Por Marcilo José Ramos da Silva
RESUMO: O trabalho a seguir, pretende analisar a temática Mangue Bit, também conhecido como Mangue Beat, movimento artístico-musical criado no inicio dos anos 90 na cidade do Recife-PE por jovens músicos, jornalistas e artistas da periferia local. Tal movimento pretendia alertar a população para a ociosidade cultural a qual a cidade se submetia na época, como também conscientizar a comunidade para os problemas sociais dos quais a população sofria. O Movimento Mangue Beat serviu para dar vez e voz a quem até então vivia a margem sócio-econômica da cidade. Com o surgimento da cena Mangue, o subúrbio passou a ser visto não só como um lugar de violência e desprezo, mas sim, também como um lugar de produção cultural de qualidade. Foi a partir do Mangue Bit que os tidos, classe “B” e “C” puderam se expressar artisticamente marcando assim um novo recorte no campo cultural recifense. Entretanto, os mentores da cena não estavam preocupados só com a produção musical, mas também com a questão ambiental, pois o processo de modernização da cidade aterrou os mangues para dar lugar a avenidas e prédios, ou seja, o movimento ao mesmo tempo que se preocupou com a estagnação musical, denunciou a degradação do ecossistema local, tendo em vista que o mangue é considerado berçário da maioria das espécies marinhas. Para isso se muniram de um documento, o manifesto Mangue, é dividido em três partes e nelas podemos notar a presença dos discursos culturais, ambientais e de identidade. Para a difusão do Manifesto Mangue, seus criadores utilizaram-se tanto da mídia impressa quanto da mídia digital, além do que, criaram uma linguagem própria, baseada em metáforas e gírias ligadas ao ecossistema manguezal. O Mangue Beat esteticamente rompe com a dita tradição musical, se utilizando de fusões rítmicas para fomentar outro gênero que tem como característica a junção do moderno com a tradição, o lúdico com o político, diversão e preocupação.
PALAVRAS-CHAVE: Mangue Beat. Maracatu. Manifesto. Chico Science
Agradecimentos e “Desagradecimentos”
Agradeço: A força que rege o universo e toda pequena vida terrestre. A minha mãe que segurou a barra, a meu pai que deu suporte, aos meus irmãos, minha tia-avó, tios (as) e primos que de certa forma me ajudaram. Aos amigos (as) que sempre estiveram presente nessa minha caminhada. Aos colegas de “apartamento”, com eles aprendi o que é solidariedade. Há quem um dia me chamou de “comunistazinho de m..., cheguei e você também fez parte dessa história. Ao movimento estudantil em minha vida representado pela UJS e ao PCdoB. Ao Teatro do Oprimido, ao CUCA- CG. Aos escravos que começaram tudo isso, aos bodes por ceder (involuntariamente) suas peles. A Tequila de Tiago (in memoriam). Ao site pernambucobeat, que cedeu espaço para minha coluna. Aos mangue boys e mangue girls. Ao carnaval de Olinda. Aos professores da Escola José Higino de Sousa, Colégio Sagrado Coração e CEDUC. Agradeço também a cidade de Campina Grande. As bandas Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Otto, Mestre Ambrósio e Cordel do Fogo Encantado.
“Desagradeço”: Aos professores arrogantes e egocêntricos aos quais conheci em minha jornada. Aos assaltantes que me levaram o cartão de passe e algumas apostilas. Aos motoristas de ônibus que não param para os idosos, aos políticos corruptos, a intolerância religiosa, ao preconceito étnico e social, a quem polui os mangues e a natureza de forma geral.
Introdução
Tendo em vista que vejo Pernambuco como um estado de grande efervescência cultural, principalmente no campo musical, senti a necessidade de pesquisar a Cena Mangue, sendo uma época contemporânea a minha vivência e tendo vivido a musicalidade diretamente, juntei o útil ao agradável e aqui estou tentando nestas breves paginas historicizar o que veio a ser tal acontecimento, qual suas intenções e suas preocupações. A cidade do Recife é composta de três ilhas e várias pontes, sendo denominada “cidade estuário”, foi construída às margens do Rio Capibaribe, rio esse de nascente localizada no agreste pernambucano, na serra do Jacarará, entre as cidades de Jataúba e Poção. De extensão 250 km, possui 74 afluentes e banha 43 cidades ao longo do seu curso. É citado como parte vital da região em reportagens televisivas e jornalísticas, mini-séries, poemas e livros como Morte e vida Severina e O Rio, ambos de autoria de João Cabral de Melo Neto. De suma importância também para a cidade do Recife é o rio Beberibe. Recife é chamada “Veneza Brasileira”, por ser cortada em vários pontos por rios. Sendo assim, podemos dizer que a cidade do Recife é uma cidade “anfíbia”, com seus rios e suas pontes antigas como a ponte Mauricio de Nassau (herança holandesa) e a Ponte da Boa Vista, que serve para ligar a cidade histórica com a cidade moderna, ilha a continente. É por essas artérias (pontes) que glóbulos brancos e células cancerígenas (pessoas de boa e má fé) também circulam no coração da Manguetown (cidade mangue). João Cabral de Melo Neto em sua literatura deixa bem intrínseco essa idéia, quando fala: “Esta foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues de Recife, fervilhando de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo”. É impossível não ligar metáforas a vida caótica, porém poética da cidade do Recife.
