domingo, 16 de setembro de 2018

O ESCRITOR BRÁULIO DE CASTRO

Além da composição, Bráulio de Castro dedica-se também ao universo literário a partir da narração de contextos que o remete também a todo o universo que influencia a sua obra

Por Bruno Negromonte


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Se existe uma área do conhecimento humano que possui natureza transcendental, esta é a da música e da literatura. No entanto dominar a arte de nos fazer viajar tanto na música quanto nos livros de maneira rica,  interessante e proveitosa é um domínio para poucos como é o caso de nomes como o do Vinicius de Moraes (poeta de marca maior que eternizou-se por sua marcante incursão em ambos contextos), Chico Buarque (que alterna o lançamento de seus álbuns com os seus livros já há algum tempo), Paulo César Pinheiro (autor de mais de 1000 canções e responsável pela publicação de livros como "Pontal do Pilar" (2009), "Matinta, o bruxo" (2011) entre outros), Aldir Blanc (compositor de clássicos imortalizados nas vozes de alguns dos maiores intérpretes de nossa música e autor de diversos livros em mais de duas décadas dedicadas à literatura) entre outros. Como se pode ver, imergir no universo literário a partir da música requer alguns pré-requisitos fundamentais, dentre eles, a intrínseca relação com as palavras e um apuro estético para além do comum. Por isso muitos se aventuram nesse adverso universo (uma vez que o brasileiro lê, em média, apenas quatro livros por ano, 44% dos brasileiros não tem o hábito de ler, e 30% nunca compraram um livro segundo a última pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, encomendada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada em 2016), mas poucos são os que se firmam ou passam da primeira experiência literária no mercado editorial mesmo havendo uma linha tênue que muitas vezes parece deixar de existir entre as duas artes. E é nesse contexto que mais uma vez se faz presente o nomes desse autor ao se aventurar para além da canção, buscando mostrar peculiaridades e suas experiências a partir também de uma produção literária que já conta com três  títulos e outros em mente. 

Não se vê outro caso de amor entre um filho e o seu torrão dentro do contexto cultural nacional. Como é possível perceber, para Bráulio não basta atender a expectativa daqueles que acompanham a sua carreira enquanto compositor e valorizador das peculiaridades existentes em sua terra. Se de um lado o autor de canções e melodias busca atende aos anseios poéticos e sonoros daqueles que atentam-se aos versos e melodias de uma canção, do outro o compositor não esqueceu de desdobra-se para atender também a um público mais específico, composto por aqueles que não abrem mão de um bom livro e por seguinte uma boa leitura. Na literatura faz-se também bastante evidente a sua paixão por Bom Jardim, suas características e personagens; mas ele não esquece da capital pernambucana, cidade a qual foi adotado ainda na adolescência para dar continuidade aos seus estudos. Até agora são três títulos lançados por intermédio da Editora Bagaço: "No tempo da pândega e do deboche", "Arrancaram os olhinhos do cavalo e outras estórias "eplopéticas"" e "Vamos lá dentro! (No tempo da bacia d'água)".


O primeiro ("No tempo da pândega e do deboche"), publicado em 2011 apresenta cerca de 30 canções em homenagem a cidade de Bom Jardim cerca de 350 histórias protagonizada por boa parte dos antigos moradores dessa cidade cantada em verso e prosa por este apaixonado bonjardinense. Com uma memória invejável, Bráulio conta em riqueza de detalhes alguns "causos" ora vivenciado por ele, ora relatado por amigos com nomes  pra lá de inusitados como são os casos de Biu do boi, Café cheiroso, Zé Castigo, Maria Paca, Zé Gaião, Zé Pitota, Ximbute, Treme treme, Ponche, Zé fugido entre outros protagonizam algumas das mais excêntricas histórias tão comuns em uma época onde as pessoas tinham restritos meios de diversão. Um livro que traz subentendido através de cada personagem ou história um fragmento de saudade de um tempo que não volta mais (mesmo as histórias sendo hilárias) e traz consigo uma relevância para além de literária para o município. A título de importância, "No tempo da pândega e do debochesem sombra de dúvidas vem a ser não simplesmente um despretensioso apanhado de histórias de moradores de uma cidade interiorana, mas um registro historiográfico que sob o prisma do humor eterniza a cidade de Bom Jardim também no universo literário reendossando a importância do autor quando se é destacado aqueles artistas que costumam registrar o seu amor por seu torrão a partir da arte seja ela de que modo for.

