Por Leonardo Lichote
RIO - A fala de Wilson das Neves é um desfile de aforismos da malandragem — sabedoria e malícia sintetizados em frases de precisão ninja. Mandamentos como “tem que passar no buraco da agulha”, que segue com naturalidade. Músico que já tocou com todos da música brasileira, baterista de Chico Buarque e da Orquestra Imperial (tratado com a mesma deferência e intimidade pelos dois), ele reafirma a grandeza e a habilidade de passar no buraco da agulha em “Se me chamar, ô sorte” (MP,B/ Universal).
A canção-título (que assina com Cláudio Jorge) desdobra essa filosofia. Com o parceiro, ele abre seu quarto álbum como cantor se pondo à disposição para qualquer chamado, seja para sambar (“eu cisco”), para o amor (“eu brinco”), para o nada (“eu descanso”) ou para rezar (“corimbo”). Adaptando-se a tudo e, mais importante, adaptando tudo a si.
No CD (produção de Wilson, Paulo César Pinheiro e Berna Ceppas), ele dança com diversos parceiros (Pinheiro, Nelson Sargento, Luiz Carlos da Vila, Delcio Carvalho...) e arranjadores. Neste grupo, destacam-se Vittor Santos (seus metais emulam a síncope e a elegância clássica e moderna do cantor), Jorge Helder (surpreendentes harmonias) e Bia Paes Leme (criativa no uso de convenções do samba e do baião).
O autorretrato se conclui na última faixa, a 14ª do CD. Linda parceria com Chico Buarque (de rima de “amanhã” com “doucement” e versos como “A mão que afaga o tambor/ Tem um dom qualquer/ É como saber tocar/ Pele de mulher”), a música traz Wilson falando com o bisneto João, expondo-lhe sua experiência e oferecendo-lhe a mão de guia. Íntimo e mestre.
Perfeita amarra nas pontas, o disco peca no excesso do meio — são 14 canções no total. Se há tesouros ali (o tributo à mulher do malandro de “Trato”, a primeira estrofe de “Ao nosso amor maior”), há também vazios e redundâncias (“Fragmentos de amor”, “Feito siameses”). Para a perfeição, faltou ao CD a síntese do aforismo.
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