terça-feira, 18 de dezembro de 2018

ZÉ DO NORTE, 110 ANOS


Alfredo Ricardo do Nascimento nasceu em Cajazeiras (PB), em 18 de dezembro de 1908. Era cantor, compositor, poeta, folclorista e escritor, mas antes de desenvolver tantas atividades intelectuais, pegou no pesado. Trabalhou desde os nove anos na enxada, no sertão do Estado. Depois foi apanhador de algodão e tropeiro. Sempre cantou, mas não imaginava que isso iria tornar-se uma atividade profissional.


Em 1921, foi para Fortaleza, alistou-se no Exército e acabou indo servir no Rio de Janeiro, morando, mais tarde, próximo ao morro de Mangueira. Convidado por Joracy Camargo, atuou no show Aldeia Portuguesa, obtendo grande sucesso com uma embolada de sua autoria.

Acabou sendo levado para a Rádio Tupi onde cantou adotando o pseudônimo de Zé do Norte, em 1940. No ano seguinte, foi para a Rádio Transmissora Brasileira (atual Rádio Globo) e participou de programas, como Desligue, Faz Favor e Hora Sertaneja. Passou depois para as rádios Fluminense, Clube do Brasil, Guanabara (onde teve como sanfoneiro um iniciante João Donato) e Tamoio – nessa última, atuando como animador, organizador, cantor e declamador.

Zé do Norte publicou o livro Brasil Sertanejo em 1948 e, cinco anos depois, atuou como consultor do linguajar nortista e compositor num clássico do cinema brasileiro. Sua música Mulher Rendeira ficou mundialmente conhecida após ser incluída na trilha sonora do referido filme. "Olê muié rendera, olê muié rendá. Tu me ensina a fazê renda, que eu te ensino a namorá". Quem nunca cantarolou essa me3lodia? Ela é atribuída a personalidade de Virgulino Ferreira, "o Lampião", no filme "O Cangaceiro", de Lima Barreto, de 1953, que foi considerado o melhor filme de aventura do Festival de Cannes daquele ano.

Mesmo nordestina, a música de Zé do Norte é tão enraizada no imaginário coletivo, que a maioria das pessoas interpreta "Mulher Rendeira", como herança folclórica, de domínio público e autor desconhecido. A trilha do filme, que tem parte das músicas de outros autores, em muito contribuiu para tornar a música de Zé conhecida em todo mundo, já que, na época, a obra foi assistida em mais de 80 países e por quase 50 milhões de expectadores.

Entre as suas mais de 100 composições, a segunda mais famosa é "Sodade Meu Bem, Sodade" (1953), gravada pela primeira vez pela cantora, atriz e diretora brasileira, Vanja Orico. Foi regravada por vários artistas como Nana Caymmi, Maria Bethânia, Raul Seixas, Geraldo Azevedo, e ainda por estrangeiros, como a cantora folkamericana Joan Baez.  É dele também "Meu Pião", gravada em 1971 e imortalizada na voz de Geraldo Azevedo.

Por volta dos anos 60, vários artistas, como Bob Dylan e a própria Baez foram buscar no folclore americano e na música da América Latina fonte de inspiração. E é num de seus primeiros discos, o "Joan Baez 5", que encontramos a "Mulher Rendeira", com o título de "O Cangaceiro" e com os créditos de Zé do Norte, atribuídos ao seu nome de batismo, Alfredo Ricardo do Nascimento.

Suas músicas, além de atribuídas as coisas sertanejas, têm muito lirismo, como se vê em "Sapato de algodão ("eu fui dançar/ com meu sapato de algodão/ o sapato pegou fogo/ eu fiquei de pé no chão"), outra, de versos singelos, que também é atribuída em várias regiões do Nordeste, como música do folclore, é "Lua bonita", em parceria com Zé Martins, também de 1953 e regravada por Raul Seixas no disco "A Pedra do Gênesis" (1988).

Boa parte de suas composições ainda necessitam de um trabalho de catalogação. Sua obra é cantada hoje no Brasil e no exterior, embora nem sempre a fonte seja citada. É o caso por exemplo de Caetano Veloso "It's a long way" (disco "Transa" - 1972) em que no meio da canção versos de Zé do Norte são citados ("os óios de cobra verde/ hoje foi que arreparei/ se arreparasse há mais tempo/ não amava quem amei (...) arrenego de quem diz/ que o nosso amor se acabou/ ele agora está mais firme do que quando começou"), mas, nos créditos da música, eles são atribuídos ao compositor baiano.

Além de cantor e compositor, como folclorista Zé do Norte desempenhou um grande trabalho de pesquisa sobre o ritmo do "Coco", chegando a lançar vários "LPs". "Muitas vezes ele pegava as letras das músicas cantadas pelos cangaceiros, adaptava e registrava como dele. Mas antes que alguém o questionasse, ele dizia que se não fizesse isso, as belas canções se perderiam no tempo", afirmou o jornalista e crítico musical, Ricardo Anísio. O cantor e compositor baiano Xangai, já confirmou o lançamento de um disco totalmente dedicado às composições de coco compostos pelo poeta e folclorista paraibano. Zé do Norte faleceu no Rio de Janeiro, em 1979.

A seguir, a letra de duas de suas músicas mais conhecidas:


Mulher Rendeira
Olé muié rendeira
Olé muié rendá
Tu me ensina a fazê renda
Que eu te ensino a namorá

Lampião desceu a serra
Deu um baile em Cajazeiras
Botou as moças donzelas
Pra cantá muié rendeira.

As moças de Vila Bela
Não têm mais ocupação
De que ficá na janela
Namorando Lampião.


 Sodade Meu Bem, Sodade

Sodade, meu bem, sodade,
Sodade do meu amor,
Sodade, meu bem, sodade,
Sodade do meu amor.

Foi embora e não disse nada,
Nem uma carta deixou,
Os óios da cobra verde,
Hoje foi que arreparei,
Se arreparasse há mais tempo,
Não amava a quem amei.

Quem levou meu amor,
Deve ser o meu amigo,
Levou pena deixou glória,
Levou sodade consigo,
Arrenego de quem diz,
Que o nosso amor se acabou,
Ele agora está mais firme,
Do que quando começou.

Sodade, meu bem, sodade,
Sodade do meu amor,
Sodade, meu bem, sodade,
Sodade do meu amor . . .


Fonte: Cultura Nordestina

2 comentários:

Anônimo disse...

Que riqueza! Ouvi um trecho de Sodade numa canção de Caetano.

Anônimo disse...

Escute também Sodade Meu Bem Sodade na voz de Nana Caymmi... Que esplendor!

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