sábado, 25 de abril de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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• CAPÍTULO4 •
O SAMBA DAS ESCOLAS


Sem dúvida alguma o carnaval é o momento de esplendor do samba. Sua organização mobiliza milhões de pessoas pelo Brasil, e ele acabou por tornar-se o maior símbolo cultural brasileiro no exterior. Nem sempre, porém, o carnaval carioca teve como trilha sonora o samba.
Espaço aberto para a diversidade musical, o carnaval era festejado com trechos de ópera, chulas de palhaço de circo, polca, mazurca e valsa. Só depois do lançamento de “Pelo telefone” o samba iria, aos poucos, fazendo seu império.
Essas músicas carnavalescas saíam das revistas apresentadas na praça Tiradentes ou da Festa da Penha, realizada nos quatro domingos de outubro com um arraial ao sopé do morro em que se ergue a igreja. Mas a primeira música composta especificamente para o carnaval, em 1885, “Flor do sereno”, remonta aos cordões – grupamentos de brancos, negros e mestiços que, fantasiados, ao som de instrumentos de percussão, dançavam pelas ruas de forma desorganizada.
Uma das formas mais gostosas de se pular a folia de Momo é ao som das marchinhas de carnaval. Em seu período de reinado, de 1920 até 1960, a marchinha era avassaladoramente a música mais cantada. Feitas com o compasso binário da marcha militar, andamento acelerado, melodias simples e comunicativas, com letras cheias de picardia, as marchinhas guardam estreita relação com um espírito tipicamente carioca. São filhas diretas do jeito extrovertido e jocoso com que os compositores populares do final do século XIX compunham suas polcas.
Vista como a primeira composição do gênero, “Ó abre alas”, de Chiquinha Gonzaga, escrita em 1899 para o cordão Rosa de Ouro, inaugurou uma dinastia de autores do estilo, que contou ainda com Sinhô, Eduardo Souto, Lamartine Babo – o Lalá –, João de Barro, Alberto Ribeiro, Haroldo Lobo, Noel Rosa, Joubert de Carvalho, Nássara e outros.
João Roberto Kelly foi, na década de 1960, um dos últimos compositores ligados ao gênero, que começou a perder terreno para o samba nos bailes e nas ruas (o contexto político pouco amistoso da ditadura militar, avessa a brincadeiras, sorrisos e pilhérias, ajudou a pôr fim no reinado de quatro décadas das divertidas marchinhas).
A partir de 1968, o samba carnavalesco, em sua forma de samba-enredo, passa a se destacar como o principal gênero executado nos dias da festa de Momo. Ele é a “ilustração poético-melódica do tema que a escola de samba desenvolve durante o desfile”.1 No início da década de 1970, conquistou a indústria do disco e passou a ser consumido no Brasil inteiro. Já no final da década de 1990 o samba-enredo perdeu espaço no mercado fonográfico e, conseqüentemente, também na boca do folião. Hoje se canta de tudo durante o carnaval, como era antes dos anos 1930: samba, axé-music, funk, forró, frevo, pagode paulista, sertanejo-music, música pop, hip-hop e outros ritmos.


Marchas de carnaval

Muitos compositores fizeram marchinhas de carnaval que se tornaram eternas: Haroldo Lobo, Braguinha, Nássara, Alberto Ribeiro. Mas talvez tenha sido Lamartine Babo o principal compositor do gênero. O autor de “Linda morena”, sensível ao seu tempo, criticou o uso de estrangeirismos no nosso idioma com a letra de “Canção para inglês ver”. Atualmente usamos palavras de origem inglesa como se elas sempre tivessem feito parte de nossa realidade: bebida é drink; ser leve é ser light... Foi brincando com a salada de palavras estrangeiras no país que Lalá compôs uma marchinha mencionando também a influência da cultura francesa: “Forget not me/ of!.../I love you!
Abacaxi... whisky/ off chuchu.../ malacacheta; independente day/ no street-flesh me estrepei.../ elixir de andaime/ mon Paris je t’aime/ sorvete de creme.../ My girl good night.../ Oi!/ Double fight/ isto parece uma canção do Oeste/ coisas horríveis lá no far west...”


