sábado, 18 de abril de 2020

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

45 anos deste antológico álbum em pró da cultura popular 

Por Luiz Américo Lisboa Junior 



Orquestra Armorial (1975)

A produção artística brasileira sempre esteve ligada a movimentos ocorridos nas principais cidades do sul do país, mesmo que seus protagonistas fossem de outras regiões e isso é facilmente explicado pelo fato de o Rio de Janeiro e São Paulo oferecerem toda a estrutura e visibilidade necessárias para o lançamento e popularização de todas as manifestações surgidas. A primeira foi ate 1960 capital do país e a segunda seu eixo financeiro mais forte, conseqüentemente nelas concentravam-se as gravadoras, principais estações de radio, jornais, os mais importantes museus, enfim quem quisesse vencer na vida artística tinha que emigrar para o sul do país, alcançando o sucesso, ele se estenderia ao resto do território e tornava-se portanto um elemento unificador da cultura nacional representada por seus expoentes das varias regiões. Foi assim que o fenômeno Luiz Gonzaga nos anos cinqüenta se estabeleceu, e o Brasil de norte a sul ouviu seu canto e conheceu melhor e mais profundamente a cultura do Nordeste.

Muitos movimentos estabelecem um percurso contrario, ou seja, surgem em seus locais de origem e depois de consolidados são divulgados nos centros mais desenvolvidos, apesar de não ser uma regra eles ocorrem quando se verifica que a força regional e a qualidade da sua produção cultural se tornam unânimes em sua comunidade e o seu lançamento e posterior divulgação em escala maior é apenas a continuação de um trabalho já cristalizado, contribuindo assim para diminuir a dependência dos centros mais prósperos e valorizando a capacidade local de se fazer ouvir com mais intensidade, proporcionando um movimento descentralizador e independente, fenômeno que se ocorreu com menos intensidade nos anos setenta e oitenta, veio com o crescimento das regiões metropolitanas a afirmar-se criando um mercado próprio e auto sustentável.

As manifestações de caráter regional que tomou conta do país foi batizado de Movimento Armorial tendo entre seus idealizadores Ariano Suassusa e Cussy de Almeida. Com uma proposta de divulgar a arte nordestina na musica, teatro, literatura e artes plásticas, foi buscar em nossas tradições mais profundas o seu sentimento nativista produzindo uma expressão artística tipicamente nacional fundada em nossos mitos e na cultura popular. No dizer de Ariano Suassuna a Arte Armorial Brasileira "é aquela que tem como traço comum principal a relação com o espírito realista e mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste, Literatura de Cordel, com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse romanceiro relacionados".

O especifico da musica criou-se, a Orquestra Armorial de Câmara cuja estréia deu-se em 18 de outubro de 1970 na igreja de São Pedro dos Clérigos em Recife, data também do lançamento oficial do Movimento. Com uma sonoridade que traduz todo um sentimento de brasilidade nordestina, a música armorial se propõe a realizar uma arte brasileira erudita a partir de raízes populares, utilizando instrumentos típicos de nossa ancestralidade musical que remontam o barroco do século XVIII, como a rabeca, a viola, o clavicórdio e a viola de arco.

Em 1975 a Continental lançou o primeiro LP da Orquestra Armorial e o que era um movimento artístico regional localizado tornou-se numa das maiores expressões nacionais de cultura dentro da vanguarda artística contemporânea brasileira. Com um repertório composto de 12 peças, destacam-se de Cussy de Almeida o principal compositor do movimento a Abertura (em duas partes), Nordestinados, Aboio e o Kyrie. O maestro Guerra Peixe um de seus mais entusiásticos divulgadores comparece com Galope e Mourão. Capiba um dos mais representativos compositores pernambucanos contribui com Sem lei nem rei, o flautista Jose Tavares de Amorim com Ciranda armorial e Pífanos em dobrado, ambas executadas com pífanos populares feitos de taboca. Por fim temos Terno de pífanos, de Clóvis Pereira e Repentes, de Antonio Jose Madureira.

A importância do Movimento Armorial é fundamental para a compreensão das nossas raízes culturais fincadas no imaginário popular, sua musica forte, doce e contemplativa nos remete a vastidão das terras nordestinas, proporcionando-nos um retorno a nossa ancestralidade e retomando uma linha evolutiva de nosso cancioneiro que deságua na exata dimensão da compreensão plural de um país que se completa e se agiganta com suas múltiplas expressões culturais, unificando-o em sua diversidade e fortalecendo sua identidade.

O disco da Orquestra Armorial lançado originalmente em 1975 foi um marco nessa proposta renovadora das artes brasileiras, surgiu de uma necessidade de se revisitar a cultura popular a partir do Recife e indo parar nos mais importantes centros do país como a legitima expressão de uma arte que nos representa em plenitude.

Hoje em dia talvez sejam poucos os que conhecem a musica armorial, no entanto é necessário que ela se revitalize para que com todas as facilidades de comunicação que temos ela se faça mais presente para sedimentar em nós o sentido da nossa afirmação enquanto brasileiros.


Itabuna,
15 de junho de 2005.


Músicas:
1) Abertura (Cussy de Almeida)
2) Galope (Guerra Peixe)
3) Ciranda armorial (Jose Tavares de Amorim)
4) Nordestinados (Cussy de Almeida)
5) Repentes (Antonio Jose Madureira)
6) Terno de pífanos (Clóvis Pereira)
7) Aboio (Cussy de Almeida)
8) Mourão (Guerra Peixe)
9) Pífanos em dobrado (Jose Tavares Amorim)
10) Sem lei nem rei - 1º. Movimento (Capiba)
11) Kyrie (Cussy de Almeida)
12) Abertura (Cussy de Ameida)

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