No inicio dos anos 90 Recife (culturalmente falando) encontrava-se como uma “cidade passiva”, nada de significativo para e pelos jovens era produzido. Neste período o Movimento Armorial com incentivo do governo se destacava, porém a política cultural para o jovem principalmente da periferia era quase que zero. A situação chegou a tal ponto que uma matéria publicada no dia 26 de Novembro de 1990 pelo Jornal do Comercio relatava uma pesquisa feita pelo instituto Population Crisis Committe de Washington- EUA, considera Recife a 4º pior cidade do mundo para se viver. Em suma, a cidade do
Recife vivia um ócio cultural produtivo e o poder publico da época nada fazia para melhorar a situação. O quadro era alarmante, relatos da época de maneira irônica informam que, caso o leitor espremesse os jornais saia sangue de tanta violência a qual a cidade estava fadada a presenciar. Era preciso mudar esse quadro e colocar Recife em evidencia positiva, para que a cidade voltasse a ser a boa e velha “Veneza brasileira” dos poetas de outrora.
Junto com o progresso veio à deterioração da biodiversidade ao redor da cidade, do muito que se tinha, hoje sobrou pouco ou quase nada. As leis de preservação estão no papel, porém pouco se faz para fiscalizar e punir quem desrespeita o meio ambiente e o ecossistema local. Fato preocupante, tendo em vista que 15 % dos mangues mundiais estão no Brasil, tal ecossistema só é encontrado em regiões tropicais e subtropicais, 90% dos alimentos marítimos vem do mangue.
“As margens do Capibaribe são o paraíso do
caranguejo. Se a terra foi feita para o homem com tudo para o bem servi- lo,
também o mangue foi feita especialmente para o caranguejo, tudo aí é, foi ou
está para o caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. Por outro
lado o homem daí vive para pegar caranguejo, chupa-lhes as patas, comer-lhe a
sua carne feita de lama, o que o organismo rejeita volta como detrito para a
lama do mangue, para virar caranguejo outra vez” (CASTRO apud REZENDE, Antônio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. 2.
ed. Recife: Fundação de cultura da cidade do Recife, 2005: 207).
Pouco é feito para inibir as mega empreiteiras. Existe um jogo de interesse político nas entrelinhas do discurso por parte do poder publico que diz; ser impossível frear o “progresso”, progresso esse que polui rios e matas, lançam diariamente toneladas de detritos tóxicos, empurra a população necessitada e carente para margens destes rios que, por sinal se tornam esgotos a céu aperto. Será que é justo o preço pago pela natureza, onde poucos desfrutam das maravilhas do progresso e muitos vivem marginalizados sem qualquer expectativa de vida futura?
Desde que a antena parabólica dos mangue boys sintonizou a cultura pop mundial, Recife não foi mais a mesma. Quando atingiu aquele rio, a água do mar retornou diferente ao oceano. A metáfora da antena parabólica enfiada na lama serviu para estimular artistas e comunidade na sintonia do dinamismo exterior sem jamais perder suas ricas raízes. Sendo assim, de forma metafórica (tal qual é o Mangue Bit) trabalho com a idéia em que, segundo Andrade “O que a gente deve mais é aproveitar todos os elementos que concorrem para a formação permanente da nossa musicalidade étnica (1962 p, 29), acredito eu, que a temática Mangue Bit precisa ser mais estudada, pois, assim como Neto, acho que o Mangue Bit “É a resistência dos vencidos (2007 p, 24).
O trabalho foi concebido em 3 capítulos. No primeiro tratarei da história musical brasileira e todas as influencias musicais e culturais da MPB, assim como o rock americano e a musica africana representada pelo maracatu.
No segundo capitulo abordarei a trajetória de vida do principal mentor da cena Mangue, Chico Science e o surgimento da idéia do que viria a ser o Mangue Beat. O documento Manifesto Mangue e os primeiros discos (letras e temática) das bandas Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A.
No terceiro capitulo, analisarei outras ramificações da filosofia Mangue, ramificações essas inseridas nas artes plásticas, moda, cinema e fotografia. Adentrarei também, ao contexto atual da cena Mangue, a decadência da industria fonográfica e as novas tecnologias no campo musical.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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Chico Science e Nação Zumbi. CSNZ. Chaos/Sony Music, 1998. (Cd póstumo)
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QUEIROZ, Bidu. & BARROSO, Cláudio.O mundo é uma cabeça. 2004 (17 min. Cor) TENDLER, Sílvio. Josué de Castro, cidadão do mundo. 1995. (52 min. Cor)
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