segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

NOITES TROPICAIS - SOLOS, IMPROVISOS E MEMÓRIAS MUSICAIS (NELSON MOTTA)*



Como é, gostou do show?” Agradeço o privilégio efusivamente e gaguejo alguns elogios à excelência da sua performance. Show impecável, cantor perfeito em técnica, emoção e repertório. Um belo retrato musical da alma brasileira... Falo como um fã e ele me ouve como um jornalista. Roberto está falando baixinho porque ficou meio rouco depois do show, quer poupar a voz porque no dia seguinte o show é na sua cidade, onde ele não se apresenta há muitos e muitos anos. O Rei está naturalmente um pouco nervoso e ansioso: “Sabe como é... terra da gente... cidade pequena... grandes emoções... sabe como é, bicho.” Imagino. E me lembro daquela noite distante em Copacabana, naquele apartamento, Carlos Imperial de chinelos e ele imitando João Gilberto. Domingo radioso em Vitória do Espírito Santo, dia dos namorados, parece que todas as rádios só tocam Roberto Carlos. No hall do hotel, sentado numa mesa com o baterista-secretário-amigo Dedé, o Rei concede uma espécie de audiência pública. Uma longa fila aguarda pacientemente, cada um espera de olhos brilhando o momento de ser atendido. Alguns precisam de uma dentadura, outros de aparelho de surdez, outros uma ajuda para o filho doente, uma cadeira de rodas, a reforma de uma igreja, esperam um milagre mas todos se contentariam apenas em ver de perto, olhar nos seus olhos, talvez tocar Roberto Carlos. Dedé faz uma curta entrevista com o suplicante, avalia o pedido e encaminha a Roberto que, de talão de cheques em punho, vai atendendo no ato. É assim em todas as cidades por que passam.

A partida para Cachoeiro atrasa meia hora porque um grupo de cegos queria “ver” Roberto Carlos, como contou Dedé às gargalhadas entrando no ônibus com o Rei. Durante a viagem, Roberto está alegre e animado e conta histórias da estrada. Nas mais de 30 cidades que visitou só conseguiu sair do hotel duas vezes, em Recife, escondido num furgão para almoçar na casa de amigos, e em Maceió, quando foi com toda a companhia, mais de 40 pessoas, jantar num restaurante fechado só para eles. “Mesmo assim, os garçons vieram pedir autógrafos...”, conta Roberto divertido e resignado. O ônibus entra na cidade pobre e feiosa, quente e poeirenta, e se aproxima do estádio por uma rua estreita, lentamente, abrindo caminho entre a multidão que espera desde cedo nas calçadas. São seis e meia da tarde e o show está marcado para as sete. O ônibus pára em frente a uma pequena porta que dá acesso aos vestiários, Roberto é o primeiro a entrar, seguido dos seguranças. O povo aplaude. Todas as janelas dos edifícios à volta do estádio estão iluminadas e lotadas. O morro ao lado, com magnífica visão do campo, está superlotado. Mas ainda há alguns lugares nas arquibancadas e nas cadeiras do gramado. Parece que a cidade inteira está ali para celebrar a volta do jovem senhor, do mais ilustre filho da terra, o artista mais popular do Brasil. Roberto fica uma hora e meia trancado sozinho no camarim. A massa espera paciente a primeira hora, mas começa a se inquietar, gritando e assobiando.

“Senhoras e senhores... Rrrrrrrrroberto Caaaaaaarlos!”, a voz do apresentador estoura nas caixas. Os canhões de luz mostram as arquibancadas, as janelas e o morro superlotados, a orquestra ataca a overture e o público delira. “Quando eu estou aqui, eu vivo este momento lindo”, Roberto começa a cantar, de terno branco e gravata azul brilhante, sorrindo tenso, com o rosto suado brilhando sob os refletores. A primeira nota que canta quase não lhe sai da garganta, trêmula e sofrida, engasgada. E o rosto mostra imediatamente a dor do perfeccionista implacável consigo mesmo, do senhor de uma técnica musical de alta precisão, traído por suas emoções. Rapidamente se recompõe e sorrindo corajosamente vai adiante e termina a canção sob aplausos não muito entusiasmados. Ninguém ouviu direito, o som está péssimo, Roberto conversa com o maestro e os técnicos de som e o show recomeça, frio. O som continua ruim, Roberto não se ouve nas caixas de retorno. Só na terceira música as coisas melhoram e ele pode relaxar um pouco. Até que o som apita. Ele ignora e segue em frente, aos poucos o público vai se entusiasmando: “Por isso uma força estranha me leva a cantar, por isso essa força estranha no ar, por isso é que eu canto, não posso parar, por isso essa voz, essa voz tamanha...” Roberto canta Caetano e o público finalmente explode, nas arquibancadas, nos edifícios e no morro.

