sábado, 14 de novembro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Elis Regina 

Elis foi outra cantora que infelizmente nos deixou cedo. A gaúcha conhecida como Pimentinha revelou ou ajudou a popularizar uma grande safra de compositores: Edu Lobo, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Belchior, Aldir Blanc e João Bosco. Além disso, lançou em primeira mão o samba “Folhas secas”, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. De quebra, fez um LP inteiramente dedicado ao gênero: Samba, eu canto assim. 
Elis projetou-se em plano nacional no Festival da Canção de 1965, quando “arrastou” o público cantando “Arrastão”, de Vinicius de Moraes e do talentosíssimo Edu Lobo, compositor de pérolas como “Upa, neguinho”, também popularizada pela cantora. 

Jair e Elis, dois na bossa 
O paulista Jair Rodrigues lançou em 1963 seu primeiro álbum: O samba como ele é. Um ano depois, lançou Vou de samba com você, que trazia a faixa “Deixa isso pra lá”, de Alberto Paz e Edson Meneses. O sucesso da música fez com que Jair passasse a ser convidado freqüentemente para programas de TV, entre eles o Almoço com as estrelas, da extinta TV Tupi, apresentado por Airton e Lolita Rodrigues. 
Por falar em programas de TV, foi em um deles que pediram a Jair que cantasse junto com Elis Regina, sem ensaio ou acompanhamento. A parceria deu certo e em 1965 gravaram três definitivos LPs ao vivo, Dois na bossa. A partir de então passaram a apresentar um programa na TV Record, visto pelos críticos como um dos mais importantes programas musicais da televisão brasileira, de nome O fino da bossa. 
A participação de Jair no festival da canção de 1966, com a música “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, fez decolar sua carreira, e seu talento assegurou décadas de sucesso. A edição de 2006 do Tim Música homenageou-o por sua trajetória na música popular brasileira. 
No mesmo ano, a cantora gravou o LP Dois na bossa ao lado de Jair Rodrigues, outro nome importante na divulgação do samba nos anos 1960 e 1970, com quem sempre fazia um pot-pourri do gênero em suas apresentações conjuntas. Pelo sucesso do disco (depois viriam mais dois), a dupla acabou fazendo o programa O fino da bossa, de muito êxito na TV Record. 
Perfeccionista, um pouco ao estilo João Gilberto, Elis cantou o seu tempo com técnica e emoção. Participou de todos os movimentos que seu espírito irrequieto e suas palavras afiadas pudessem influenciar. Foi dela a voz que acolheu a volta dos exilados pela ditadura militar, em 1979, na música que se tornou um hino da anistia: “O bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco. 
Sobre seu mundo, Elis sintetizou: “Amo a música, acredito na melhora do planeta, confio em que nem tudo está perdido, creio na bondade do ser humano e intuo que loucura é fundamental. Agora só me faltam ‘carneiros e cabras pastando no meu jardim’. Viver é ótimo.” 

Beth Carvalho 
Como os demais cantores de sua geração, a carioca Beth Carvalho não fugiu da influência da bossa nova e dos festivais. O movimento que surgiu na Zona Sul ficou na lembrança da adolescência. E, a partir dos festivais, Beth entraria para a galeria das cantoras nacionais. Foi ela quem, em 1968, no III Festival Internacional da Canção, defendeu “Andança”, composição de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, ao lado dos Golden Boy s. Essa música seria lançada em LP homônimo, em 1969, pela Odeon. 
Nos anos seguintes, Beth se transformaria em cantora de samba. O marco talvez seja a gravação do samba-enredo da escola Unidos de São Carlos, “Rio Grande do Sul na festa do preto forro”, em 1971, de autoria de Dario Marciano e Nilo Ismério, num compacto da Tapecar. 

Eduardo Gudin 
Beth Carvalho gravou dois CDs cantando sambas de São Paulo. E lá estava o compositor Eduardo Gudin com “Velho ateu”, parceria com Roberto Roberti, e “E maior é Deus”, com Paulo César Pinheiro. Ao todo, seriam mais de 80 músicas compostas por esse paulistano (que iniciou a carreira de compositor e violonista no programa O fino da bossa, de Elis Regina e Jair Rodrigues) em parceria com o poeta carioca Paulo Pinheiro. “Recado do poeta” é uma obra-prima da dobradinha São Paulo-Rio: 

“Vai, porque a tua missão é de paz 
ser poeta é difícil demais 
pra que querer que um coração normal 
um dia vá te compreender 
Olha só como a lua parece chamar 
e essa rua, esse amigo, esse bar 
e eu peço a Deus que nada mude mais 
Não faz dos teus os teus rivais 
e se couber explicação real 
é que o poeta é o coração geral 
por isso fique aqui 
onde teu samba está 
que toda a cidade quer cantar” 

A cada novo LP, Beth aumentava sua popularidade, revelava novos compositores e recuperava muita gente boa da Velha Guarda que andava cantando seus sambas a duras penas em bares e reuniões em casas de amigos. 
Passou então a lançar um disco por ano, emplacando vários sucessos, como “1.800 colinas”, “Saco de feijão”, “Olho por olho”, “Coisinha do pai”, “Firme e forte” e “Vou festejar”, entre outros. 
Beth tem esse olhar: vai atrás dos compositores, curte o samba onde estão seus criadores, na fonte. Frequentadora assídua dos pagodes, entre eles os do Cacique de Ramos, retirou dali muita inspiração para seu seleto repertório. O LP De pé no chão marca uma aproximação com o gênero (analisaremos melhor o movimento do pagode no próximo capítulo), consolidada no LP No pagode, de 1979, que incluía o cosmológico sucesso “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão e Luiz Carlos da Vila, tocado até no repertório eletrônico da sonda espacial Pathfinder, em Marte. 
Com o título de “Madrinha do pagode”, Beth Carvalho divulgou o grupo Fundo de Quintal e os sambistas Sombrinha, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão... Em seus trabalhos, a cantora deu novas sonoridades ao samba, introduzindo instrumentos como o banjo, com afinação de cavaquinho, o tantã e o repique de mão, que até então eram utilizados sobretudo nos pagodes do Cacique. 
As vozes de Clara, Elis e Beth correram o mundo. Seus êxitos nacionais e internacionais apagaram definitivamente o mito de que só homem conseguia vender bem no mercado fonográfico. 

Elza de todos os sambas 
Elza Soares poderia desfilar tranqüilamente ao lado das divas do canto norte-americano por seus recursos vocais ilimitados. Filha de pais humildes, começou a trabalhar muito cedo. “Minha vida foi traçada por pernas tortas”, afirma Elza como desabafo de sua luta e, é claro, de sua união conturbada com o jogador Mané Garrincha. Mas ela superou isso tudo, fazendo da arte o motor de sua resistência. 
Elza gravou e divulgou muitos sambas de qualidade. Começou em 1960 com “Se acaso você chegasse”, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, e não parou mais. Em 1967, ela fez um espetáculo que pode simbolizar sua trajetória na música popular brasileira: Elza de todos os sambas. 






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