segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

TETÊ ESPÍNDOLA DIZ QUE NÃO SE ACOSTUMA A 'RITMO ALUCINANTE'


Ela volta ao disco com 'Outro lugar' e afirma que hoje ganha novos fãs por meio do filho Dani Black 

Por Alexandre de Paula



A natureza é tema primordial para a cantora Tetê Espíndola, que diz ter aprendido a cantar seus agudos tão característicos com os passarinhos e lançou recentemente o disco Outro lugar. Na entrevista a seguir, ela critica a forma como o meio ambiente é tratado hoje e cobra ações do governo. Também fala sobre parcerias, sua família musical e a carreira. “Hoje meu desafio é cantar de um outro jeito, mais grave e mais suave.”


Certa vez, você disse que aprendeu a alcançar agudos com os passarinhos. Como vê a nossa relação, muitas vezes predatória, com a natureza? 

Isso tem acontecido, já há muito tempo, num ritmo progressivo demais, o que é preocupante para o planeta Terra. O “progresso”, o tal do “progresso”, tem acabado com a natureza. Também acho que falta os governos cuidarem um pouco mais e darem mais atenção, principalmente para o nosso cerrado e para a Amazônia. É muito, muito importante. Se o governo não colocar um limite nisso (e o que funciona é multa para quem depreda a natureza) fica mais difícil. O ser humano está sentindo essa depredação. Algumas coisas básicas as novas gerações estão fazendo, como reciclar o lixo, mas falta muita coisa para frear essa depredação.


O título do disco é Outro lugar e tem um clima que, de fato, parece estar em um outro tempo. Onde é esse outro lugar?

Para mim, essas músicas que gravei são mesmo atemporais. Acho que o outro lugar é um tempo que não existe, que não é esse tempo que a gente fala – passado, futuro. É um tempo dentro da gente, dentro da nossa própria consciência. Se cada um achasse esse tempo de equilíbrio, ajudaria muito. No meu caso, o outro lugar é uma natureza perfeita, onde existe um silêncio para a gente ouvir o som dos pássaros. Tudo isso está dentro de mim. Estou há 35 anos em São Paulo, mas nunca perdi essa raiz que me inspira.


Qual o segredo? Como fazer esse mergulho nesse outro lugar diante de um mundo tão turbulento?

Realmente o mundo está muito turbulento, tem poluição sonora em tudo quanto é lugar, você não consegue mais viver em silêncio. A não ser que você realmente se retire para a natureza, lá para o centro. Mas é uma coisa com que estamos convivendo e não sei até quando nem como as pessoas vão aguentar isso. Todo mundo tem que conseguir um equilíbrio. Estou começando a investir na meditação, acho que a meditação é ainda um lugar que a gente pode conseguir dentro da cabeça da gente.


A arte e a música também podem ser uma meio de alcançar esse lugar?

Acho que sim. Você tem o recurso do headphone, por exemplo, que te coloca dentro daquele espaço que é a mensagem. No caso do meu disco, existe um espaço sonoro muito especial, isso dá para a gente sentir. Aconselho as pessoas a ouvir meu disco com fone, porque esse espaço sonoro ajuda as pessoas a conseguir meditar.


É um disco de muitas parcerias. É a sua maneira preferida de compor?

Acho que é o momento. A gente tem que estar aberta ao momento da composição. Composição, para mim, não é planejada. Não é: Ah, agora vou compor. Ela acontece. Surge, às vezes, alguma coisa muito importante na vida de um parceiro que vai fazer a letra ou algo comigo mesma. A Marta Catunda, por exemplo, é a pessoa com quem tenho mais músicas. Ela é minha amiga há mais de 40 anos, e a gente sempre que se encontra está vivendo algo especial. Meu parceiro mais constante, além da Marta, é o Arnaldo Black, meu marido e meu parceiro em tudo – na música, no amor, nos filhos e nos projetos.


O disco tem composições com Arnaldo Black, seu marido, e as fotos são da Patricia Black, sua filha. Como é trabalhar em família?