Vamos explorar um pouco a história do carnaval no Rio de Janeiro para depois então vestirmos nossa fantasia de “brincante” nas escolas de samba mais tradicionais da cidade.


O carnaval antes de 1930

“Carnaval (ao público, em voz de falsete):
Os senhores me conhecem?
Sou eu mesmo... o Carnaval!...
(voz natural) mas se licença me dessem,
falava em voz natural.
Em poucos versos contar-lhes
a minha história aqui vou;
o meu passado lembrar-lhes,
que tão depressa mudou.
Eu fui isto que estão vendo:
como dominó reinei...
mas fui descendo... descendo...
e em princês me transformei (transforma-se).”
O Bilontra, revista de ARTHUR AZEVEDO, fim da década de 1880

O carnaval é uma festa conhecida desde a Antiguidade. Seu espírito sempre foi o de inversão de papéis, espaço comunitário de brincadeiras que diluíam a hierarquização da sociedade.
No Rio de Janeiro, o período compreendido entre os dias de Sábado Gordo e Quarta-feira de Cinzas era marcado pelo entrudo e por desfiles de blocos ou grandes sociedades, corsos (grupos de foliões com fantasias iguais ou de mesmo tema, que saíam em carros conversíveis pelas ruas mais importantes da cidade e eram aguardados com entusiasmo pela população), clubes, ranchos e, a partir do final da década de 1920, escolas de sambas.
É importante salientar que não há uma evolução natural nessas formas de brincar o carnaval. O tempo de cada uma foi determinado por sua capilaridade social. Os ranchos, surgidos ao final do século XIX, sobreviveram até a década de 1970, quando foram deixando de ser um fenômeno de massa. O entrudo, uma das manifestações citadas acima, foi durante muito tempo sinônimo de carnaval. Era um conjunto de brincadeiras e folguedos realizados 40 dias antes da Páscoa. Uma dessas brincadeiras era jogar limões-de-cheiro ou laranjinhas com todos os tipos de líquidos possíveis nas pessoas que passavam pela rua. Ovos e farinhas no rosto também faziam parte do cardápio. Brincavam todos, jovens e adultos, escravos e senhores, povo e elite.


Zé-pereira

Liderados pelo português Zé Nogueira, que o povo passou a chamar de Zé Pereira, vários portugueses saíam pelas ruas tocando zabumbas e tambores.
Nascia assim, por volta de 1850, o mito do zé-pereira, figura carnavalesca prestigiada pelos clubes, blocos e cordões. Precursores de alguns instrumentos que permaneceriam no carnaval, os zé-pereiras entoavam o estribilho: “Viva o zé-pereira/ que a ninguém faz mal/ E viva a bebedeira/ nos dias de carnaval/ Viva o zé-pereira!/ Viva, viva, viva!” A historiadora do carnaval carioca Eneida Moraes relata as características do zé-pereira: “Carão amorenado e simpático, olhos brejeiros, bigode curto e grisalho, cabelo todo branco e à escovinha, barba escanhoada, altura regular, ombros e cadeiras largas, peito cabeludo, musculatura de atleta, sempre em mangas de camisa, vendendo saúde...”


No fim do século XIX, a sociedade “culta” – políticos, jornalistas e literatos –, com seus pensamentos civilizadores, passou a construir uma nova imagem do carnaval carioca. Condenavam o entrudo e valorizavam os préstitos, bailes e batalhas de confete, entre outras práticas, como o verdadeiro carnaval. Com o entrudo foram surgindo também as grandes sociedades. Com forte influência européia e constituídas pela autoproclamada “boa sociedade” da época, foram uma das primeiras formas de organização do carnaval carioca.
Quem liderou pioneiramente esse novo estilo foi o escritor José de Alencar, em 1854, ano em que criou uma sociedade denominada Sumidades Carnavalescas. O desfile das grandes sociedades, chamado pomposamente de préstito, era o esplendor das atividades anuais dos clubes: Fenianos, Democráticos, Tenentes do Diabo, Pierrôs da Caverna, entre tantos outros. Essas organizações carnavalescas eram frequentadas por prósperos comerciantes, banqueiros, fazendeiros e profissionais liberais. Com ar de “clube do Bolinha”, já que só os homens participavam do comando, elas desenvolviam funções políticas, filantrópicas e culturais, e digladiavam entre si para saber quem organizava o melhor baile da cidade. Na questão política, por exemplo, alguns clubes participaram ativamente das campanhas abolicionista e republicana. É o caso de José do Patrocínio, a grande referência na luta abolicionista, que era um destacado folião dos Tenentes do Diabo.

