe dourar alho com um pouco de óleo e sal. Retire algumas conchas de caldo fervente da rabada e misture bem no refogado. Coloque o fubá e acrescente um pouco de água. Deixe cozinhar até que o angu se solte da panela. Sirva a rabada com angu e arroz branco.” Quem quiser mais delícias das “tias”, é só procurar no livro do Alexandre Medeiros.
Entre os inúmeros sucessos de sua carreira, podemos destacar “Lama nas ruas”, com Zeca Pagodinho; “Pedi ao céu”, gravada por Beth Carvalho; “Boca sem dentes”, gravada pelo Fundo de Quintal, e “Gamação danada”, parceria com Neguinho da Beija-Flor.






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