Em parceria com Arnaldo Antunes, o rapper Sombra e Chico Chico, a cantora lança disco que dialoga com o feminismo e outras causas
Por Carolina Cassese
Foi folheando uma revista estrangeira que Ana Cañas decidiu qual seria a capa do seu novo álbum, Todxs. Com o intuito de retratar o poder da sexualidade feminina, a imagem é de uma cobra dando o bote no meio das pernas de uma mulher. A ilustração representa perfeitamente o momento musical da cantora paulista: corajoso e combativo. “O patriarcado rege a opressão da mulher de várias maneiras, inclusive calando nossa sexualidade. É um cerceamento político. A gente tem que derrubar esse sistema”, afirma ela.
As 12 faixas do disco dialogam entre si, trazendo mensagens sobre o feminismo, a comunidade LGBTQ e outras lutas sociais. Com algumas músicas escritas por Arnaldo Antunes, o álbum também tem participações do rapper Sombra e de Chico Chico, filho de Cássia Eller. Gravar de maneira independente, conta, foi uma decisão libertadora: “Tenho boas relações com as gravadoras em que já trabalhei, mas como o intuito era falar de forma muito aberta, mandando um papo reto, não queria ter que ficar me justificando para nenhum diretor artístico. Julguei necessária essa liberdade no processo criativo”.
Em Lambe-lambe, uma das principais faixas, a cantora dá o recado: “Não se apavore com uma mulher que goza/ Evolução chegando pra geral/ Aceita o poder que o prazer é sempre igual/ Paga de foda, damo risada/ Aprende aí como se faz”. Ana acredita que a invisibilização do prazer da mulher se relaciona diretamente com o apagamento da voz e do pensamento feminino. “Mulheres que já estiveram em relacionamentos heterossexuais sabem que a maioria dos homens nem tenta de fato dar prazer à parceira. Quando a mulher fala do próprio corpo, da própria sexualidade, ainda choca, é tabu. Essa é uma das manifestações da opressão machista, que é muito maior e mais complexa”, garante.
Outro tema caro à cantora é a questão da autoaceitação corporal. A artista, que já declarou ter tido bulimia durante a adolescência, diz que, nos últimos anos, começou a estudar com profundidade o conceito de bodypositive (acolhimento de todos os corpos). “Existe um padrão, também atrelado ao consumo, que faz com que as mulheres comprem produtos de beleza desesperadamente. O que o sistema impõe é muito medíocre, pobre e absurdamente preconceituoso”, afirma. Em seu Instagram, Ana posta e escreve com frequência sobre a relação com o próprio corpo.
INSPIRAÇÃO
Como referência, ela cita os nomes de Nina Simone, Gal Costa, Rita Lee e Mariana Lima. “Isso musicalmente… As minhas principais ídolas, na verdade, são mulheres que moram na quebrada, foram abandonadas pelo marido, sustentam os filhos na raça e ainda pegam dois ônibus por dia para trabalhar fora. Digo o mesmo das lideranças de ocupações (muitas são mulheres).”
A paulista conta que passou os últimos dois anos, desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, aproximando-se de movimentos sociais. Ela contabiliza cerca de 40 shows voltados para grupos de resistência. “Foi um lugar de muito aprendizado. Isso, para mim, é a verdadeira democracia: sublimar esse abismo social gigante que a gente vive e estender a mão, entender que a realidade do outro também é a minha.” Para Ana, a arte é justamente o espaço de debates e questionamentos: “Resolvi sair do posto de espectadora e usar o meu lugar de visibilidade para somar nas causas que dialogam com a minha música. Acredito muito naquela frase da Nina Simone: ‘Eu não posso ser uma artista e não refletir o meu tempo’”.
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