As escolas de samba de hoje muito se inspiram nas sociedades, em seus carros alegóricos com personagens históricos, na organização em alas, na queima de fogos de artifícios para marcar o início dos desfiles, nas letras críticas, na riqueza das fantasias e na beleza das mulheres.
Já os ranchos eram uma espécie de cordão mais organizado, e, além de contarem com maior presença feminina, reuniam um instrumental mais sofisticado, com violões, cavaquinhos, flautas e clarinetes. Seu aparecimento remonta ao último quartel do século XIX e está ligado diretamente à figura do baiano Hilário Jovino Ferreira. Jovino soube misturar elementos do rancho de reis, como as pastoras bem ornadas, com as figuras de mestre-sala e porta-estandarte. Influenciou fortemente o aparecimento de ranchos como Reis de Ouro, Ameno Resedá e Reino das Magnólias. De origem popular, os ranchos sofreram influência da cultura nordestina, incorporando características das procissões religiosas de origem negra e de manifestações folclóricas típicas do Dia de Reis.
Os blocos são, atualmente, a forma mais democrática de se pular o carnaval.
Por isso eles têm ressurgido nos quatros cantos do Rio de Janeiro, incendiando a cidade com sua criatividade, jocosidade e alegria. Sua tradição remonta ao final do século XIX. Blocos como Coração de Ouro, Bumba Meu Boi, Zé-Pereira, Flor do Andaraí Grande, entre centenas de outros, eram presença certa nas ruas. A irreverência, o humor e o espírito comunitário alcançaram na segunda metade do século xx seu ápice com os desfiles de Cacique de Ramos, Bafo da Onça, Boêmios de Irajá e Chave de Ouro.
Na Zona Sul do Rio, os blocos Barbas, Suvaco de Cristo e Simpatia É Quase Amor passaram a representar, pelos bairros de Botafogo, Jardim Botânico e Ipanema, o clima alegre e esperançoso em que vivia a sociedade nos anos 1980, década marcada pela campanha das Diretas Já, pelo fim da ditadura militar com a eleição indireta de Tancredo Neves, pelo surgimento de inúmeros partidos políticos e pela maior organização da sociedade civil, fato refletido inclusive na própria criação dos blocos. (Depois de mais de 20 anos de ditadura militar o povo brasileiro voltava a respirar sem as baionetas apontadas para o seu nariz.)
O cantor e compositor Lenine, folião de primeira dos blocos da Zona Sul, conta-nos sobre a participação de um pernambucano no carnaval carioca: “A Zona Sul retomou o carnaval de rua despojado, de uma arte efêmera que dura as semanas que antecedem o carnaval e os próprios dias da festa. Esses blocos fazem a crônica do ano do Rio e do Brasil. Isso tudo é muito parecido com o que eu vivia nos blocos de Recife, por isso entrei de cara. A temática e a crítica eram parecidas, o que mudava era apenas o ritmo. Os blocos de alguma forma amenizavam a saudade que eu tinha das festas da minha terra.”

Cordão do Bola Preta

Em atividade desde 1918, o Bola Preta arrasta milhares de foliões fantasiados no sábado de carnaval, no Rio de Janeiro, cantando o seu hino “Segura a chupeta”, de Vicente Paiva e Nelson Barbosa: “Quem não chora não mama/ segura, meu bem, a chupeta/ lugar quente é na cama/ ou então no Bola Preta.” A paixão de seus fundadores por uma linda moça que vestia uma fantasia branca com bola preta fez com que o cordão adotasse essas cores como as oficiais da agremiação.







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