segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A VIDA LOUCA DA MPB (ISMAEL CANAPPELE)*

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CARMEM MIRANDA



Carmen é convidada a retornar ao Cassino da Urca para um evento beneficente envolvendo aliados do governo Getúlio Vargas. Quando surge nopalco, cumprimenta a plateia com um estranho “Good night people”, e abre a apresentação cantando “South american way ” e “Disseram que eu voltei americanizada”. Mas a audiência está gélida, e assim prossegue. O cassino está tomado por políticos sisudos ligados ao Estado Novo. Aos prantos, Carmen deixa o palco em meio ao show. Não sabe que o Brasil, cada vez mais aliado à Alemanha nazista, vê os Estados Unidos como inimigo crescente. Carmen representa o sucesso norte-americano, e acaba por levantar suspeitas na plateia formada por grandes figurões nacionalistas. Em outubro, desiludida e abalada, retorna aos Estados Unidos levando a mãe e dois irmãos, Odila e Mocotó.
A produção do segundo filme em Holly wood, Uma noite no Rio, tem início. Logo a força de vontade de Carmen chama atenção. Ligadona, mesmo tendo que vestir pesados figurinos, está sempre disposta para o trabalho. Será a benzedrina fazendo efeito mais uma vez? Pontualíssima, é sempre a primeira a chegar. O diretor Irving Cummings a apelida de one take girl, por jamais errar em frente às câmeras. Sem falar inglês, estuda a sonoridade de cada frase antes de repeti-la em cena. Além disso, com dificuldade para seguir uma coreografia preestabelecida, pois nunca estudara dança, pede ao diretor que a deixe livre.
É Carmen quem rouba a cena na festa do Oscar de 1941. Logo depois, com apenas um filme lançado, deixa sua marca na Calçada da Fama, em Holly wood. Sua performance é parodiada e imitada ao redor do mundo, para os mais diversos fins.
Tudo vai bem. Ela está ambientada ao clima quente da Califórnia, e sofre sempre que precisa retornar à fria Nova York. Em Manhattan, ainda ligada a Shubert, deve cumprir a temporada de Sons o’ fun. Além dos ensaios, o empresário fecha dois shows por noite durante três meses, antes da estreia na Broadway. Anfetaminas e soníferos precisam ser consumidos mais do que nunca. Carmen segura firme, mas o Bando da Lua não aguenta o pique. Hélio e Vadeco abandonam o grupo e retornam ao Brasil. Da formação original, restam apenas três.

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Finalmente, Carmen rompe com Shubert e assina um contrato de exclusividade com a Fox, prevendo dois filmes por ano. Apesar de estar menos sobrecarregada profissionalmente, seu corpo segue dependendo da mesma quantidade de remédios. Importante lembrar que, na época, a indústria farmacêutica era uma atividade recente, e pouco se sabia sobre os efeitos colaterais provocados por tantos químicos. Na Holly wood dos anos 1940, a única certeza era a de que a vida devia ser curtida sob o efeito constante de alguma droga. Carmen volta à Costa Oeste para gravar Minha secretária brasileira. 

Enfim aparece sem as plataformas, balangandãs ou turbantes. Decidida a viver na Califórnia, compra uma casa em Beverly Hills, onde mora com a mãe, Aurora e o cunhado. Num quarto no andar de baixo fica Aloy sio, seu affaire. Carmen é profundamente ligada ao rapaz. Os dois chegaram juntos aos Estados Unidos e venceram longe de casa. Mas antes que o casal pudesse assumir o romance, Walt Disney contrata o brasileiro como seu assessor
pessoal para projetos latino-americanos. Aloy sio deixa o Bando, a casa e a vida de Carmen. Após cinco anos juntos, ela sofre a primeira solidão. Logo em seguida, o rapaz se casa e tem um filho com outra mulher. Carmen amarga a perda de mais um amor. Seu corpo clama por filhos. Deseja seguir os passos da irmã, Aurora, e constituir uma família. Está cansada de ser só, de ser apenas uma cifra, um nome brilhante no disputado casting de Holly wood. Ou um corpo que só sabe dançar sob o efeito de algum poderoso excitante. Seus sonhos se transformam, sem que haja indícios de que serão realizados.
Enquanto isso, no Brasil, Carmen é ridicularizada até mesmo pelos jornalistas de quem acreditava ser amiga. A crítica esculhamba praticamente todas as suas produções. Mesmo a distância, lê tudo o que sai a seu respeito. Não entende como pode ser tão hostilizada na própria casa. Não compreende o motivo de tanto desprezo. Porém, o que mais a incomoda agora é seu nariz. Em 1943, aos 34 anos, escondida da mãe e da irmã, submete-se a uma desastrosa cirurgia plástica.
A operação, rudimentar, é feita em casa. A cicatrização é lenta. Para piorar ainda mais o quadro, Carmen precisa filmar Entre a loura e a morena (The gang’s all here). Às custas de uma prótese artificial, ostenta um nariz perfeito, feito de cerâmica. O filme é um sucesso, talvez o ponto alto de sua carreira, mas Carmen Miranda está perdida. Quando terminam as filmagens, volta a operar o nariz. A prótese serve para a tela, não para a vida. A cirurgia, aparentemente simples, acaba gerando sérias complicações. O fígado sofre uma grave infecção, combatida com doses cavalares de antibióticos e transfusões de sangue. Suas chances de vida são mínimas. Carmen passa semanas à beira da morte. Os executivos da Fox se preparam para o pior. Passado algum tempo, Carmen se recupera e volta para casa. O fato é abafado na imprensa. Meses depois, retorna aos estúdios atuando em Quatro moças num Jeep. Terminadas as filmagens, volta à mesa de cirurgia para uma terceira intervenção nasal. Assim como Michael Jackson anos depois, ostentar um nariz finíssimo é sua maior obsessão.

