segunda-feira, 13 de abril de 2020

MORAES MOREIRA DEIXOU SUA MARCA NO CARNAVAL, NO POP E NO CORDEL

Cantor e compositor baiano, que morreu de infarto, na segunda-feira, fez uma revolução estética ao lado dos Novos Baianos, deixando canções amadas pelo povo. Ele também era cordelista de mão cheia

Por Pedro Galvão


Leandro Couri/EM/D.A Press

“Eu sou um pássaro que vivo avoando/ Vivo avoando, sem nunca mais parar/ Ai ai, ai ai saudade/ Não venha me matar”. Autor de dezenas de letras que o Brasil sabe na ponta da língua – como esta, de Preta, pretinha –, Moraes Moreira seguirá “avoando” na memória dos fãs. O cantor, compositor e instrumentista baiano, que morreu na segunda-feira (13), aos 72 anos, é responsável por algumas das páginas mais populares do nosso cancioneiro, especialmente durante seu período junto aos Novos Baianos, banda que fundou ao lado de Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão.

De acordo com assessores, o músico sofreu um infarto. O corpo foi encontrado pela empregada no apartamento onde ele morava sozinho, na Gávea, Rio de Janeiro. “Menino do sertão da Bahia. Ouviu encantado a música do mundo e fez dela seu universo expressivo. Deixa saudade e uma grande obra”, despediu-se Gilberto Gil, no Twitter.

“Gênio da música brasileira, fundamental referência para todos nós. Ele sempre foi o nosso poeta do carnaval. O primeiro a colocar voz em um trio elétrico. Dono de um repertório carnavalesco único. Obrigada, Moraes!”, afirmou a cantora Daniela Mercury.

A trajetória marcada pela diversidade musical, que combinou a guitarra de ídolos como Jimi Hendrix ao samba e ao frevo, começou há 50 anos. No fim dos anos 1960, o jovem de Ituaçu, no agreste baiano, mudou-se para Salvador. Além do contato com um universo mais amplo, alimentado pelo rock psicodélico feito lá fora e pela bossa nova de João Gilberto, de quem se tornaria amigo, Moraes encontrou, na pensão onde morava, os companheiros que mudariam a sua vida: o poeta Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor, cujo nome já indicava o ofício.

Desde adolescente, Moreira tocava violão. Em pouco tempo, o trio se juntou a Baby Consuelo e Pepeu Gomes para formar o grupo Novos Baianos, em 1969. Esta banda revolucionou o mercado fonográfico brasileiro com sua nova música pop, sustentada nas raízes rítmicas regionais.

Moreira participou de cinco álbuns de estúdio dos Novos Baianos, compondo quase todas as letras ao lado de Galvão: É ferro na boneca (RGE, 1970), Acabou chorare (Som Livre, 1972), Novos Baianos F.C. (Continental, 1973), Novos Baianos (Continental, 1974) e Vamos pro mundo (Som Livre, 1974). Acabou chorare se consagrou como um dos discos mais importantes da música brasileira pela potente mistura de samba com o rock psicodélico e letras criativas.

Em 2007, numa votação da revista especializada Rolling Stone para escolher os 100 maiores discos da música brasileira, Acabou chorare ficou em primeiro lugar. Moraes Moreira teve participação fundamental nos arranjos, versos e vozes. O repertório trazia alguns refrões inesquecíveis, como “Por que não viver/ Não viver esse mundo?/ Por que não viver/ Se não há outro mundo?”, de Besta é tu, e “Eu ia lhe chamar/ Enquanto corria a barca”, de Preta, pretinha.

Em 1975, Moraes Moreira deixou os Novos Baianos, com quem se reuniria novamente em 2015, para uma turnê especial. Passou a se dedicar a projetos pessoais e novas parcerias. Em 1975, lançou o primeiro disco solo, batizado com seu nome. Dois anos depois, em Cara e coração, veio um de seus maiores sucessos: Pombo-correio.

Sempre ligado ao carnaval, por meio do frevo, do samba ou da guitarra baiana, tornou-se vanguarda da folia de Salvador. Foi o primeiro a cantar em cima de um trio elétrico na companhia de Dodô e Osmar, ainda em 1975. A notável vibração carnavalesca rendeu hinos como Vassourinha elétrica, Bloco do prazer e Festa do interior, muito conhecida também na voz de Gal Costa. Em 1979, ele lançou Lá vem o Brasil, descendo a ladeira, cuja faixa-título se tornou outro hit.

Moraes Moreira gravou cerca de 40 álbuns, contando as fases com o Novos Baianos, a carreira solo e outras parcerias. O último deles foi Ser tão, de 2018, mais voltado para a literatura de cordel. Antes disso, em 2015, lançou Nossa parceria, gravado com o filho e guitarrista Davi Moraes, ex-marido de Maria Rita, filha de Elis Regina.


MINAS 

Em 2017, a história pioneira de Moraes foi homenageada pelo bloco Baianas Ozadas, o maior do carnaval belo-horizontino, em seu desfile.

“Ele foi o primeiro cantor de trio elétrico, quando cantou com Dodô e Osmar, em 1975. Tem importância enorme para o carnaval baiano. Também colocou letra num clássico, Pombo-correio, de Dodô e Osmar. Além disso, foi o primeiro a trazer a batida do ijexá para o violão. Não se pode falar da nova axé music sem falar de Moraes Moreira”, diz Geo Cardoso, vocalista e fundador do Baianas Ozadas, que dividiu palco com Moreira no ano da homenagem.

Para João Cabral, integrante da banda belo-horizontina Novos Baianos Futebol Clube, dedicada a reinterpretar o repertório do grupo, “Moraes foi a principal ponte com a música brasileira para firmar os Novos Baianos enquanto movimento revolucionário, o que ficou muito evidente quando ele deixou a banda.”

Moraes esteve em BH pela última vez em 2019 (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

A última passagem de Moraes por Belo Horizonte ocorreu em 2019. Ele foi uma das atrações da Virada Cultural. No palco montado no Parque Municipal, o baiano apresentou alguns de seus principais sucessos, acompanhado apenas pelo violão, e demonstrou paciência para lidar com problemas técnicos no equipamento de som. (Colaborou Augusto Pio)


QUARENTENA

Moraes Moreira expressou em versos a chegada da pandemia na semana em que o brasileiro começava a se isolar por causa da COVID-19. Em 17 de março, em seus perfis nas redes sociais, publicou o poema Quarentena, em que falava sobre outros problemas que o afligiam no país, como o machismo, a violência e o preconceito. “Eu temo o coronavírus/ E zelo por minha vida/ Mas tenho medo de tiros/ Também de bala perdida”, dizia ele, citando a formação de milícias e o assassinato de Marielle Franco. “O que vale é o ser humano/ E sua dignidade/ Vivemos num mundo insano/ Queremos mais liberdade”, escreveu o poeta.

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