Ele conversa, conta piadas e histórias de namoros, com uma mistura de malícia e ingenuidade, descrevendo cheio de charme os seus tempos de amassos e paqueras nas matinês do Liceu Cachoeirense. E canta “Jovens tardes de domingo” com infinita graça. As meninas sentadas ao meu lado, adolescentes, começam a chorar. Uma saraivada de sucessos depois, Roberto sorri feliz, mas seu olhar tem sempre uma tristeza e uma melancolia que são parte importante de seu carisma, e fecha o show com “Amante à moda antiga”, a massa delira e os fogos de artifício explodem no céu de Cachoeiro. O público ainda continua aplaudindo e Roberto e toda a comitiva já estão no ônibus, que avança lentamente abrindo caminho entre a multidão que grita e aplaude. Roberto tira o paletó e a gravata e se envolve numa toalha, o ônibus ganha a estrada e corta a noite capixaba, o Rei viaja em silêncio, cansado e sorridente, quase todo mundo dorme. Boa noite, Roberto Carlos.Na chegada ao hotel em Vitória, com fome e com sono, me despeço de Roberto, ganho um abraço e um beijo e não resisto: peço que ele me autografe a camiseta do show, o primeiro e único autógrafo que pedi em minha vida. Em agosto de 83, com o fim abrupto de um romance movido a álcool e cocaína com uma psicanalista carioca, fui para Roma, para o festival Bahia de Todos os Sambas, produzido pelo cineasta Gianni Amico e bancado pela Secretaria de Cultura romana, do comunista visionário Renato Nicolini, em homenagem a Glauber Rocha. Shows de Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Moraes Moreira e outros baianos musicais ilustres, cantando e tocando durante uma semana para uma platéia de dez mil pessoas, nas ruínas do Circo Massimo. E mais: um trio elétrico com Armandinho, Dodô e Osmar circularia na Piazza Navona. Os filmes de Glauber seriam exibidos.

Estrelas da “Roma negra” iluminando as noites de verão da Romam imperial, nada melhor para curar uma rebordosa amorosa. E para sair da canoa furada da cocaína, numa outra cidade, num outro tempo, movido a arte e civilização. Fui para o Hotel Raphael, com seus salões de mármore e suas paredes cobertas de hera, o favorito de Vinícius, onde Chico Buarque também ficou logo que chegou a Roma, na Via Dell’Anima, esquina com o Vícolo Delia Pace, atrás da Piazza Navona. Ali, na esquina da alma com a paz, do terraço vêem-se os telhados de Roma e as cúpulas de suas igrejas brilhando ao sol, o casario ocre e terracota e as velhas ruas de pedra, desertas sob o calor africano de agosto. A semana Bahia de Todos
os Sambas tinha começado um dia antes, com a exibição tumultuada do último filme de Glauber, A idade da Terra, e o show de Caetano Veloso no Circo Massimo com lotação esgotada. À noite vou ao show de Gal Costa. O Circo Massimo não é o Coliseu, é muito maior (embora muito mais destruído), é o hipódromo onde as bigas corriam para os césares. Ao fundo, as ruínas iluminadas, à frente delas o palco e um grande descampado, ocupado por uma platéia de dez mil pessoas sentadas, que se levantam quando a banda toca a introdução de “Canta Brasil”. E gritam e aplaudem quando ouvem a voz cristalina de Gal e vêem aquela bela figura de mulher, suas formas generosas e maduras mais reveladas do que cobertas por um vestido de Markito de um finíssimo tecido dourado, ora fosco, ora brilhante, que se colava ao seu corpo como uma outra pele até os quadris, de onde descia fluido, revelando coxas e pernas fortes e morenas, que irrompiam pelo rasgo lateral da saia ou se revelavam através das transparências iluminadas. Quando ela canta “Noites cariocas”, o choro de Jacob do Bandolim, choro copiosamente.

Em parte pela rebordosa amorosa, em parte pelo Brasil. E ao mesmo tempo de alegria, infinitamente contente pelo testemunho da arte refinada de Gal, de sua consagração por um público culto e exigente, rara oportunidade de desfrutar um legítimo sentimento de orgulho
nacional. Ultimamente, diante do mundo civilizado, sentimos mais vergonha do que orgulho do Brasil, com nossa grotesca ditadura moribunda e em debandada, nossa eterna crise econômica agravada, nossas injustiças revoltantes, nossa pobreza, ignorância e violência. Provincianamente, imagino que os romanos estão perplexos: como pudemos, com nossa miséria cultural e nossa história curta e inglória, produzir uma arte tão rica e desenvolvida, uma arte tão moderna e sofisticada num país tão primitivo e atrasado? Qualquer crítico de música informado — e há muitos ali — sabe que Gal Costa, como Elis Regina, é uma das melhores cantoras do mundo, que produz uma música tão boa quanto a de Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan. O show termina com uma ovação consagradora e diversas voltas ao palco. Feliz e emocionada, Gal se curva em altiva reverência, a massa de cabelos escuros e ondulados emoldurando uma imensa boca vermelha e sorridente, os bicos dos seios redondos e fartos avançando pelo tecido dourado que o suor lhe cola ao corpo como uma segunda pele. Choro de novo, pensando em Glauber e Hélio Oiticica, amigos queridos e mortos (os dois aos 42 anos), mestres e inventores de arte e linguagem, reverenciados por estrangeiros e massacrados em sua própria terra, banidos e perseguidos pela insensibilidade e violência da ignorância nacional. Como Gal e Elis na música, Glauber e Hélio desfrutam o
respeito e admiração de qualquer crítico informado de cinema e artes plásticas. Na consagração de Gal, choro a perda, em pouco mais de um ano, de Elis, Glauber e Hélio. Depois do show divido um táxi com Dorival e Nana Caymmi.

