sábado, 20 de abril de 2019

A MÍNIMA VOZ: MODOS DE SUBJETIVAÇÃO DO FEMININO NA CANÇÃO - PARTE 04

Por Pedro de Souza/UFSC-CNPq RESUMO


RESUMO

O objetivo deste artigo é saber de que maneira as cantoras contemporâneas, historicamente localizáveis a partir da década de 1980, podem buscar na voz o ponto enunciativo de subjetivação. Trata-se de focalizar o momento em que, na história da música popular brasileira, as maneiras de colocar a voz no canto feminino não mais obedecem ao regime de discurso que, na época de ouro do rádio, determinava a colocação de um drama na voz como parte das condições de produção do sujeito que canta. No campo da escola francesa de Análise de discurso, o presente trabalho insere-se em uma pesquisa mais ampla que investiga processos de constituição do sujeito mediante enunciações cantadas. O ponto de referência do processo discursivo a ser rastreado na análise é a história das cantoras do rádio em relação às cantoras contemporâneas. Nesta relação, focalizo certo modo de subjetivação do feminino operado na relação entre voz cantada e ato enunciativo.


PALAVRAS-CHAVE: voz, enunciação, MPB, discurso.



CONCLUSÃO

Muito além da polêmica implícita nas falas analisadas neste artigo, o caso não é de expor enunciados representando ideologicamente a defesa do apagamento de uma dramaticidade fora de moda. Minha proposição é de que há drama na voz na medida em que esta abriga, relativamente à dada esfera do regime de subjetivação, a demanda de escuta e a demanda de interpretação.

Nesta direção, o problema não consiste em anular do gesto vocal o drama ou o melodrama, mas de tomá-lo na forma em que se dispõe a ser interpretado na história. Tem-se aí o sentido do drama na voz - não o que remete à experiência emocional da dor ou do prazer, mas o que descreve o processo pelo qual se põe em ato a dramaturgia do discurso, ou seja, a maneira de ligar gesto vocal e efeito de sujeito. Deste modo, o princípio da dramaturgia do discurso vale tanto para as performances feitas de pequenas vozes, quanto às realizadas tradicionalmente por vozeirões. Em síntese, cantar com maior ou menor força tem mais a ver com a maneira de dar acesso ao sujeito que se constitui pelo e no impulso vocal.

O fundamental do procedimento analítico desenvolvido neste trabalho é situar o marco em que se escuta a ressonância do que outrora já se deu como lugar para a mulher dizer a si mesma. Nunca é demais repetir que a descoberta de tal ressonância está ancorada na exploração dos dizeres remissíveis à voz feminina na música popular brasileira. Nisto reside os conceitos de historicidade e processo discursivo envolvidos na dispersão de eventos enunciativos que só certa operação analítica trata de fixar seu referencial. 

Se o critério da relação entre a adequada postura vocal e o reconhecimento do sujeito como alguém que canta tem sua validade analítica, então, na continuidade desta análise, é possível observar como o sentido da voz desloca-se da valorização da grande extensão para o elogio estético da emissão vocal, tanto no canto lírico quanto no popular. Em termos de discurso, o caso não é de atentar para a representação ideológica da mulher que canta, mas da maneira como esta deve se constituir como sujeito pela voz no ato de cantar. Tal é o ponto de vista cujas regras e princípios apreciativos devem descontinuamente se deslocar na história da prática do canto como arte popular e também erudita.

Chego enfim ao ponto da análise em que, de um período a outro, a voz feminina no seu jeito de soar se descola de certa modulação para uma outra em que não mais se ouve contemporaneamente o mesmo efeito de sujeito verificado feito na tradição radiofônica. Tudo isso pode não passar de ficcionalizações que só se verificam no interior do processo analítico aqui desenvolvido e nunca como fato atestado na história. De todo modo, o que vale é o procedimento e nunca a justa e apriorística realidade histórica a que se pretenderia chegar. Ainda que não seja esta a linha de estabilização lógica do sentido da história da canção popular brasileira e da galeria de cantantes que compõem seu tesouro cultural, o importante é compreender como a discursividade histórica resultante da análise encetada até então neste trabalho dá lugar ao que quero propor como a forma de dizer presença do feminino como voz nas canções.  





REFERÊNCIAS
FOUCAULT, M. O Governo de Si e dos Outros .Curso no Collège de France (1982- 1983).Tradução Eduardo Brandão. São Paulo, Editor Martins Fontes, 2010
HOLANDA, C. À flor da pele. Direção: Roberto de Oliveira, Manaus, DVD, EMI Music Brasil Ltda., 2005.
MARTINS, S.. O poder do sussurro. Revista Veja, São Paulo, Edição 2128 / 2 de setembro de 2009. Música, p. 134-135.
MOREL, M. Valeur énoncitive dês variations de hauteur en français. Journal of French. Language Studies. Sept. 1995. Vol5, no. 2. Cambridge university press, pp. 189-202 
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001. SOUZA, Pedro de. Sonoridades vocais: narrar a voz no campo da canção popular Revista outra travessia, Jun. 2011 [S.l.], n. 11, p. 99-114

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