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Após essa passagem, Carmen começa a enfrentar dificuldades para ser encaixada nas novas tramas da Fox. Sua figura ficou datada. Já não exala mais a mesma juventude. Tornou-se uma senhora, mas ainda não sabe se comportar como tal. Seu coração apresenta problemas. Uma forte arritmia a deixa preocupada. Os médicos receitam descanso, mas tudo o que ela faz é  abusar de soníferos e estimulantes. Escapando da vigilância, cria uma rede de profissionais que podem lhe oferecer todas as receitas médicas necessárias.
Disposta a melhorar a saúde, torna-se fumante. As campanhas de cigarro vendem o vício como um excelente tônico para os pulmões. Fumar faz bem. Influenciada pela filha, até mesmo dona Maria decide cuidar da saúde e começar a fumar. Apesar de estar em frangalhos do ponto de vista físico e emocional, Carmen Miranda é a mulher que mais ganhou dinheiro nos Estados Unidos, e possivelmente no mundo, em 1944. Foram mais de 200 mil dólares. Apenas 36 homens faturaram mais do que ela naquele ano.
Em 1945 é só festa. Com o fim da Segunda Guerra, muitos brasileiros começam a chegar a Holly wood levando anotado o telefone da casa de Carmen Miranda. Pode parecer estranho, mas seu número é divulgado exaustivamente pela imprensa brasileira. Se hoje as celebridades reclamam das constantes invasões de privacidade, naquela época, Carmen parece não se incomodar. Ela se esbalda com os presentes que os conterrâneos trazem – sacos de feijão, quilos de farofa, metros de linguiça e cachaça, muita cachaça. Mas Carmen ainda não aprendeu a beber. Seu barato, por enquanto, são as bolinhas.
Entre os muitos brasileiros que frequentam a casa de Carmen está Vinicius de Moraes. Enviado pelo Itamaraty para trabalhar no Consulado brasileiro, o poeta logo vira amigo da estrela, que, como ele, tem o hábito de manter a casa sempre aberta. Os dois passam as noites conversando. Vinicius, com seu copo de uísque na mão, estranha o fato de aquela mulher feita jamais consumir uma única gota de álcool.
A casa de Carmen Miranda em Beverly Hills pode ser uma festa, mas sua vida profissional apresenta sinais preocupantes. A Fox agora lhe oferece apenas pequenas participações em filmes B. Seu nome já não é mais um trunfo capaz de atrair público. Antes de ser demitida, Carmen toma as rédeas, rompe seu contrato e se transforma numa das primeiras artistas independentes de Holly wood.
Apesar de desejar ardentemente ser mãe e constituir uma família, Carmen não consegue manter relacionamentos duradouros. Praticamente todos os homens que se aproximam acabam passando um tempo de festa ao lado da estrela para depois se afastar e se casar com outra mulher. Diante disso, Carmen inveja Aurora, sua irmã, que, mesmo sendo uma estrela internacional, vive um casamento de sucesso, com filhos e um marido presente. São muitas as desilusões, a última delas com um jovem ator de Holly wood com quem se envolve, e que desaparece subitamente para, como de costume, reaparecer casado com outra mulher pouco tempo depois. Arrasada, Carmen encontra consolo num assistente de produtor, fracassado e desinteressante. Na realidade, o cara é asqueroso. Apesar disso, é sua única possibilidade de, aos 38 anos, se tornar mãe.
Dave Sebastian investe pesado quando percebe que a estrela está disponível. Não demora muito para que, carente, ela caia na lábia do conquistador. O casamento, obviamente com comunhão total de bens, acontece poucos dias após o pedido. Antes da cerimônia, Carmen descobre que o noivo é judeu. A Igreja Católica, da qual é participante ativa, não abençoa o enlace, mas acaba cedendo após insistência do noivo. Assim, o fracassado assistente de produtor se casa com uma das mulheres mais ricas do mundo. De quebra, abocanha metade de sua fortuna.
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