O “Algodão” está feliz, o rosto moreno cercado pelo prateado dos cabelos, sereno como quem sabe, alegre como quem aceita, a perfeita imagem do “Buda nagô” criada por Gilberto Gil. Refestelado no banco traseiro do táxi, para deleite meu e do motorista, inicia com Nana um dueto da “Tosca”, enquanto rodamos pelas ruas estreitas e antigas do Trastevere. Caymmi conta que foi criado ouvindo ópera e música clássica, fala sobre Bach, diz que todos os acordes e estruturas harmônicas que ainda hoje surpreendem os que se acreditam “modernos” já estavam lá, em Bach. Talvez Caymmi esteja para a música brasileira como Bach está para a música do mundo. Sua música está presente e é fundamental em três grandes momentos da nossa gloriosa história musical. Primeiro com Carmen Miranda, para quem criou seus grandes sucessos, como “O que é que a baiana tem?” e “Você já foi à Bahia?”; depois na bossa nova, com as releituras revolucionárias de João Gilberto de “Rosa morena”, “Doralice” , “Saudades da Bahia” e outras; e finalmente no tropicalismo, com Gil e Caetano criando a nova música sobre os alicerces sólidos da música de Caymmi. “Só louco amou como eu amei, só louco quis o bem que eu quis, ó insensato coração...” Nana canta e a cidade iluminada passa na margem do Tevere. Caymmi faz uma segunda voz, revira os olhos, faz bico com os lábios grossos e sensuais, é a encarnação do “dengo viril”, de uma macheza delicada e sedutora, talvez possível pela mistura bem-sucedida de árabes com baianos, como Jorge Amado. O motorista está adorando o taxiconcert e desconfio que está fazendo um caminho mais longo mais por prazer que por lucro. Várias músicas depois, quando chegamos ao seu hotel, Caymmi me abraça e, diante de minha expressão de êxtase e
gratidão, num estado que Nelson Rodrigues descreveria como “vazado de luz como um santo de vitral”, declama com voz solene e majestosa: “Cada minuto que passa é um milagre que não se repete.” Dá um tempo para que eu pasme com tanta sabedoria e profundidade e, com
um timing de grande comediante, revela a fonte de tanta poesia: “Rádio Relógio Federal.” Boa noite, Dorival Caymmi.

João Gilberto foi o máximo. Mínimo para tanta arte, gente e aplausos o imenso circo onde a biga de Ben Hur corria há 20 séculos. Onde agora um brasileiro de 52 anos, de óculos e terno cinza, canta e toca violão para uma platéia hipnotizada por sua arte elegante e refinada. Quando João começou sua apresentação com o Hino Nacional popular brasileiro, “Aquarela do Brasil”, ninguém ouviu: as caixas de som estavam mudas. Da primeira fila, na beira do palco, ouvi seu fio de voz distante: “Deixa cantar de novo o trovador, à merencórea luz da lua...” Depois de um interminável minuto ouviu-se de repente, como uma explosão de luz brilhante, voz e violão formando um único corpo sonoro, leve e diáfano, num ritmo preciso e seco como golpes de caratê. À tarde, depois do ensaio, ele tinha me chamado a seu hotel. Estava tenso e apreensivo. Os italianos não tinham conseguido acertar o som, uma orquestra de cordas participaria de três músicas com pouco ensaio, ele previa um desastre. O legendário perfeccionismo do mestre: para os ouvidos de João que som será bom? Que silêncios seriam necessários para agradá-lo? Tudo muito além de nossa vã estereofonia. João sofre, diz que está preparado para o sacrifício, pelo Brasil e pelos brasileiros, sem soar patriótico ou populista. E começa a tocar. Ensaia mais uma vez com a filha Bebel, que vai cantar com ele “Chega de saudade”, e para se distrair começa a pedir sugestões sobre o repertório que vai cantar à noite, fingindo que vamos escolher o que já está escolhido: “Estate”, “Wave”, “Samba da minha terra”, “Desafinado”, “Retrato em branco e preto”, “Triste”, “O pato”, “Garota de Ipanema”, suas músicas de sempre, sempre novas. E uma “novidade” dos anos 40, uma moderníssima canção de Custódio Mesquita, “Valsa de quem não tem amor”, que ele canta em suave ritmo de samba. “Minhas noites são fatais, meus dias tão iguais tão só sem ter ninguém, minha imaginação distrai meu coração que vive na ilusão de um dia amar alguém...”