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Já "Arrancaram os olhinhos do cavalo e outras estórias "eplopéticas", de 2013, segue a linha do primeiro relembrando "causos" diversos ocorridos em Bom Jardim. Nele os pitorescos personagens do torrão natal do autor voltam a ganhar destaque em cerca de 190 pequenas histórias pitorescas que vão desde a narrativa de que um dos conterrâneos do autor viajou para Miami e sem ter domínio da língua chegou ao setor de imigração e ouviu a frase: "I need your passport" (eu preciso do seu passaporte) e com medo de ser mandado de volta ao Brasil e sem saber o que responder disse: "Ah! conheço muito o seu Mané pote, mas infelizmente ele faleceu!" até a explicação dos nomes de alguns pontos mais frequentados pela Mobile (formada por músicos e bôemios da cidade) a exemplo do Espera tapa. É um livro que dá continuidade as histórias rememoradas por esse magistral autor que não restringe o amor pelo seu berço em apenas de canções e melodias, mas estende esse rico mosaico e provinciano ao campo da literatura para desse modo ratificar ainda mais a importância de uma obra que tem por um dos seus principais alicerces esse descomunal (e desvalorizado por muitos) amor por seu torrão.

Em "Vamos lá dentro! (No tempo da bacia d'água)", lançado em 2015, o autor retrata um Recife que existe apenas na memória dos saudosos boêmios que tiveram a oportunidade de viver esse tempo. Um cenário onde a promiscuidade existente à época não passava de um detalhe, pois as histórias e personagens valiam muito mais. O livro relembra estórias e histórias diversas a partir de figuras cujo nomes não poderiam ser mais pitorescos e porque não engraçados. Com uma linguagem pra lá de coloquial o autor faz uma saudosa retrospectiva de um tempo onde o lirismo e a boemia não davam vez a exacerbada violência existente nos dias de hoje. Um tempo onde era possível encontrar em meio aos habitués da vida noturna do baixo meretrício do Recife figuras que marcaram a história da cidade como Ivo Alves da Silva, o Lolita, uma das maiores lendas urbanas do país, sem contar os grandes personagens da música popular brasileira como era o caso de nomes como Silvio CaldasExpedido Baracho, Jackson do Pandeiro e Inaldo Vilarin. Trata-se de um verdadeiro e  original enredo a ser explorado, por exemplo, pelos diretores teatrais, uma vez que quase todas as passagens são intercaladas com composições contextualizadas com o tema. O livro acompanha um CD composto por doze faixas que dentre as estórias presentes estão lá suas letras e um emocionante depoimento do autor ao final do livro. Bráulio em pleno século XXI consegue viajar no tempo e rever em cada detalhe presente no Recife de hoje aquilo que vivenciou outrora de modo saudosista e poético, relembrando os grandes potassa época como Carlos Penna Filho encerrando um livro que traz por narrativa um contexto tão prosaico, de uma maneira emocionalmente lírica.

Ciente que há também bastante dificuldade nesse campo (uma vez que é cada mais perceptível que o hábito de ler tem perdido espaço para TV e diversões on-line), Bráulio não se detém as dificuldades existentes e mergulha no campo literário com a mesma competência que bem conhecemos na música, e de modo despretensioso mostra-se capaz de destacar-se também como um cronista perspicaz, que tem a capacidade de nos remeter enquanto leitor, a uma época (seja em Bom Jardim ou nas ruas do Recife) que não volta mais. Sem contar que os personagens existentes em seus relatos tornam-se próximos a nós, leitores (quem não acaba se afeiçoando a nomes como o de Zé Gomim?), e os cenários por ele descrito acaba nos parecendo tão familiar quanto os cômodos de nossa casa. Trata-se de registros literários carregados de peculiaridades capazes de tornar qualquer uma das obras em riquíssimas esquetes. Enfim... Bráulio de Castro acaba por endossar que é válida a discutida conquista do Nobel de literatura pelo cantor e compositor Bob Dylan, pois a música e a literatura estão intrinsecamente interligadas nessa sociedade contemporânea em que todos os gêneros tornam-se híbridos prevalecendo as mais distintas características. 







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