sábado, 29 de agosto de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Rosa de Ouro

“Rosa de ouro, que tesouro
ter essa rosa plantada em meu peito
Rosa de ouro, que tesouro
ter essa rosa plantada no fundo do peito...”
PAULINHO DA VIOLA, HERMÍNIO BELLO e ELTON MEDEIROS,


“Rosa de Ouro” O Rosa de Ouro foi um musical imaginado, fomentado e construído a partir das experiências ocorridas no Zicartola. Em 1965, no Teatro Jovem – no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro –, Aracy Cortes, Clementina de Jesus, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Paulinho da Viola, Nelson Sargento e Anescar do Salgueiro, dirigidos pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho, fizeram o público e a imprensa se curvarem diante do elenco que apresentava músicas de Geraldo Pereira, Paulo da Portela, Ismael Silva, Henrique Vogeler, Lamartine Babo, Sinhô.
Era louvável que a burguesia da Zona Sul carioca e a imprensa batessem palmas para um repertório formado marcadamente por sambas ditos tradicionais. E também para o clima de rancho carnavalesco, de jongo e corimas, de teatro de revista em tempo de bossa nova. Uma das grandes surpresas para o público nesse espetáculo foi a revelação de Clementina de Jesus. Descoberta por Hermínio Bello no morro da Mangueira, Clementina estreou na vida artística com mais de 60 anos de idade. Sua voz reverberava as raízes negras entoando os caxambus, jongos, lundus e corimas aprendidos na infância.
“O palco escurecia, os atabaques rufavam e um facho de luz acompanhava a entrada em cena daquela majestática figura, envolta em rendas. A voz poderosa ecoava grave na acústica do Teatro Jovem, o público em religioso silêncio: ‘Benguelê/ Benguelê/ Benguelê/ Ó Mamãe Simba, Benguelê’. ” E chegava Clementina...
O Rosa de Ouro firmou a imagem de valorosos compositores de samba e lançou, ao lado de Clementina, o talento do jovem Paulinho da Viola. 

Opinião
“Podem me prender
podem me bater
podem até deixar-me sem comer
que eu não mudo de opinião...”
ZÉ KÉTI, “Opinião”

Possivelmente, o show Opinião foi a primeira resposta musical ao golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart. Para o amigo leitor ter um painel da dramaticidade do golpe, não havia 20 anos que o Brasil saíra do Estado Novo getulista. A cultura estava em ebulição, a sociedade se organizando, as instituições democráticas respirando e lá se foi, com
o comício de João Goulart pelas reformas de base (saúde, educação, saneamento, reforma agrária), o sonho de erguer um país politicamente plural, de sólidas raízes democráticas.


O golpe de 1964

O ano de 1964 poderia entrar para os anais da história como “o ano que não deveria ter existido”. Era o início de um ciclo que há muito a UDN – União Democrática Nacional, partido formado por setores “moralistas” da classe média, pelo empresariado ligado ao capital internacional e por políticos conservadores de direita – tentava implantar. O golpe militar de 1964, realizado na madrugada de 1o de abril, afetou diretamente a vida cultural do
país. A Rádio Nacional, por exemplo, passou a perseguir os artistas que eram vistos como “comunistas”, após intervenção dos militares. Era o macarthismo tupiniquim. A cantora Nora Ney e seu marido, o também cantor Jorge Goulart, tinham posições políticas socialistas e haviam excursionado pelos países do Leste europeu. Por conta da firmeza de seus ideais políticos o casal seria muito perseguido pelo violento governo militar. Nora Ney e Jorge Goulart foram os primeiros cantores a serem demitidos da Rádio Nacional.


Debaixo do fechamento do Congresso Nacional, o samba unia-se aos descontentes com a quartelada. Ainda não era 1968 (fatídico ano do Ato Institucional no 5, medida que abriu as portas para a tortura e o “desaparecimento” de inúmeros militantes antigolpe), e a oposição ao regime ainda podia mostrar suas asinhas.
Esse foi o papel do Opinião – aglutinar força e opinião contra a ditadura. Sob a direção de Augusto Boal, com texto de Armando Costa, Paulo Pontes e Oduvaldo Viana Filho, a peça estreou no dia 11 de dezembro de 1964 no teatro do shopping center da rua Siqueira Campos, em uma realização do grupo Opinião com o Teatro de Arena de São Paulo.
A montagem era resultado do trabalho dos Centros Populares de Cultura ligados à UNE. Nela atuavam um compositor do morro, Zé Kéti, um do campo, João do Vale, e uma jovem oriunda da bossa nova, Nara Leão (depois substituída pela baiana Maria Bethânia), com direção musical de Dori Caymmi.
Por sua relevância na trajetória do samba, vamos olhar um pouco mais de perto alguns dos personagens desses antológicos musicais. Parênteses: como já foi dito, Paulinho da Viola começou sua vida “profissional” no Zicartola, mas seu trabalho já foi mais detalhadamente comentado no capítulo “O samba das escolas”, visto que é na escola portelense que seu coração deitou fortes raízes.




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