Durante o concerto, a arte de João sempre esteve ameaçada por toda sorte de incompetências técnicas que nos acostumamos a associar às precariedades do Terceiro Mundo e não à riqueza e cultura do Primeiro. Paciente e guerreiro, completamente concentrado, enquanto as caixas de som zumbiam, João, filho dos trópicos e do povo, continuava cantando com precisão absoluta e ensinando em Roma o rigor e a disciplina. João cantava em homenagem a Glauber. Glauber e João, nossos Dionísio e Apolo, duas faces opostas da mesma preciosa moeda, síntese da melhor arte moderna brasileira: dois baianos porretas. O excesso e o escasso, o máximo e o mínimo, o épico barroco e o modernismo minimalista. Glauber tinha muito boa cultura de música brasileira, acompanhava seus movimentos e gostava de discuti-la acaloradamente, mas nos seus últimos tempos, com exceção de uma simpatia conterrânea por Gal, Gil, Caetano e Bethânia, dizia provocativamente que não gostava de mais ninguém além de Villa-Lobos e Antonio Carlos Jobim. E considerava João Gilberto um gênio musical, escreveu para ele o papel de Sabiá, um cantor e violonista cego, o narrador da história de Palmeiras selvagens, uma adaptação do livro de William Faulkner para uma praia baiana, jamais filmada. Glauber amava e respeitava João, em perfeita harmonia por total contraste, mas defendia uma polêmica tese que atribuía a João Gilberto um processo de “feminização” da música brasileira, introduzindo doçura, suavidade e delicadeza no canto dos homens, tirando-lhes a virilidade. Não que fosse ruim, mas apenas menos másculo, ele concedia sem muita convicção. Mas era inegável. Depois de João, todos os novos cantores passaram mesmo a cantar mais docemente. Daí, segundo Glauber, a reação: um processo de “masculinização” do canto feminino, iniciado com a voz grave e poderosa de Maria Bethânia, com a potência e agressividade de Elis Regina, com a explosão da Gal roqueira, influenciando todas as novas cantoras na busca de timbres mais graves e de atitudes mais agressivas. Glauber adorava uma polêmica. João detesta. Gosta de harmonia.

Gostei tanto do festival, de Roma, de tanta beleza, de tanta gente interessante que conheci, que resolvi ficar. Por tempo indeterminado. Afinal, o Noites Cariocas ia a pleno vapor, como um templo do rock brasileiro, tocado por Léo, Djalma, Duda e Dom Pepe. Depois de 15 anos de incessante e múltipla labuta, pela primeira vez achei que podia me dar um tempo. Para descansar e pensar, para aprender. Mudei-me para o Residence Ripetta, um lindo prédio ocre do século XV, com pátio interno e a respectiva fonte, perto da Piazza del Popolo. Caminhava a esmo pela cidade, deslumbrado, horas seguidas sem destino, entrando e saindo de becos e vielas, vendo beleza e harmonia onde quer que o olho batesse. Comia na Bucca di Ripetta ou no Moro, recomendado por Chico Buarque, freqüentava os bares do Trastevere, tomava sorvete na Piazza Navona, ia ao estádio Olímpico para ver os jogos do “piu bello campionato del mondo”, estrelado pelos brasileiros Falcão e Cerezo no Roma, Zico no Udinese, Sócrates no Fiorentina, Júnior no Torino, Batista no Lazio, os grandes craques da geração de ouro de 82, que perdeu a Copa do Mundo para a Itália. Melhor, eu não suportaria. Para amenizar a culpa por tanta felicidade sem trabalhar, comecei a escrever crônicas para O Globo. Depois de mais uma vitória do Roma, gol de Cerezo, volto do estádio de ônibus com o novo amigo Paolo Scarnecchia, um jovem musicólogo formado pela Universidade de Roma, com uma tese sobre a música popular brasileira. Professor de música contemporânea, Paolo nunca foi ao Brasil mas fala um português fluente, com um estranho sotaque anglo-lusitano, e se apaixonou pela nossa música quando ouviu Milton Nascimento e Chico Buarque cantando “Cálice”, há cinco anos. Estudou português e montou com grande esforço uma heróica discoteca básica brasileira, de Ernesto Nazareth a Tom Jobim, de Hermeto Paschoal a Arrigo Barnabé, é fã extremado de Caetano Veloso e João Gilberto, tem um programa de rádio e escreve para uma prestigiada revista de música sobre MPB. Conheci Paolo durante o festival, no lobby do Hotel Fórum Imperiale, de plantão há dois dias na esperança perdida de uma entrevista, um aperto de mão ou mesmo uma visão fugaz de João Gilberto, trancado no quarto há dias. Comovido com a sua ansiedade e seu sotaque, levei-o comigo para o apartamento de João, que tinha convidado alguns amigos para um concerto íntimo. Paolo quase desmaiou quando entrou no quarto, onde já estavam Cazuza e Bebel, o secretário Otávio Terceiro e o empresário Krikor Kerkorian. E João cantando. Quando o dia nasceu, João mandou pedir café com leite, pão e mel para todos e Paolo foi para casa, mas não conseguiu dormir.

