Por Tito Guedes
Houve um tempo no Brasil em que as pessoas discutiam música como se falassem de futebol. Artistas que logo depois se transformariam em eternos ídolos nacionais despontavam quase simultaneamente. Famílias se reuniam diante da TV, então um novo e emergente objeto de consumo, para escutar e sobretudo torcer por música. As novidades do cenário musical do país ganhavam as primeiras páginas dos jornais e despertavam discussões acaloradas.
Descrito assim, esse tempo pode parecer fictício, mas realmente existiu e é hoje conhecido como a Era dos Festivais. Abarcando o período de 1965 a 1972, foi marcado por uma série de competições de música popular que aconteciam anualmente, promovidos sobretudo pelas emissoras de TV.
Trata-se de um momento decisivo para a música brasileira. Foi na Era dos Festivais, por exemplo, que surgiram ou se revelaram ao grande público nomes da importância de Elis Regina, Milton Nascimento, Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Gonzaguinha, Ivan Lins, Evinha e muitos outros.
Simultâneo a um período de grande ebulição política, com a instauração da ditadura militar, esses festivais ajudaram a configurar novas formas de se pensar a cultura brasileira, trazendo para a esfera da música popular discussões políticas, estéticas, culturais, sociológicas e filosóficas. Tudo isso em meio a performances arrebatadoras, com torcidas ferrenhas, polêmicas e reviravoltas dignas de Hollywood.
O marco inicial da Era dos Festivais foi o evento promovido pela TV Excelsior em 1965, mas antes de chegar a ele é preciso voltar um pouco no tempo. Desde os anos 1930, competições de música popular eram comuns no Brasil. Tome como exemplo os famosos concursos de marchinhas patrocinados anualmente pela Prefeitura do Rio de Janeiro para escolher o hit do Carnaval.
Fora isso, pouca gente sabe, mas cinco anos antes do histórico festival da Excelsior, em 1960, a TV Record promoveu a I Festa da Música Popular Brasileira. Inspirando-se no famoso Festival de San Remo, da Itália, aconteceu no sofisticado Grande Hotel do Guarujá, no litoral paulista.
O evento, no entanto, não ganhou muita repercussão em termos musicais. Não foi televisionado, não contou com a participação de grandes estrelas e a vencedora "Canção do pescador" (de Newton Mendonça), não tocou nas rádios. Além disso, a música ficou em segundo plano em detrimento das distrações que o hotel cinco estrelas oferecia e do concurso de misses, que acabou roubando a cena no evento.
Cinco anos depois, no entanto, o produtor Solano Ribeiro resolveu retomar a ideia de criar um festival competitivo de música no Brasil, e dessa vez pra valer. O I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior aconteceu entre os dias 23 de março e 06 de abril de 1965 e arrebatou a audiência.
Durante cerca de duas semanas, o Brasil torceu por músicas como “Sonho de um carnaval”, de Chico Buarque, “Valsa do amor que não vem”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, e “Cada vez mais Rio”, de Luiz Carlos Vinhas e Ronaldo Bôscoli. Essas e outras canções eram defendidas por intérpretes como Wilson Simonal, Elizeth Cardoso e Geraldo Vandré.
Mas a grande vencedora foi “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. A canção foi defendida por Elis Regina, que ali se revelou ao grande público como uma cantora potente e madura, pronta para se tornar uma verdadeira estrela.
A interpretação de Elis para essa música foi um divisor de águas não apenas em sua carreira, mas na história da música brasileira. Com “Arrastão”, ficou consolidada o que chamaram “música de festival”, que passaria a ser adotada pela maioria dos compositores dali pra frente.
A temática engajada, a letra poética e a melodia forte e contagiante passaram a ser a nova tendência musical do Brasil. Era novo e moderno, mas dialogava com o samba, a bossa nova e o jazz. Sem caber em uma definição específica, passaram a chamar esse tipo de música de MPB - Música Popular Brasileira. Nascia assim um novo gênero e uma verdadeira instituição cultural do país.
Pelos anos seguintes, uma série de novos programas nesses moldes surgiram em outras emissoras e a Era dos Festivais entrou para o centro das discussões mais importantes do país. O fato é que depois desse festival, nada mais foi como antes na música brasileira.
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