É maravilhoso. A gente tem uma produtora chamada Luz Azul. O nome é uma homenagem ao primeiro grupo de que fiz parte. Arnaldo e eu mantemos essa produtora, e a gente produz o Dani Black (meu filho) e ajuda no trabalho da Patricia, que também é cineasta. No caso da Patricia, o álbum foi a primeira vez em que ela trabalhou num projeto meu. Ficou apaixonada pelo disco e pediu para fazer a capa. Fiquei muito feliz com o resultado, que até surpreendeu a gente.


Você quer compor com seu filho Dani Black? Ou já compuseram algo juntos?

Olha, com o Dani, por incrível que pareça, ainda não compus. Mas a gente tem muita vontade de fazer uma música juntos. Ele compõe de uma outra forma. Ele faz a letra e a música sozinho ao mesmo tempo. Então não tem esse momento de parar e ‘vamos fazer uma música’, por mais que ele tenha composto com outras pessoas.


Você companha essa nova geração da música brasileira? Do que gosta?

Sempre gostei muito do pessoal do 5 a Seco, acompanhei muito. Gosto muito do timbre da voz da Maria Gadú e da Mariana Aydar. E agora estou curtindo muito também um cara dessa geração. Ele é pernambucano e se chama Raul Misturada. Você já ouviu falar?


Aquele da turma com Dandara, Paulo Monarco, né?

É, esses aí. Curto demais essa turma, que está fazendo muito sem pensar se é isso ou se é aquilo. Esse pessoal novo, eles são muito do “Ah, é agora”. Vivem isso muito intensamente. É outro momento. Sou uma artista que vem do LP, da época em que havia multinacional. Agora eles estão vivendo essa época da internet. Tudo muito rápido, muito intenso.


Mudou muito? Como foi se adaptar?

Na minha época, você fazia o disco, aí fazia a capa, esperava, depois tinha um tempo para divulgar. Agora é tudo pá, pá, pá. Fico quase louca. No começo, sofri muito. Mas sou muito rápida nas mudanças e eles, principalmente a Patrícia, me ajudaram muito. Já estou acostumada, só não me acostumei com esse ritmo alucinante de que tem que postar, tem que estar o tempo todo acontecendo as coisas. Mas devagar vou pegando o ritmo.


Os festivais tiveram um papel muito importante no início da sua carreira. Acredita que eles fazem falta? Algo assumiu esse lugar?

É outro momento. Não tem mais os grandes festivais que tinham algo diretamente com a TV. Mas existem festivais. Acompanho porque, no começo da carreira do Dani, ele participou de vários festivais de interior. É um outro tipo de festival. Aparece muita gente boa, mas o fato de não estar vinculado à televisão não dá aquela repercussão tão grande.


Mesmo com o passar do tempo você se manteve cantando as canções quase sem mudanças, no mesmo tom. Como é o seu processo de cuidar da voz?

Existe a vontade de sempre pesquisar, explorar a voz de outras formas. Então, sim, continuo ainda cantando Escrito nas estrelas no mesmo tom, o agudo está lá. Mas estou explorando muito o outro lado da minha voz. Estou curtindo muito mais isso. A gente vai amadurecendo e ficando mais relaxada para cantar. Então, estou preferindo ultimamente cantar muito mais suave, mais no grave, mais relaxada... E cuido da minha voz, dessa parte mais técnica, tenho que cuidar o tempo todo. Mas fico com faringite, sinusite, essa coisa toda que hoje em dia é muito difícil não ter por causa da instabilidade do clima. Os cantores sofrem muito com isso.


Acredita que exista um público jovem descobrindo agora seu trabalho?

Com certeza. Por causa da internet. Por isso é importante a gente manter YouTube, vídeos, colocar coisas antigas. Tem muito material para jogar no ar para esse pessoal poder realmente pesquisar e conhecer. E as pessoas que gostam do Dani Black acabam descobrindo que ele é meu filho e vão atrás de conhecer o trabalho da mãe.


OUTRO LUGAR
Artista: Tetê Espíndola
Gravadora: Luz Azul
Preço sugerido: R$ 40


Fonte: UAI

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