Conosco no ônibus, outro novo amigo, conhecido nos bastidores do festival, um garoto de 20 anos, que tem um programa diário de uma hora na FM favorita dos jovens romanos, a Dimensione Suono. O programa de Massimiliano de Tomassi se chama “Festa do som Brasil”, assim em português mesmo, e ele toca exclusivamente música brasileira. Mas são músicas muito diferentes das preferências mais eruditas de Paolo: Blitz, Rita Lee, Lulu Santos, Gilberto Gil, Marina e outros. Massimiliano é romano de várias gerações, nunca foi ao Brasil, mas fala um português quase perfeito, com sotaque carioca. Foi arrebatado pela música brasileira quando assistiu a um show de Jorge Ben há dois anos em Roma. Seu sonho é morar no Rio. E eu quero morar em Roma. As casas alaranjadas passam róseas pela janela do ônibus, ocres e terracotas através do vidro, cinema transcendental. Massimiliano me conta que a maior audiência na TV italiana é a série de 12 programas “Brasil, te Io do io”, que o comediante Beppe Grillo gravou no último verão no Brasil e é exibida pela RAI, às quintas, oito e meia da noite, para mais de dez milhões de espectadores. O programa já apresentou números musicais com Rita Lee, Antonio Carlos Jobim, Jair Rodrigues, Toquinho e Sargentelli e suas mulatas, que enlouqueceram os italianos. O sucesso é a mistura de humor, mulheres e música na viagem de Beppe pelo Brasil, de Manaus a Porto Alegre, com cada programa dedicado a uma capital, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro,  Recife e outras.  

No ar, com sucesso, duas telenovelas brasileiras, “Água viva” e a reprise de “Dancing Days”. A Som Livre abriu filial na Itália para vender discos com trilhas de novelas. Sônia Braga está na capa e em dez páginas escaldantes da Playboy italiana e nas telas estrelando Gabriela ao lado de Marcello Mastroiani. O sabor tropical vai da cama à mesa: um restaurante de Milão serve 200 feijoadas cada fim de semana. Toquinho faz uma série de apresentações superlotadas no Teatro Sistina, comemorando o Disco de Ouro que acaba de ganhar na Itália. A nova amiga Maria Giulia liga de Nápoles convidando para ouvi-la cantar música brasileira num bar de nome inesquecível: Ipanema. Outro bar, no Trastevere, o Manuia, sempre abarrotado, tem um clima muito parecido com o Beco das Garrafas carioca dos anos 60 e deve seu sucesso à presença e ao som do pianista e cantor Jim Porto, um negro gaúcho que vive em Roma há seis anos. Jim está lançando seu primeiro disco, que tem em três faixas o som do trompete de ninguém menos do que Chet Baker, que também vive na cidade e toca na noite. No elegante Hotel Hassler, na Via Sistina, o maestro Antônio Carlos Jobim é muito requisitado para entrevistas e dá uma concorrida coletiva para rádio, jornal e televisão, convalescendo de uma gripe e comemorando o sucesso de seus dois shows em Roma, depois de triunfal apresentação com a Filarmônica de Viena.

Quando os repórteres saem, conto-lhe excitado tudo de bom que está acontecendo com o Brasil na Itália. Da janela de sua suíte, Tom Jobim contempla o crepúsculo alaranjado harmonizando seus tons com os do casario ocre e rosado, pede mais um conhaque, adia a volta e exclama: “O Brasil é aqui!” Vou com Jim Porto ver e ouvir Chet Baker. Antes que ele acabe. No Brasil, poucos ouviram falar dele, apesar de sua importância na história do jazz e da música brasileira, raros o ouviram tocar seu trompete e cantar. Aos 55 anos ele (ainda) está vivo, não muito bem, e se apresentando no Music Inn, uma caverna escura, uma catacumba contemporânea, antro de jazzistas romanos. Ele foi o primeiro, um pouquinho antes da bossa nova, a encostar seus lábios no microfone e cantar com um mínimo de volume e um máximo de precisão e invenção musical no histórico Chet Baker Sings, um marco na história do cool jazz e da bossa nova, gravado em 1954 e lançado dois anos depois. Mas enquanto João, iogue-zen-baiano, se aperfeiçoava na arte da disciplina, a heroína destruía Chet Baker. Sob as luzes mortiças do pequeno palco, ele parece uma múmia de si mesmo quando jovem, quando era belo como um james-dean. O nariz pequeno e fino, os lábios bem desenhados sobrevivem no rosto magro e encovado mas, ao menor movimento, a pele cor de cera parece se soltar da carne, as muitas cicatrizes se confundem com as rugas fundas que lhe marcam o rosto de garoto envelhecido. Atrás dos óculos, seus olhos baços olham para baixo quando começa a tocar, apontando o trompete para o chão.

Sua entrada é hesitante, é claro que houve pouco ou nenhum ensaio com os músicos italianos que o acompanham, um flautista péssimo, um pianista horrível e um baixista razoável, que se esforçam em vão. Chet começa a acertar uma frase aqui e outra ali, começa a engrenar. Os solos dos italianos são longos e chatos e ele termina a música rapidamente. Magro e enfraquecido, dentro de um paletó de veludo marrom de lapelas antigas e largas, sua perna balança dentro de uma calça folgada, os cabelos louros alongam-se, esgarçados, abaixo do colarinho da camisa, alternam tufos mais lisos e claros com outros mais queimados e ondulados, que emolduram seu rosto esquálido e seus olhos fundos. Me angustio imaginando como Chet, tão frágil, terá forças para soprar seu trompete e cantar. Mas ele toca, quase bem, uma segunda música, seu solo tem algumas frases inspiradas, entre clichês e notas aleatórias. Durante o longo e insuportável solo do flautista, Chet senta-se na bateria vazia e começa a marcar o ritmo, levíssimo, quase sem encostar a baqueta no prato, fazendo o metal apenas sussurrar, parecendo buscar o mínimo de som necessário para produzir um ritmo ágil, leve e preciso. Um sonho gilbertiano.

Na terceira música Chet toca de verdade, seguro e sutil, elegante, e até os músicos tocam bem melhor, mais discretos e precisos. É um samba bonito de origem desconhecida, talvez dele mesmo, mas que poderia ser assinado por Tom Jobim, com uma melodia fluente sobre arrojadas estruturas harmônicas. Na penumbra, por momentos, achei que ouvia, como se estivesse ali implícito, o violão de João, assim como meu coração ouvia a bateria que Chet só insinuara antes. Ele tira o microfone do pedestal com alguma dificuldade, senta-se em um banco alto e marca o ritmo com a perna magra balançando dentro da calça larga. E canta. Como sempre. Como nunca: “I remember you you’re the one who makes my dreams come true...”Um clássico do jazz num fio de voz afinado e enxuto, navegando em um ritmo vertiginoso. Improvisa com a voz, como se fosse um trompete doce, criando frases musicais surpreendentes, canta de olhos fechados e cabeça baixa e sabe Deus do que se lembra quando diz “I remember”.

Mais uma música, solta e disforme, Chet sopra alguns clichês e, cansado, avisa que vai fazer um pequeno break. Preciso respirar e vou com Jim até a rua para um pouco de ar fresco. Falamos de Chet. Muito jovem ele se tornou uma big estrela do jazz da West Coast, cool e refinado, influência decisiva na melhor música americana dos anos 50. Depois naufragou num mar de heroína, dívidas e desamparo. Nas margens do submundo do crime, com o corpo marcado de picadas e sem trabalho, com os dentes quebrados por surras de traficantes, parou de tocar. Preso várias vezes e desmoralizado nos Estados Unidos, recompõe a boca, reaprende a embocadura fundamental de seu instrumento e vai para a Europa, onde zanza meio molambo pelos circuitos de jazz, gravando inúmeros discos de qualidade irregular por qualquer dinheiro. Mas mesmo assim produz o belíssimo álbum duplo The Touch of Your Lips e algumas faixas memoráveis com jazzistas franceses e alemães. No final desse filme B em preto-e-branco não há happy end e a heroína é a vilã da história que ainda não terminou.

Chet volta ao palco, toca caoticamente mais dois temas, com os músicos italianos perdidos entre partituras, e em seguida o show termina, com ele cantando “There Will Never Be Another You”, com o rosto contorcido pelo esforço e a expressão dolorida, mas sussurrando
as palavras com grande delicadeza e surpreendente precisão. Nunca haverá um outro (como) você, ele canta. Nunca. Parecia um cenário do Decameron de Pasolini. Um palazzo do Quatrocento, de três andares, com paredes pintadas de ocre, pisos de mármore, um pátio interno cheio de estátuas e, nos fundos, um jardim de laranjeiras florido. Era a sede da TV Globo International, dirigida por Roberto Filipelli, onde trabalhavam, contando secretárias e assistentes, meia dúzia de pessoas. Um discreto e eficientíssimo escritório comercial que estava gerando mais de US$ 10 milhões por ano com a venda de novelas e programas da TV Globo para o mundo inteiro. E a Itália era o principal mercado. Três novelas brasileiras estavam sempre em exibição nos canais de Silvio Berlusconi, concorrente direto dos três canais da RAI com a recente quebra do monopólio estatal na Itália. A convite de Filipelli e usando os arquivos da TV Globo, montei uma série de cinco programas musicais, “The Voice of Brazil”. Escrevi o roteiro e as apresentações dos artistas, narrei em inglês e ele vendeu para a Europa inteira e dezenas de outros países nas feiras internacionais de televisão. Um dos programas era com os big stars Roberto, Elis, Gal, Bethânia, Tom Jobim, João Gilberto, Chico, Gil, Caetano, Tim Maia, outro com os grandes mestres Caymmi, Cartola, Luiz Gonzaga, outro com a nova geração, Lulu, Marina, Paralamas, Lobão, Blitz, um dedicado a grandes instrumentistas como Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal e um gran finale com grandes duplas como Gal e Elis, João Gilberto e Rita Lee, Caetano e Paulinho da Viola, e um sensacional dueto de Gilberto Gil e Chico Buarque, o negro com a cara pintada de branco e o branco com a cara preta, debochando do racismo em “A mão da limpeza”.

Com um pequeno intervalo, duas péssimas notícias do Brasil: Marília me dizendo que Júlio Barroso tinha se jogado da janela de seu apartamento em São Paulo. E meu pai contando que a emenda das “Diretas já” fora derrotada no Congresso, com o general Newton Cruz chicoteando carros em Brasília sob “estado de emergência”. Chorei de tristeza e de raiva. Todo mundo sabia que o regime militar estava moribundo e que a liberdade era inevitável, a ditadura caía de podre. Mas Júlio estava morto de verdade. Embora fosse impossível para mim  acreditar que tivesse se suicidado: ele amava apaixonadamente a vida e, com todos os seus excessos, não era dado a depressões. Muito pelo contrário. Mas foi a primeira informação que Marília ouviu, pelo rádio. Falei depois com vários amigos, devastados, no Rio e em São Paulo. Da cama à altura da janela aberta, Júlio caiu para a morte, talvez dormindo, talvez bêbado, drogado, dançando, trepando ou tudo isso junto. Jamais se jogaria. Meses antes estive com ele em São Paulo, fomos almoçar no Hotel Maksoud. Estava elegantíssimo de terno, camisa, tênis, tudo branco, falando com entusiasmo do novo disco da Gang 90, Rosas e tigres. Júlio me pareceu até mais comedido nos drinques, mais profissional, mais maduro. Amoroso e divertido como sempre e criativamente em grande forma. O material do novo disco era de alto nível, totalmente Júlio. Uma tragédia, uma perda colossal, um buraco na nossa alegria e na música e poesia do Brasil. Em Roma, a vida seguia boa, ótima, cheia de amigos novos e reforçada por uma longa temporada de antigos, como Euclydes Marinho, roteirista das séries “Malu mulher” e “Quem ama não mata”, grandes sucessos da TV Globo, e Dom Pepe, o DJ, que ficaram quase três meses na cidade.

Inicialmente no Ripetta, depois nos mudamos todos para um outro residence na Via Archimede, em Parioli, que tinha a deliciosa trattoria Da Domenico no térreo. Cama e mesa e metade do preço do Ripetta. Noites no Trastevere. Dias de sol na Cidade Eterna. A alegria e simpatia dos italianos, sua democracia, sua política caótica e divertida, sua língua musical de alta expressividade, sua malandragem e civilização. Às vezes me sentia quase culpado por tanta felicidade e beleza, trabalhando tão pouco e tão longe de minhas filhas, que teriam por algum tempo “menos pai” mas, eu esperava, depois teriam um “pai melhor”. De fato: em Roma me livrei da cocaína e da bebida. Mergulhei na cultura da beleza e da harmonia, do bel canto e dos museus. Tomávamos uns vinhos aqui e ali, fumávamos um ou outro “spinello” de haxixe e o mais era saúde e alegria. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a cocaína reinava nas boates, nas festas, nos estúdios, nos escritórios e nas casas. E até nas areias escaldantes de Ipanema. Certo dia uma rodinha se formou em torno da barraca de um conhecido maestro, que esticou várias carreiras de pó, e todos cheiraram alegremente, em pleno sol do meiodia, entre barracas coloridas e vendedores de mate e limãozinho. Foi o fim da linha. No
Rio, a cocaína era tanta e em tantos lugares que era quase impossível sair do círculo viciado. Em Roma, onde eu conhecia pouca gente e ninguém do ramo, quebrar o hábito não foi tão difícil. A vida melhorou muito.Do Rio chega ótima notícia: uma nova banda paulista estoura em todo o Brasil com um rock debochado e de explosiva carga política. Mais que um hino de campanha, era uma resposta à derrota da emenda das Diretas, numa linguagem agressiva, irônica, contundente, muito diferente das canções de protesto dos anos 70.

Ninguém mais falava em “dia de amanhã” e em “faca de ponta”, em pescadores e sertanejos: o Ultraje a Rigor exigia o amanhã agora e desmoralizava pelo humor e o ridículo a estrebuchante ditadura. E, além disso, contam Léo e Djalma do Rio, a música fazia a pista do Noites Cariocas pular feito pipoca. Em Roma, quando ouvi o disco, tive um ataque de riso histérico e vitorioso, saboreei a vingança como uma goiabada e fiquei morrendo de saudades do Brasil. Todos os garçons do Da Domenico e metade do Parioli devem ter aprendido a letra de “Inútil”, que tocava constantemente e em alto volume no meu apartamento. “A gente não sabemos escolher presidente, a gente não sabemos tomar conta da gente a gente não sabemos nem escovar os dentes, tem gringo pensando que nóis é inteligente, Inútil A gente somos inútil, Inútil A gente somos inútil...” No Noites Cariocas, numa noite gelada e chuvosa de agosto, pouca gente se animou a subir o morro para ver uma nova banda de rock de São Paulo. “Poucos bondinhos com poucos consumidores muito desanimados”, reportava Djalma sonolento da estação para o escritório. Entre os poucos que subiram, uma garota de longos cabelos negros cacheados e uma enorme boca vermelha, moradora da vizinha Urca e
habitue do Noites, louca por música. Ela tinha 17 anos mas como era muito alta nunca teve problemas para entrar. Embora muitos garotos e garotas da mesma idade, mas não tão altos, também contassem com a boa vontade de Duda e Djalma e dos porteiros para se divertir no Noites. O espaço aberto favorecia um clima mais relaxado, onde a polícia não entrava e as brigas e problemas de violência eram mínimos e raríssimos. Paz, amor e rock and roll entre as nuvens. A morena era aluna do Colégio Andrews, conhecida por cantar o dia inteiro, a qualquer hora e em qualquer lugar; estudava canto lírico, queria ser cantora de ópera, mas adorava música brasileira e rock. Por cantar tão bem ela tinha participado, com 15 anos, da montagem de Rock horror show que o jovem ator Miguel Falabella dirigiu com alunos do Andrews num animado curso de teatro de três meses. Foi quando Marisa Monte subiu pela primeira vez num palco e, mesmo com um papel pequeno, foi a grande estrela dos espetáculos. Agora estava subindo o morro para ver a banda de rock paulista.

Mas eles não eram só rock, eram reggae, punk, brega, tudo junto, refletindo a diversidade dos seus oito integrantes, mais um lançamento de sucesso da Warner e de Pena Schmidt. No início eles se chamavam Titãs do Iê-Iê. Quando André Midani me disse que tinha contratado essa nova banda, achei o nome hilariante e me decepcionei um pouco quando o disco saiu só como Titãs. Mas mesmo gravado num estúdio vagabundo com som ruim, o Lp tinha coisas muito boas: além do hit “Sonífera ilha” (“Não posso mais ficar assim ao seu ladinho/ por isso colo meu ouvido num radinho de pilha...”), uma ótima versão para o reggae jamaicano “Patches” (“Marvin”) e uma grande música, o reggae “Go Back”, que o tecladista Sérgio Brito fez sobre um poema do tropicalista Torquato Neto, que se suicidou em 1972: “Você me chama, eu quero ir pro cinema Você reclama meu coração não contenta você me ama mas de repente a madrugada mudou. E certamente aquele trem já passou e se passou passou daqui pra melhor, foi Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder.” O pequeno público do Noites conhecia vagamente os Titãs, porque Sonífera ilha” tocava muito no rádio e eles apareciam freqüentemente no programa do Chacrinha na televisão. Além disso, o público local não tinha muita simpatia por bandas paulistas e poucas escapavam da intolerância regional. Poucos meses antes, os Titãs tomaram uma vaia monumental na sua estréia carioca, numa noite caótica e violenta no Circo Voador, dividida com bandas de heavy metal, sob uma chuva de latas de cerveja. O público do Noites também vaiou algumas músicas, vaiou o sotaque, as roupas e os cabelos, mas a banda reagiu com coragem e entusiasmo e produziu um show poderoso, com grande movimentação em cena, energia titânica. André Jung, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sergio Brito e Tony Belotto não eram grandes instrumentistas nem cantores, muito pelo contrário, mas as músicas e a atitude eram ótimas: eles tinham muito estilo e eram infinitamente melhores ao vivo do que em disco. A morena da Urca adorou.

Além da Fluminense FM, do Circo Voador e do Noites Cariocas, o Rock Brasil tinha seus maiores apoios no Jornal do Brasil, com o crítico  Jamari França e o repórter Arthur Dapieve, e em O Globo, com o casal Ana Maria Bahiana e José Emilio Rondeau, que também escreviam para diversas revistas de música. Ana era uma das melhores (e certamente a mais aplicada) entre os críticos de música de nossa geração e foi minha “interina” nos últimos tempos da coluna em O Globo. Nos anos 70, participou da edição brasileira da Rolling Stone, de breve e delirante vida, manteve durante cinco anos um precioso Jornal da Música com Tarik de Souza e Ezequiel Neves (onde Júlio Barroso começou a escrever), e no início dos anos 80 lançou com José Emílio a revista Pipoca Moderna, que tinha entre seus colaboradores Walter Salles Jr., como crítico de cinema, e Paulo Ricardo Medeiros escrevendo sobre rock. Na Pipoca, as novas bandas receberam calor e impulso e começaram a estourar. Feito pipoca.




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